APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

sábado, 19 de julho de 2014

HOMILIA - o joio e o trigo 20.07.2014

HOMILIA – JOIO E O TRIGO
Sab 12, 13.16-19   Rom 8, 18-25   Mt, 13, 24-30. 36-43
A criação espera ansiosamente a revelação dos filhos de Deus.
O Evangelho fala de pessoas que questionam o semeador se ele tinha semeado uma boa semente, tendo em vista que observa joio no meio do trigo. Olhando a vida, a injustiça, a dor, o sofrimento, somos tentados a questionar a Deus e a Sua bondade, sua própria existência como Amor.
Procuramos a Deus no grandioso, no espetacular, no prodigioso, no milagroso. Como nos lembra São João Crisóstomo, doutor da igreja, em um de seus sermões, os apóstolos eram pessoas que desfrutamvam de uma vida normal, viviam nas cidades, ocupavam seus ofícios. E nos lembra que João não fez milagres. Não é o extraordinário, nem no extraordinário que Deus se revela e no qual podemos O experimentar.
A parábola de hoje fala do joio no meio do trigo. Fala de uma comunidade onde há conflito, imperfeições, mas onde aponta um caminho – paciência, tempo, compaixão.
A Conferência de Lamberth de 2008, falando da missão, frisa que devemos incluir a todos, e ser exemplo de participação solidária na igreja e no mundo. Não é com poder e autoridade, com julgamento e legalismos que vamos transformar nosso mundo e nosso viver.
Santo Agostinho dizia: “Só Deus conhece os Seus”.
Nossa igreja assume todos os dias, e em todas suas celebrações, o acolhimento litúrgico e comunitário, em ações e orações, no reconhecimento de que o Senhor é livre no seu agir.
Está claro, não podemos julgar, não temos a capacidade de olhar e entender tudo plenamente. Não somos senhores da verdade e do Evangelho. Apenas pretendemos caminhar no Seu Amor e na Sua Palavra.
A criação segue a esperar que os filhos de Deus O revelem ao mundo. Mas a revelação dele não se dá com o poder, com a força, como está claro no livro da Sabedoria: Ele domina Sua força!
De esperança em esperança, dizia Dom Paulo Evaristo, Cardeal Arns. Esperança que não se vê, esperamos no que não vemos. Mas podemos tocar, sentir, apalpar, mergulhar em Seu amor.
Sim, podemos!
Deus é amor, um amor que se fez e se faz carne, corpo, justiça, Paz, solidariedade, luz, encontro salvífico. Jesus fala de semente, semente de mostarda, do joio, do trigo, imagens comuns tiradas do cotidiano da vida.
Jesus nos chama, e chama a todos a Seu seguimento, a responder a sua vocação, a dar testemunho deste seguimento. È no cotidiano da vida, do nosso viver que celebramos Seu Amor nos encontros com as pessoas e situações a que estamos submetidos.
Nos encontros e nas celebrações podemos alimentar nossa esperança e nosso viver no Santo Espírito, que derrama Sua Graça de O percebemos no meio de nós, fracos e frágeis, humildemente, como uma pequena semente, que escondida se faz vida.
Amor, paciência, misericórdia. Responder às necessidades humanas com amor, revelando Seu agir na simplicidade. E os frutos, mansidão, paz, solidariedade, fraternidade, serviço, justiça hão de aparecer e dar testemunho de que seu Reino segue em nosso meio, mesmo com todas as nossas limitações.
Confiemos e sigamos a viver de esperança em esperança, de serviço em serviço, do Amor que nos salva.
Que a Graça do Senhor nos acompanhe pela vida afora a nos proteger e guiar.

Muito obrigado.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Educação teológica



Apresento pequena reflexão sobre pedagogia eclesiástica. a linguagem é um pouco técnica....

O QUE AS IGREJAS ESPERAM DA EDUCAÇÃO TEOLÓGICA
HIDEÍDE BRITO TORRES
REFLEXÕES E APONTAMENTOS

Vivemos numa sociedade do espetáculo, midiática, “fluídica”, imagética, pautada por valores estéticos. O mundo real, entretanto, é outro, repleto de dramaticidade, opressão, desigualdade social, vidas ceifadas precocemente, tantos e tantas perambulando sem ver sentido em seu viver, sem dignidade.
A “morte de Deus”, propugnada por tantos, não ocorreu. O mundo, marcado pelo utilitarismo e pela fragmentação do conhecimento, pela busca do lucro e pelo imperativo do poder do mercado, desafia a Igreja e o pensar teológico, pois não é de seu interesse a reflexão e o desenvolvimento da criticidade, em especial se este pensar dirige-se à práxis que visa à transformação do mundo. Para os que se assenhoraram do poder e, quem sabe, de algumas das estruturas eclesiásticas, é conveniente uma igreja que se funda numa sucessão de factoides espirituais, focada em experimentalismos e propostas que toquem nas emoções e agreguem mais e mais pessoas em êxtases fabricados e artificiais, sem tocar ou mesmo tatear a experiência vivificante de Deus que nos movimenta no Amor para sanar as feridas dos que sofrem e para conectar as estruturas pecaminosas em um caminho focado na justiça e solidariedade.
É neste ambiente, e com esta carga pesada, que a Igreja deve definir-se e construir sua proposta e seu agir pedagógico.
A Igreja, em seu constructo social, funda-se em um corpo pastoral formado por leigos e clero, onde o destaque evidente é para a formação deste último. O preparo teológico constrói e possibilita uma trajetória pastoral – pessoal e institucional – profícua e que possa responder à complexidade da vida nos dias de hoje. Este preparo não deve, entretanto, pautar-se apenas na construção conceitual e teórica, mas fundamentar metodologicamente seu agir pedagógico em todas suas atividades, perpassando as práticas meditativas, a liturgia, a oração, as práticas sociais, de forma a impactar seus membros, fortalecer sua fé, ampliar o conhecimento teológico, o Amor a Deus e a seus irmãos. O estudo teológico deve, portanto, preparar no campo teológico a na sua humanidade – na teoria e na prática pastoral e social – uma formação ampla e segura que legitime e de substância ao chamado que Deus o fez Não é o bastante o diploma para ancorar um agir pastoral consistente e que dê conta da exigente realidade.
A articulista bem atesta o desafio pastoral a pagina 53 de seu texto: “...a pastora essencial é a pessoas que consegue fazer de sua formação um ancoramento que assegure algumas verdades num mundo liquido como esse em que vivemos”. Apresenta ainda os desafios de não ficar apenas na fala do pastor o processo de educação teológica, mas nas relações pessoais e comunitárias, na Escola Dominical, nos caminhos e trajetos formativos (assembleias, reuniões, cursos etc.) que, criativamente, podem ser construídos e trabalhados.
A instituição deve esperar construir e favorecer a construção deste ambiente formativo e informativo, pessoal e coletivamente, sem se preocupar com o “sucesso” no mercado religioso, mas com o compromisso com sua pujança teológica, com as verdades reveladas, com a experiência de amor, com o compromisso com os desvalidos – tal como Nosso Senhor, o Cristo Jesus.
A Igreja como espaço pedagógico privilegiado da construção de uma humanidade cristã, desafiante dos valores imperativos do mundo, deve alimentar e dar sabor às vidas. Com o encantamento de Sua experiência, no saborear Sua Palavra e da Sua Glória, que se faz presente nos encontros misericordiosos e salvífico com os esquecidos e esquecidas da sociedade. Deus nos chama, a todos, nos fornece Sua Graça e nos joga a mergulhar em Seu conhecimento de forma apaixonada e contagiante para poder – responsavelmente – responder à dramaticidade da vida.  
A formação deve, entretanto, formar uma cultura inclusivista e de permanente humildade, sempre missionária, como um serviço à vida e a construção de um movimento – trajeto permanente – que, mergulhado no mundo e no seu desvelamento encante e revela o Deus amor em Suas entranhas a insistir na vivência do mistério salvífico.
Deve, portanto, e isso não é uma tarefa fácil, ser e permanecer com características libertadoras, críticas (a verdadeira educação deve sempre permanecer crítica), comprometidas. Que resgate e amplie nossa humanidade com a seiva de Seu Amor vivido, testemunhado e levados a todos os que tem fome e aos que tem fome de justiça e de vida. De vida humana, plena, real e concreta. Onde Ele se faz tudo e, mesmo em nossa enorme e eterna pequenez, o Amor se revela e toma conta. E a Igreja se faz poesia e seu encantamento pode se espalhar, irresistivelmente como via e vida plena. A todos.

sábado, 9 de março de 2013

Entrevista com José Oscar Beozzo


"Dei entrevista por telefone para o reporter Fabiano Maisonnnave que saiu publicada na Folha de domingo, dia 02 de março, no caderno A 16. Revisei-a antes de ir para o editor. Este fez cortes, o que é normal num jornal. Um dos cortes porém, tornou o texto contraditório e incompreensível", escreve José Oscar Beozzo, coordenador do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular e autor de livros e artigos sobre a história da igreja no Brasil e na América Latina, à ombudsman do jornal Folha de S. Paulo.
Ao enviar a íntegra da entrevista, Beozzo afirma que "o jornal truncou o texto e por isto envio em anexo a entrevista completa. Prefiro que seja este o texto divulgado".
Eis a entrevista.

O que se pode dizer sobre o provável perfil do novo papa?
Essa renúncia de Bento XVI mexeu profundamente com a igreja toda, com o inusitado do seu gesto. De certa forma, ele fechou o arco de um movimento iniciado no Concílio Vaticano II. O Concílio, de maneira muito sábia estabeleceu um limite de idade para os bispos e os párocos: 75 anos. Depois disto deveriam entregar espontaneamente seus ofícios ou serem solicitados a fazê-lo pela competente autoridade.
Paulo VI aplicou em 1970 essa mesma norma aos Cardeais da Cúria Romana. Deveriam entregar sua carta de demissão aos 75 anos. Aos 80 anos perderiam também seu direito de eleger o próximo papa. 
Bento XVI, com sua renúncia apontou com toda clareza que a sábia norma conciliar devia ser tomada em conta também pelo Papa. Aplicou-a a si próprio e abriu caminho para que seja tomada em consideração pelos futuros papas.
Creio que os cardeais serão muito cautelosos em sua escolha no próximo conclave.  Depois de João XXIII, eleito com quase 80 anos de idade, escolheram um sucessor, Paulo VI, com 65 anos. Depois que Albino Luciani (João Paulo I) morreu com apenas um mês de papado, elegeram um papa bem jovem, para evitar um novo conclave em tão curto espaço de tempo: Karol Wojtyla, escolhido aos 58 anos.
E é sempre essa oscilação. É muito complicado um longo pontificado porque, a partir de certo momento, começa a declinar irremediavelmente. A pessoa vai perdendo força, capacidade de atuar e trabalhar e a Cúria romana passa a governar. A tendência, depois de um pontificado muito longo, é escolher um cardeal de mais idade, para se ter um pontificado breve.
Quando se tem um pontificado breve, surge a tendência inversa ou um meio termo. Vai-se  procurar candidato nem tão jovem mas também não de tanta idade. Eu tenho a impressão de que o papa vai ser escolhido entre cardeais perto dos 70 anos de idade mas não mais do que isso, por causa do breve pontificado e da renúncia de Bento XVI.

O Brasil tem cinco cardeais, menos do que os Estados Unidos, por exemplo. Por quê?
Os Estados Unidos, um país com menos da metade dos católicos do Brasil têm 11 cardeais. Acho que foi uma política de Bento XVI. Ele fez muitos cardeais na Europa e na Cúria ou nos países do norte do mundo: Estados Unidos e Canadá. Houve até uma reação após o consistório de fevereiro de 2012, quando ele criou 22 cardeais, quatro dos quais com idade superior a 80 anos. Dos 18 restantes, 8 eram arcebispos residenciais com responsabilidades pastorais, mas dez eram da Cúria. De fora da Europa, foram criados apenas três, um nos Estados Unidos e dois na Ásia. Nenhum, porém, na América Latina e nenhum na África. Juntos esses dois continentes abrigam quase 60% dos católicos.  Houve críticas generalizadas.
Nove meses depois, em novembro,, inopinadamente, Bento XVI criou seis novos cardeais: nas Filipinas, na Índia, na Nigéria, no Líbano, na Colômbia...  Foi uma espécie de remendo na escolha anterior, que havia sim contemplado um brasileiro, mas como cardeal de Cúria: Dom João Braz de Aviz, nomeado para a Congregação dos Institutos de Vida Consagrada e de Vida Apostólica.
Três quartos dos fieis da igreja católica encontram-se hoje  fora da Europa. Não há muito cabimento ter mais da metade dos cardeais eleitores na Europa, quando a Europa representa hoje apenas uns 23% dos católicos de todo o mundo. Há neste sentido, uma sobre-representação europeia no Colégio cardinalício e uma sub-sub-subrepresentação da América Latina. E os Estados Unidos e  Canadá juntos com 16 cardeais, rivalizam com toda a América Latina, que conta com 19 cardeais eleitores. Está tudo muito desequilibrado.
Claro que houve uma internacionalização grande iniciada nos conclaves do século passado. No primeiro [do século XX], não estava presente nenhum cardeal de fora da Europa, porque com a regra de 10 a 15 dias para se iniciar o conclave, navios saindo dos Estados Unidos e da Austrália não chegavam a tempo à Itália. Tampouco saindo-se do Brasil ou de qualquer outro país da América. Só em 1939 é que chegam os estrangeiros de fora da Europa, pois aí já era possível valer-se do avião.
Então hoje, ter metade de fora da Europa é alguma coisa. Mas,,nesse meio tempo, houve mudanças tão espetaculares na demografia e na distribuição geográfica do catolicismo. No começo do século XX, a Europa detinha 73% dos católicos, hoje tem 23%. A África contava com menos de 1% dos católicos e hoje cerca de 14%; a América Latina, 44%. Foi uma inversão total, mas não houve essa inversão na representatividade dentro do colégio cardinalício que se deve reconhecer foi muito internacionalizado pois há cardeais de mais de 70 países no conjunto do colégio, incluindo eleitores e não eleitores..

Por que Bento XVI reforçou o eurocentrismo?

Porque sua experiência é estritamente europeia. Ele viu como o grande desafio do seu pontificado recristianizar a Europa. Apostou todas as fichas no lugar errado, a meu ver. A Europa entrou num declínio demográfico impressionante. Está com uma população envelhecida, que decresce em vários países. Noutros, é apenas a imigração e os filhos dessas famílias que mascaram o colapso demográfico. Quando se em uma população envelhecida, não se sonha muito com o futuro. A Igreja na Europa e a Igreja na África , vivem dois mundos completamente diferentes. Uma está ancorada no passada e a outra projetada para o futuro.

Mais da metade dos cardeais com direito a voto foram escolhidos por Bento XVI. O sr. vê a possibilidade de que um colégio tão europeizado e indicado por ele consiga chegar à conclusão de que é preciso deseuropeizar?


Depende muito da conversa entre os cardeais nos próximos dias e de todo o amplo debate, em escala mundial que a renúncia de Bento XVI desencadeou. Chegam agora para os nove dias de reuniões que precedem o conclave um cardeal vindo de Hong Kong, na China, outro das Filipinas, outro do Vietnã e outros da Índia (são cinco) Eles vão falar da realidade no continente asiático. Cardeais da África, vão apresentar a realidade daquele continente.
A situação da igreja no mundo vai ser desenhada a partir das falas de quem está vivendo em cada um desses lugares com responsabilidades pastorais muito diretas. Haverá também a fala dos europeus e dos cardeais da Cúria, mas ao lado da fala dos outros continentes. Trata-se de um momento rico nesse sentido, pois se sairá dum discurso monocórdico ditado pelo centro da Igreja. Quem vai dar as cartas não será apenas a Cúria Romana. Aliás, ela está toda decapitada na sua direção mais alta, pois, quando o papa renuncia ou falece, todos os cargos cessam, e o novo papa tem mãos livres para compor o seu quadro de auxiliares mais diretos.

Como são as discussões para a escolha do papa?

Os cardeais têm a obrigação de se reunir para fazer o levantamento do estado da igreja, em princípio durante nove dias: são as “novendiales”. Depois, é preciso fazer uma síntese disso. E, diante dessa síntese, se discute qual é o perfil da pessoa que seria mais indicada para fazer face aos desafios levantados.
E as perguntas surgirão: Necessita a Igreja de um pastor ou de um diplomata, de um teólogo ou de um administrador, ou ousadamente de um profeta? A urgência é responder aos desafios da África ou da Ásia, continentes em que a Igreja mais cresce ou da América Latina, onde ela é mais numerosa? Nesse momento, pode-se chegar ao perfil de um não europeu. Aqueles que são apontados como candidatíssimos a papa, podem ter seus nomes descartados, por conta dessa reflexão em comum.
Pouco adianta, no momento atual, dizer: “É esse ou aquele nome o favorito”. Enquanto não se estabelecer esse quadro da igreja, não se definirem as prioridades e não se traçar o perfil do próximo papa, faz-se uma especulação sem grande fundamento. Uma pessoa que não se encaixe no perfil traçado ao final das discussões e reflexões, embora bom candidato, pode ver sua candidatura não prosperar.
O estado da Igreja e o perfil mais adequado para enfrentar os desafios levantados, vão surgir da discussão entre todos os cardeais, inclusive com o concurso daqueles que não vão participar do conclave, ou seja os cardeais com mais de 80 anos. Há 110 cardeais que não podem ir ao conclave, mas, irão participar se quiserem e puderem das “novendiales”.

Bento XVI preparou um sucessor, o arcebispo de Milão, Angelo Scola...

O papa Bento XVI emitiu sinais em relação ao Cardeal Scola. Três papas do século passado saíram de Veneza, que não é uma sede qualquer e sim uma sede prestigiosa, cujo titular leva o título de Patriarca. De Veneza saíram três papas no século XX: Pio X (1903-1914), João XXIII (1958-1963) e João Paulo I (1978). Bento XVI decidiu transferirScola de Veneza para Milão, de onde saíram o papa Pio XI (1922-1939) e também Paulo VI (1963-1978) Tirar Scola de Veneza - que é meio fim de carreira, como o posto de um marechal no Exército - e colocá-lo em Milão, pra bom entendedor da política interna... significa uma sinalização. Havia mais de 400 bispos na Itália, dentre os quais o Papa podia escolher livremente um para ser colocado em Milão. Ele escolheu alguém que aparentemente não deveria ser removido, por estar num lugar tão prestigioso, quanto Veneza.
Outra possível sinalização foi a escolha de um dos cardeais eleitores, Gianfranco Ravasi, para pregar seu último retiro como papa!
Mas podemos também nos voltar para a história, para extrair elementos de reflexão e discernimento: Leão XIII falou abertamente para todos os cardeais acerca de quem ele gostaria que fosse seu sucessor e o indicado não foi o escolhido. Depois dele, Pio X apostou no cardeal Gotti, mas ele também não foi eleito. João XXIII apostou no CardealMontini e este foi o escolhido, para ser o Papa Paulo VI, em que pese toda a oposição da Cúria Romana.  Então, o papa pode dar o seu pitaco, mas não significa que os cardeais necessariamente seguirão sua opinião ou sugestão.

Com a renúncia, Bento XVI está enfraquecido ou fortalecido para a escolha do seu sucessor?

Ele nomeou 77 cardeais, mais da metade dos que votarão, escolheu mais da metade do time que entrará em campo. Há poder maior do que esse? Por outro lado, com a renúncia, ele vai se recolher em copas. Não tem sentido ele ter renunciado e buscar agora influenciar diretamente no conclave. Ele mostrou humildade com seu gesto e grandeza humana e espiritual.
O ter-se recolhido a Castel Gandoldo é um bom indício dessa atitude de maior discrição. Vai ficar longe do Vaticano, onde irão se desenrolar as reuniões dos cardeais e depois o conclave.


sábado, 16 de fevereiro de 2013

Não desviar Jesus (Lc 4,1-13) - José Pagola


Não desviar Jesus (Lc 4,1-13) - José Pagola

Terça-feira, 12 de fevereiro de 2013 - 21h47min
As primeiras gerações cristãs mostraram grande interesse pelas provações e tensões que teve que superar Jesus para manter-se fiel a Deus a viver sempre colaborando no sem projeto de uma vida mais humana e digna para todos.
O relato das tentações de Jesus não é um episódio fechado, que acontece num momento e num lugar determinado. Lucas nos adverte que, ao terminar estas tentações "o diabo afastou-se dele até o tempo oportuno".  As tentações voltarão na vida de Jesus e na de seus seguidores.
Por isso, os evangelistas colocam o relato antes de narrar a atividade profética de Jesus. Os seguidores dele devem conhecer bem estas tentações desde o começo, pois são as mesmas que eles terão que superar ao longo dos séculos, se não querem se desviar dele.
Na primeira tentação fala-se de pão. Jesus recusa-se a se valer de Deus para saciar sua própria fome. "não só de pão vive o homem". O mais importante para Jesus é buscar o reino de Deus e sua justiça: que haja pão para todos. Por isso vai um dia se valer de Deus, mas será para alimentar uma multidão faminta.
Também hoje a nossa tentação é pensar só no nosso pão e preocupar-nos exclusivamente de nossa crise. Desviamo-nos de Jesus quando acreditamos ter o direito de possuí-lo e nos esquecemos do drama, os medos e sofrimentos daqueles que carecem de quase tudo.
Na segunda tentação fala-se do poder e da glória. Jesus renuncia a tudo isso. Não vai se prostrar diante do diabo que lhe oferece o domínio sobre todos os reinos do mundo: "Adorarás o Senhor teu Deus". Jesus não buscará nunca ser servido, mas servir.

A eleição de um novo papa e o Espírito Santo - Ivone Gebara


A eleição de um novo papa e o Espírito Santo - Ivone Gebara

Quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013 - 16h11min
por Artigo publicado por Adital
"Gostaria que a atitude louvável de renúncia de Bento XVI pudesse ser vivida como um momento privilegiado para convidar as comunidades católicas a repensar suas estruturas de governo e os privilégios medievais que esta estrutura ainda oferece", escreve Ivone Gebara, escritora, filósofa e teóloga, em artigo publicado por Adital, 13-02-2013.
(Conheça o livro Terra - Eco Sagrado, de Ivone Gebara e Arno Kayser)
Eis o artigo.


Depois da louvável atitude do ancião Bento XVI renunciando ao governo da Igreja Católica Romana sucederam-se entrevistas com alguns bispos e sacerdotes nas rádios e televisões de todo o país. Sem dúvida, um acontecimento de tal importância para a Igreja Católica Romana é notícia e leva a previsões, elucubrações de variados tipos, sobretudo de suspeitas, intrigas e conflitos dentro dos muros do Vaticano que teriam apressado a decisão do papa.

No contexto das primeiras notícias, o que chamou a minha atenção foi algo à primeira vista pequeno e insignificante para os analistas que tratam dos assuntos do Vaticano. Trata-se da forma como alguns padres entrevistados ou padres liderando uma programação televisiva, quando perguntados sobre quem seria o novo papa saíssem pela tangente. Apelavam para a inspiração ou vontade do Espírito Santo como aquele do qual dependia a escolha do novo pontífice romano. Nada de pensar em pessoas concretas para responder a situações mundiais desafiantes, nada de suscitar uma reflexão na comunidade, nada de falar dos problemas atuais da Igreja que a tem levado a um significativo marasmo, nada de ouvir os clamores da comunidade católica por uma democratização significativa das estruturas anacrônicas de sustentação da Igreja institucional.
A formação teológica desses padres comunicadores não lhes permite sair de um discurso padrão trivial e abstrato bem conhecido, um discurso que continua fazendo apelo a forças ocultas e de certa forma confirmando seu próprio poder. A contínua referência ao Espírito Santo a partir de um misterioso modelo hierárquico é uma forma de camuflar os reais problemas da Igreja e uma forma de retórica religiosa para não desvendar os conflitos internos que a instituição tem vivido. A teologia do Espírito Santo continua para eles mágica e expressando explicações que já não conseguem mais falar aos corações e às consciências de muitas pessoas que têm apreço pelo legado do Movimento de Jesus de Nazaré. É uma teologia que continua igualmente a provocar a passividade do povo crente frente às muitas dominações inclusive as religiosas. Continuam repetindo fórmulas como se estas satisfizessem a maioria das pessoas.

Entristece-me o fato de verificar mais uma vez que os religiosos e alguns leigos atuando nos meios de comunicação não percebam que estamos num mundo em que os discursos precisam ser mais assertivos e marcados por referências filosóficas para além da tradicional escolástica. Um referencial humanista os tornaria bem mais compreensivos para o comum das pessoas incluindo-se aqui os não católicos e os não religiosos.
A responsabilidade da mídia religiosa é enorme e inclui a importância de mostrar o quanto a história da Igreja depende das relações e interferências de todas as histórias dos países e das pessoas individuais. Já é tempo de sairmos dessa linguagem metafísica abstrata como se um Deus iria se ocupar especialmente de eleger o novo papa prescindindo dos conflitos, desafios, iniqüidades e qualidades humanas. Já é tempo de enfrentarmos um cristianismo que admita o conflito das vontades humanas e que no final de um processo eletivo, nem sempre a escolha feita pode ser considerada a melhor para o conjunto. Enfrentar a história da Igreja como uma história construída por todos e todas nós é testemunhar respeito por nós mesmas/os e mostrar a responsabilidade que todas e todos que nos consideramos membros da comunidade católica romana temos.
A eleição de um novo papa é algo que tem a ver com o conjunto das comunidades católicas espalhadas pelo mundo e não apenas com uma elite idosa minoritária e masculina. Por isso, é preciso ir mais além de um discurso justificativo do poder papal e enfrentar-se aos problemas e desafios reais que estamos vivendo. Sem dúvida, para isso as dificuldades são muitas e enfrentá-las exige novas convicções e o desejo real de promover mudanças que favoreçam a convivência humana.

Preocupa-me mais uma vez que não se discuta de forma mais aberta o fato de o governo da Igreja institucional ser entregue a pessoas idosas que apesar de suas qualidades e sabedoria já não conseguem mais enfrentar com vigor e desenvoltura os desafios que estas funções representam. Até quando a gerontocracia masculina papal será o doublé da imagem de um Deus branco, idoso e de barbas brancas? Haveria alguma possibilidade de sair desse esquema ou de ao menos começar uma discussão em vista de uma organização futura diferente? Haveria alguma possibilidade de abrir essas discussões nas comunidades cristãs populares que têm o direito à informação e à formação cristã mais ajustada aos nossos tempos?

Sabemos o quanto a força das religiões depende de desafios e comportamentos frutos de convicções capazes de sustentar a vida de muitos grupos. Entretanto, as convicções religiosas não podem se reduzir a uma visão estática das tradições e nem a uma visão deliberadamente ingênua das relações humanas. As convicções religiosas igualmente não podem ser reduzidas a onda de devoções as mais variadas que se propagam através dos meios de comunicação. E mais, não podemos continuar tratando o povo como ignorante e incapaz de perguntas inteligentes e astutas em relação à Igreja. Entretanto, os padres comunicadores acreditam tratar com pessoas passivas e entre elas estão muitos jovens que desenvolvem um culto romântico em torno da figura do papa.
Os religiosos mantêm essa situação muitas vezes cômoda por ignorância ou por avidez de poder. Provar a interferência divina nas escolhas que a Igreja Católica hierárquica, prescindindo da vontade das comunidades cristãs espalhadas pelo mundo é um exemplo flagrante dessa situação. É como se quisessem reafirmar erroneamente que a Igreja é em primeiro lugar o clero e as autoridades cardinalícias às quais é dado o poder de eleger o novo papa e que esta é a vontade de Deus. Aos milhares de fiéis cabe apenas rezar para que o Espírito Santo escolha o melhor e esperar até que a fumaça branca anuncie uma vez mais o "habemus papam”. De maneira hábil sempre estão tentando fazer os fiéis escapar da história real, de sua responsabilidade coletiva e apelar para forças superiores que dirijam a história e a Igreja.

É pena que esses formadores de opinião pública estejam ainda vivendo num mundo teologicamente e talvez até historicamente pré-moderno em que o sagrado parece se separar do mundo real e pousar numa esfera superior de poderes à qual apenas alguns poucos têm acesso quase direto. É desolador ver como a consciência crítica em relação às suas próprias crenças infantis não tenha sido acordada em beneficio próprio e em benefício da comunidade cristã. Parece até que acentuamos os muitos obscurantismos religiosos presentes em todas as épocas enquanto o Evangelho de Jesus continuamente convoca para a responsabilidade comum de uns em relação aos outros.

Sabendo das muitas dificuldades enfrentadas pelo papa Bento XVI durante seu curto ministério papal, as empresas de comunicação católica apenas ressaltam suas qualidades, sua doação à Igreja, sua inteligência teológica, seu pensamento vigoroso como se quisessem mais uma vez esconder os limites de sua personalidade e de sua postura política não apenas como pontífice, mas também por muitos anos, como presidente da Congregação da Doutrina da Fé, o antigo Santo Ofício. Não permitem que as contradições humanas do homem Joseph Ratzinger apareçam e que sua intransigência legalista e o tratamento punitivo que caracterizaram, em parte, sua pessoa sejam lembrados. Falam desde sua eleição, sobretudo de um papado de transição. Sem dúvida de transição, mas de transição para que?

Gostaria que a atitude louvável de renúncia de Bento XVI pudesse ser vivida como um momento privilegiado para convidar as comunidades católicas a repensar suas estruturas de governo e os privilégios medievais que esta estrutura ainda oferece. Estes privilégios tanto do ponto de vista econômico quanto político e sócio cultural mantêm o papado e o Vaticano como um Estado masculino à parte. Mas um Estado masculino com representação diplomática influente e servido por milhares de mulheres através do mundo nas diferentes instâncias de sua organização. Esse fato nos convida igualmente a pensar sobre o tipo de relações sociais de gênero que esse Estado continua mantendo na história social e política da atualidade.

As estruturas pré-modernas que ainda mantém esse poder religioso precisam ser confrontadas com os anseios democráticos de nossos povos na busca de novas formas de organização que se coadunem melhor com os tempos e grupos plurais de hoje. Precisam ser confrontadas com as lutas das mulheres, das minorias e maiorias raciais, de pessoas de diferentes orientações sexuais e escolhas, de pensadores, de cientistas e de trabalhadores das mais distintas profissões. Precisam ser retrabalhadas na linha de um diálogo maior e mais profícuo com outros credos religiosos e sabedorias espalhadas pelo mundo.

E para terminar, quero voltar ao Espírito Santo, a esse vento que sopra em cada uma/um de nós, a esse sopro em nós e maior do que nós que nos aproxima e nos faz interdependentes de todos os viventes. Um sopro de muitas formas, cores, sabores e intensidades. Sopro de compaixão e ternura, sopro de igualdade e diferença. Este sopro não pode mais ser usado para justificar e manter estruturas privilegiadas de poder e tradições mais antigas ou medievais como se fossem uma lei ou uma norma indiscutível e imutável.
O vento, o ar, o espírito sopra onde quer e ninguém deve se atrever a querer ser ainda uma vez seu proprietário. O espírito é a força que nos aproxima uns dos outros, é a atração que permite que nos reconheçamos como semelhantes e diferentes, como amigas e amigos e que juntos/as busquemos caminhos de convivência, de paz e justiça.
Esses caminhos do espírito são os que nos permitem reagir às forças opressoras que nascem de nossa própria humanidade, os que nos levam a denunciar as forças que impedem a circulação da seiva da vida, os que nos levam a des-cobrir os segredos ocultos dos poderosos. Por isso, o espírito se mostra em ações de misericórdia, em pão partilhado, em poder partilhado, em cura das feridas, em reforma agrária, em comércio justo, em armas transformadas em arados, enfim, em vida em abundância para todas/os. Esse parece ser o poder do espírito em nós, poder que necessita ser acordado a cada novo momento de nossa história e ser acordado por nós, entre nós e para nós.
(Conheça o livro Terra - Eco Sagrado, de Ivone Gebara e Arno Kayser)

Boff: Que tipo de Papa? As tensões internas da Igreja atual


Boff: Que tipo de Papa? As tensões internas da Igreja atual

Quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013 - 15h07min
Não me proponho apresentar uma balanço do pontificado de Bento XVI, coisa que foi feito com competência por outros. Para os leitores talvez seja mais interessante conhecer melhor uma tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de cada Papa. A questão central é esta: qual a posição e a missão da Igreja no mundo?
Antecipamos dizendo que uma concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais: o Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus, sua utopia de uma revolução absoluta que reconcilia a criação consigo mesma e com Deus. O mundo é o lugar onde a Igreja realiza seu serviço ao Reino e onde ela mesma se constrói. Se pensarmos a Igreja demasiadamente ligada ao Reino, corre-se o risco de espiritualização e de idealismo. Se demasiadamente próxima do mudo, incorre-se na tentação da mundanização e da politização. Importa saber articular Reino-Mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui uma dimensão histórica com suas contradições e outra transcendente.
Como viver esta tensão dentro do mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes e, por vezes, conflitantes: o do testemunho e o do diálogo. O modelo do testemunho afirma com convicção: temos o depósito da fé, dentro do qual estão todas as verdades necessárias para a salvação; temos os sacramentos que comunicam graça; temos uma moral bem definida; temos a certeza de que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo, a única verdadeira; temos o Papa que goza de infalibilidade em questões de fé e moral; temos uma hierarquia que governa o povo fiel; e temos a promessa de assistência permanente do Espírito Santo. Isto tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai e que por si mesmo jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela mediação da Igreja, sem a qual não há salvação.
Os cristãos deste modelo, desde Papas até os simples fiéis, se sentem imbuídos de uma missão salvadora única. Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo. Para que dialogar? Já temos tudo. O diálogo é para facilitar a conversão e é um gesto de civilidade. O modelo do diálogo parte de outros pressupostos: O Reino é maior que a Igreja e conhece também uma realização secular, sempre onde há verdade, amor e justiça; o Cristo ressuscitado possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim bom; o Espírito está sempre presente na história e nas pessoas do bem; Ele chega antes do missionário, pois estava nos povos na forma de solidariedade, amor e compaixão. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece chance de salvação, pois os tirou de seu coração para um dia vive rem felizes no Reino dos libertos. A missão da Igreja é ser sinal desta história de Deus dentro da história humana e também um instrumento de sua implementação junto com outros caminhos espirituais. Se a realidade tanto religiosa quanto secular está empapada de Deus devemos todos dialogar: trocar, aprender uns dos outros e tornar a caminhada humana rumo à promessa feliz, mais fácil e mais segura.
O primeiro modelo do testemunho é da Igreja da tradição, que promoveu as missões na África, na Ásia e na América latina, sendo até cúmplice em nome do testemunho da dizimação e dominação de muitos povos originários, africanos e asiáticos. Era o modelo do Papa João Paulo II que corria o mundo, empunhando a cruz como testemunho de que ai vinha a salvação. Era o modelo, mais radicalizado ainda, de Bento XVI que negou o título de "Igreja" às igrejas evangélicas, ofendendo-as duramente; atacou diretamente a modernidade pois a via negativamente como relativista e secularista. Logicamente não lhe negou todos os valores mas via neles como fonte a fé cristã. Reduziu a Igreja a uma ilha isolada ou a uma fortaleza, cercada de inimigos por todos os lados contra os quais importa se defender.
O modelo do diálogo é do Concílio Vaticano II, de Paulo VI e de Medellin e de Puebla na América Latina. Viam o cristianismo não como um depósito, sistema fechado com o risco de ficar fossilizado, mas como uma fonte de águas vivas e cristalinas que podem ser canalizadas por muitos condutos culturais, um lugar de aprendizado mútuo porque todos são portadores do Espírito Criador e da essência do sonho de Jesus. O primeiro modelo, do testemunho, assustou a muitos cristãos que se sentiam infantilizados e desvalorizados em seus saberes profissionais; não sentiam mais a Igreja como um lar espiritual e, desconsolados, se afastavam da instituição mas não do Cristianismo como valor e utopia generosa de Jesus.
O segundo modelo, do diálogo, aproximou a muitos pois se sentiam em casa, ajudando a construir uma Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos. O efeito era o sentimento de liberdade e de criatividade. Assim vale a pena ser cristão. Esse modelo do diálogo se faz urgente caso a instituição-Igreja quiser sair da crise em que se meteu e que atingiu seu ponto de honra: a moralidade (os pedófilos) e a espiritualidade (roubo de documentos secretos e problemas graves de transparência no Banco do Vaticano). Devemos discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã no interior de uma crise ecológica e social de gravíssimas consequências. O problema central não é a Igreja mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa civilização. Como a Igreja ajuda nessa travessia? Só dialogando e somando forças com todos.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Quaresma: que eu procure mais amar, que ser amado (Leonardo Boff)


Quaresma: que eu procure mais amar, que ser amado (Leonardo Boff)

Segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013 - 0h10min
Fazei com que eu procure mais amar, que ser amado.
Sentir-se amado é mais gratificante que amar, pois basta apenas acolher o amor gratuito do outro, sem ser necessário conquistá-lo ou dar-lhe provas de amor. Sentir-se amado é sentir-se importante e precioso para alguém. Aumenta a auto-estima e reforça o sentido de ser.

De repente, sei que estou no coração e na mente de outra pessoa. Sou para ela um valor inestimável. Acompanha-me em cada gesto, procura saber cada pormenor da minha história, valoriza cada palavra minha e intui amorosamente cada intenção, por mais secreta que seja.
Aquele que ama vive num estado de consciência alterado. Perde o interesse por si mesmo e entrega-se a forças que o arrastam irrefreavelmente na direcção da pessoa amada. Esta aparece aos seus olhos como única e diferente de todas as demais no Universo. Experimenta um estado de arrebatamento e de potencialização de sentido que, em função da pessoa amada, reorganiza toda a vida.
Todos querem ser amados; pois todos anseiam ser únicos para alguém. A frase mais triste que ouvi foi de uma jovem assistente social, mulher simples do povo, sem grandes dotes de beleza, segundo as pobres convenções da nossa cultura material: "Eu nunca fui amada; nunca fui interessante para ninguém; ninguém até hoje olhou para mim." E os seus olhos traíam uma tristeza infinita. Uma mágoa profunda com a vida ingrata e cruel pesava em cada uma das suas palavras. O Universo parecia ter desabado sobre ela.
Sem amor, a vida perde significado e densidade. Tudo fica irrelevante e sem valor. É fundamental para o brilho da existência sentirmo-nos amados e acolhidos com enternecimento por aqueles que nos cercam. Por detrás do ateísmo, do gnosticismo e do indiferentismo talvez esteja essa experiência devastadora: a incapacidade de alguém se sentir acolhido como num útero, aceite como no seio de uma família e amado incondicionalmente por uma pessoa.
Porque temos esta necessidade inarredável de sermos amados? Porque nós, seres humanos, desde que nascemos mostramos a tendência para nos unirmos a algo que nos realize, a algo que nos transcenda. As ciências da Terra dizem que esse algo representa a acção da seta do tempo e do impulso da evolução a empurrar-nos sempre para a frente e para cima, de convergência em convergência, na direcção de uma culminância suprema. Os especialistas da psique humana aventam a ideia de que esse desejo de união representa a memória ancestral da nossa vida no útero materno. As religiões ensinam que esse algo é a ânsia por Deus como Alfa e Omega da nossa vida. Seja como for, o ser humano, ao sentir-se amado, vive a experiência de ter resgatado o paraíso terrestre ou ter chegado à Terra da Promissão.
Que significa procurar mais amar, que ser amado? É o convite para darmos o salto por cima de nós mesmos, para podermos propiciar amor ao outro e aos outros. Ao amar o outro, queremos que ele experimente uma absolutarealização - ser amado - e se sinta existencialmente o centro afectivo do nosso universo. Pois é exactamente essa a experiência que o amor nos permite fazer.
Amar mais do que ser amado é, então, a força de sairmos de nós mesmos e de nos centrarmos no outro por causa do outro - dando-lhe valor, cuidado, ternura, cordialidade e convivialidade. São Francisco conseguiu amar os leprosos e todas as criaturas como irmãos e irmãs muito queridos. Por isso o seu universo é cheio de unção, enternecimento e respeito, porque permite que todos se sintam amados.

Esta atitude de um amor maior pode resgatar a humanidade ameaçada e salvar a vida do planeta Terra. Quem tem este tipo de amor superabundante conquista tudo: o próprio coração, a salvação eterna e Deus mesmo.
Ó Mestre, fazei que eu procure mais amar, que ser ser amor. Que eu acolha com generosidade e alegria o amor que me é dado, mas que me empenhe sobre tudo em fazer com que os que me cercam se sintam amados. Fazei que nos sintamos amados por Vós para experimentarmos a suprema felicidade concedida nesta vida. Amém.  
(Publicado em A Oração de São Francisco: Uma Mensagem de Paz para o Mundo Atual. Ed. Sextante)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Leitura da palavra de Deus do dia 10 de fevereiro


Êxodo 34, 29-35     I Corintios 12, 27 – 13, 13 Lucas 9, 28-36
Queridos e amados,
O Novo Testamento em Lucas mostra, assim como no Antigo Testamento, que a oração transfigura o ser humano. Neste caso, entretanto, João e Tiago perceberam a grandeza de Jesus e sua ligação com Moisés e Elias, baluartes e referências do povo judaico. Pedro pediu para montar ali uma tenda e ficar ali em convívio com Jesus, Moisés E Elias. Este não era o caminho. Estar ali, parados, com Jesus não era – e segue não sendo – o caminho para os seguidores de Jesus.  Acomodar-se neste estado, que certamente implica um perceber-se melhor que os outros não é o caminho que o seguimento do Senhor aponta. E significa. Nenhuma acomodação é possível neste caminho. Nem a religiosa, nem em privilégios de status, poder, dinheiro e luxo. É preciso que a Igreja e cada um de nós estejam existencialmente, e na mente, e no coração com os excluídos.
Moises, lá no Êxodo, transfigurou-se após ter falado com Javé e estar com as duas tábuas da aliança. Aliança que segue sendo válida. A presença com o Senhor nos transforma, transfigura, ilumina. Esta experiência de transfiguração permite a cada um que se transforme em luz e alegria ao mundo, e isto, ainda hoje, é possível a cada um de nós. Temos várias formas de acessar, encontrar e construir esta relação íntima e amorosa com Deus, nosso Salvador.
A primeira delas é a oração, portal que nos insere num processo de paulatina transformação mística de conformação de si em espaço de manifestação de amor e acolhimento. A oração, derivada da Palavra rezada e meditada, transforma nossa vida e a torna um anúncio da justiça de Deus, num ícone do amor de Deus que salva.
Para que isso ocorra, entretanto, devemos mergulhar nesta experiência em comunidade ou sozinhos, requer uma postura de humildade e busca de permanente conversão. Assim fala Frei Mariano Ceras, no livro A Oração no Carmelo, a pagina 64 diz:
 “Para uma pessoa que não está disposta a renunciar à sua própria ética, à sua própria pretensão de autosuficiência é impossível entender o livro das Escrituras. Qualquer um pode ler a Bíblia. Mas, se não está disposto a colocar uma discussão a si mesmo, suas próprias certezas e riquezas, o livro permanece fechado para ele, ainda que materialmente, pareça aberto: é preciso esvaziar o coração para que a Palavra de Deus possa enchê-lo com a sua riqueza.”.
A outra forma existente de transfigurar-se não pode – nem deve – desligar-se da oração, mas manifestar-se socialmente e na relação objetiva com as pessoas concretas com quem vivemos. Como belamente relata a segunda leitura de hoje, de nada vale todos os dons, capacidades, presentes, conhecimentos, bens e títulos de um ser humano se este não tiver amor. Amor que não seja abstrato, teórico ou discursivo, mas ativo, operante, que leve vida onde impera a morte.
“Não se alegre com a injustiça, mas se regozije com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará...”
Um amor que passa pela honradez com o real, com a honestidade para com a realidade. Supõe, como bem fala Jon Sobrino, no belíssimo livro Onde está Deus?:
“estamos abertos para que a realidade nos interpele, nos questione e nos leve a uma conversão, que capta a real extensão do pecado e de graça na realidade. O Evangelho caracteriza-se por uma luta permanente contra toda forma de mentira e dissimulação da realidade para que a luz da verdade sobressaia. (...) Trata-se de deixar a realidade falar (escutar, ver, discernir) e dar voz (grifo meu) à realidade (anunciar, pregar, testemunhar).”
É preciso, de fato, olhar a realidade com lucidez e sem fantasias auto impostas ou ideologicamente inculcadas a nós pelos meios de comunicação de massa: jornal, televisão etc. É preciso olhar, olhar com mentes e olhos bem abertos (e nem precisa tanto assim porque a crua realidade está aí a bater em nossos olhos nas calçadas e cracolândias) que vivemos em um mundo em que poucos, de fato, têm direito à vida. O direito à vida, no discurso, é evidente a todos. No discurso apenas. Como diz Jon sobrinho a verdadeira expressão do que é ser humano é decidida a partir das vítimas, pois não tomam a vida como algo pressuposto. Claro, tem de lutar, e lutar muito, para poder, apenas, sobreviver. E chegar aos 40, 50, 60 anos “em cacos”, aos pedaços, e seguir a triste sina de ser jogado para lá e para cá pelo sistema de saúde pública precária e aviltante. Isso os que até lá chegaram, pois tiveram a sorte de não serem assassinados por bandidos ou policiais, de não terem sido sugados pela vida sem sentido ou pelas drogas, de serem deformados pela péssima educação pública.
Sobreviventes, heróis da vida diária. O lugar onde se decide o humano, o lugar das vítimas. Os amigos de Jesus. É lá onde Deus se revela, se encontra, se manifesta. No agir amoroso a estes a glória de Deus se manifesta, se expressa, transforma e transfigura. Não um encontro apenas pessoal e eventual, que mantém a tragédia estrutural do dia a dia. Um encontro com Deus nas vítimas, que transforma a vida e o momento dramático, nossas relações éticas e pessoais e as estruturas de pecado e morte, que mantém este estado de coisas terrífico e cruel.
Como disse em palestra o atual Mestre Geral da Ordem dos
Dominicanos – cujo nome me esqueci - devemos seguir:
1.    Nunca sem os pecadores, pois somos – todos- pecadores, frágeis e insuficientes.
2.    Nunca sem os pagãos, nunca sem o espírito de missão de ser e levar a Boa Nova – de amor, paz, justiça, encontro a todos – religiosos ou não – que tenham se afastado da dura realidade e do Deus encarnado e misericordioso Jesus Cristo.
3.    Nunca sem os excluídos, nunca sem os esquecidos, nunca sem os favoritos de Jesus, nunca sem enfrentar aqueles que mantêm a estrutura de morte.
Que a experiência de Deus nos leve ao encontro amoroso com todos, à percepção da Graça de Deus que nos acolhe e envolve e a entrega de nossas vidas a Ele. Tal é o caminho, acredito firmemente, para a nossa felicidade.
Alegres e felizes a orar e dançar pela vida, no meio de libertos de toda escravidão.
Amém!

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Comissão começa a expor verdades da ditadura


Comissão começa a expor verdades da ditadura

Quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013 - 15h56min
por Terra Magazine
Contestada severamente por militares, com um formato considerado tímido por parentes de vítimas, a Comissão Nacional da Verdade começa aos poucos a expor a tétrica realidade dos anos de chumbo. O comentário é de Marcelo Semer em artigo publicado pelo Terra Magazine, 07-02-2013.

Eis o artigo.

Nesta terça-feira, o coordenador da comissão, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fontelles, disse que não há mais dúvidas em relação ao assassinato do ex-deputado Rubens Paiva, dentro do DOI/Codi, no Rio de Janeiro, por agentes da ditadura. Fontelles afirmou, ainda, que a comissão terá condições de identificar, inclusive, os autores do homicídio –dois dos quais ainda vivos.

A versão oficial, de que Paiva teria conseguido escapar depois de preso, está sendo destruída pelo conjunto de documentos analisados pela Comissão. Um deles, exposto por Fontelles, confirma a prisão do ex-deputado no dia 21 de janeiro de 1971, no DOI/CODI; outro, publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, mostra que no dia 25 do mesmo mês, quando ele foi morto, nenhuma referência se fazia à inverossímil versão da fuga.

A reconstrução histórica oficial é uma tarefa indispensável da democracia. Não se trata, apenas, de buscar a reconstituição de crimes, mas descortinar a história que o próprio Estado buscou ocultar durante muitos anos. Como Rubens Paiva, ainda existe mais de uma centena de pessoas desaparecidas após terem sido presas pelos agentes da repressão. O Estado brasileiro deve a verdade a essas famílias, que têm vivido décadas destroçadas pela dor e pela dúvida, pela subtração da vida e dos corpos de seus entes queridos.

Também pela Comissão da Verdade, veio à tona documento emitido pelo gabinete do ex-presidente Garrastazu Médici, assinado pelo general João Baptista Figueiredo, que seria presidente anos depois. O comando determinava que os agentes públicos não atendessem a pedidos de esclarecimentos de organizações nacionais ou internacionais sobre mortos e desaparecidos, conforme noticiou o Estado de S. Paulo.

O governo entendia que o objetivo destas organizações era “colocar no banco dos réus os elementos responsáveis pelo quase total desbaratamento das organizações subversivas”. A ocultação das atrocidades, portanto, não foi resultado de atos isolados, mas uma política de governo, que não apenas convivia com as torturas, sequestros, desaparecimentos e assassinatos, como pretendia escondê-los justamente para evitar que seus autores fossem um dia levados para o banco dos réus.

Isso é o que faz tais atos serem caracterizados como crimes contra a humanidade: produzidos por uma política de terror instalada para reprimir o indivíduo com o descomunal peso do Estado tanto no seu cometimento, quanto na sua ocultação. Afinal, se o ditador manda esconder, que polícia iria investigar?

Não é por outra razão que a farta jurisprudência internacional impede que tais crimes possam ser objeto de anistia pelo próprio Estado que impedia seu povo de conhecê-los e suas autoridades de apurá-los.

O trabalho da Comissão da Verdade é apenas o de restabelecer a história que, covardemente, se buscou esconder. Mas, certamente, com os reflexos da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a apuração das responsabilidades também deverá ser reapreciada pela Justiça.

Reformados e batistas oferecem curso de Diaconia para a Paz


Reformados e batistas oferecem curso de Diaconia para a Paz

Quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013 - 16h00min
por Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)
A Corporação Universitária Reformada (CUR) e a Fundação Universitária Batista (FUB) firmaram convênio para a oferta de curso, nos seus programas de teologia, sobre Diaconia para a Paz.
Voltado a assistentes sociais, teólogos, pastores, pesquisadores sociais, líderes comunitários, o curso tem por propósito fortalecer a incidência pública e política das comunidades eclesiais na construção da paz na Colômbia, a partir de uma perspectiva bíblica teológica. Ele levará em conta experiências locais e do movimento ecumênico internacional de não-violência e busca da justiça.
O curso é uma decorrência da pesquisa "Iniciativas de Paz de Igrejas Evangélicas e Ecumênicas na Colômbia", realizada em 2011, e conta com a cooperação da Rede Ecumênica da Colômbia, Conselho Mundial de Igrejas, Conselho Latino-Americano de Igrejas e do Centro Regional Ecumênico de Assessoria e Serviço (CREIAS).

A força do Evangelho - José Pagola


A força do Evangelho - José Pagola

Quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013 - 16h10min
O episódio de uma pesca surpreendente e inesperada no lago da Galileia foi redactada pelo evangelista Lucas para infundir alento à Igreja quando verifica que todos os Seus esforços para comunicar a Sua mensagem fracassam. O que se nos diz é muito claro: temos de colocar a nossa esperança na força e no atrativo do Evangelho.
O relato começa com uma cena insólita. Jesus está de pé na margem do lago, e "as pessoas vão-se aglomerando à Sua volta para ouvir a Palavra de Deus". Não vêm atraídos pela curiosidade. Não se aproximam para ver prodígios. Só querem escutar de Jesus a Palavra de Deus.
Não é sábado. Não estão congregados na sinagoga próxima, de Cafarnaum para ouvir as leituras que se leem ao povo ao longo do ano. Não subiram a Jerusalém para escutar os sacerdotes do Templo. O que os atrai tanto é o Evangelho do Profeta Jesus, rejeitado pelos habitantes de Nazaré.
Também a cena da pesca é insólita. Quando de noite, no momento mais favorável para pescar, Pedro e os seus companheiros trabalham por sua conta, não obtêm resultado algum. Quando, já é de dia, atiram as redes confiando apenas na Palavra de Jesus que orienta o seu trabalho, produz-se uma pesca abundante, contra todas as suas expectativas.
No ruido de fundo dos dados que tornam cada vez mais patente a crise do cristianismo entre nós, há um fato inegável: a Igreja está a perder de modo imparável o poder de atração e a credibilidade que tinham até recentemente.
Os cristãos, temos vindo a verificar que a nossa capacidade para transmitir a fé às novas gerações é cada vez menor. Não faltaram esforços e iniciativas. Mas, ao que parece, não se trata só nem primordialmente de inventar novas estratégias.
Chegou o momento de recordar que no Evangelho de Jesus há uma força de atração que não há em nós. Esta é a pregunta mais decisiva: Continuamos a "fazer coisas" a partir de uma Igreja que vai perdendo atrativo e credibilidade, ou colocamos todas as nossas energias em recuperar o Evangelho como a única força capaz de engendrar fé nos homens e mulheres de hoje?
Não temos de colocar o Evangelho no primeiro plano de tudo? O mais importante nestes momentos críticos não são as doutrinas elaboradas ao longo dos séculos, mas a vida e a pessoa de Jesus. O decisivo não é que as pessoas venham a tomar parte nas nossas coisas mas que possam entrar em contato com Ele. A fé cristã só se desperta quando as pessoas descobrem o fogo de Jesus.
José Antonio Pagola

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Chavismo


Haiti por si_
01.02.13 - Mundo
Entrevista – Chavismo, guerra midiática e a lição popular que a Venezuela segue dando (Parte 2)
 
Rogéria Araújo
Jornalista da Adital
Adital
Indubitavelmente, no atual marco político e independente latino-americano, a Venezuela – através de seu presidente Hugo Chávez Frías – reacendeu a chama bolivariana no continente, no caminho da unidade pela qual tanto lutou Simón Bolívar. Em meio a um cerco midiático de oposição e os claros interesses das classes dominantes, a nação venezuelana segue dando exemplo de como se manter erguida contra a hegemonia injusta e opressora.Confira a segunda parte desta entrevista feita com o educador e analista político nicaraguense, Ricardo Zúniga, integrante da Rede Universitária de Pesquisadores sobre a América Latina, com sede no Ceará (Brasil), sobre a conjuntura venezuelana e sua importante repercussão para o mundo.

Adital - Na conjuntura política latino-americana, o que significa mais uma vitória de Hugo Chávez em eleições presidenciais na Venezuela?
Ricardo Zúniga - Em meio de uma confrontação de projetos de nação e de modelos de integração latino-americana a vitória de Chávez significa a continuidade do projeto bolivariano, que tem como uma expressão característica a consolidação de uma comunidade de nações na Alba, baseada na solidariedade, complementaridade e intercâmbio justo. Também implica um forte respaldo a processos de integração mais abrangentes: Celac, Unasul, e Mercosul, como espaços de afirmação da unidade e protagonismos latino-americanos.
Uma das contribuições mais importantes da Alba é que representa uma alternativa viável de integração latino-americana pensada simultaneamente em função dos projetos nacionais com a priorização das necessidades básicas das maiorias, e da autodeterminação da América Latina numa perspectiva realmente popular, solidária, anti-neoliberal, anti-imperialista e pós-capitalista. Ainda vivendo no metabolismo do capital, porém a perspectiva é ir construindo caminhos pós-capitalistas, no fortalecimento das economias comunitárias, da autossuficiência alimentaria, cuidado com o equilíbrio ecológico, da garantia do abastecimento energético aos países da America Latina.
Um aspecto marcante da cooperação exercida na Alba é que permite que pequenos povos empobrecidos de America Central e Caribe tenham acesso a creditos para seu desenvolvimento nacional, sem passar pelas condicionantes do
FMI e do Banco Mundial. Isto introduz uma diferença fundamental no continente.
Um elemento importantíssimo da continuidade da vitória chavista é o firme apoio ao povo cubano com projetos estratégicos para garantir e fortalecer o funcionamento sustentável da economia cubana.
Na presente cojuntura da enfermidade de Chávez, a direção política está trabalhando pelo fortalecimento de uma equipe do governo unido e fiel à inspiração do líder, na construção e defesa coletiva da revolução bolivariana. Ante uma previsível presença diminuída do presidente no território e, inclusive, ante uma ausência definitiva, se está dando um salto de qualidade com um funcionamento mais coletivo da direção e ênfase na participação popular a todos os níveis.
Adital - Há muitas manifestações populares e de solidariedade pela saúde do presidente venezuelano, que desde dezembro está em Cuba. O fato de não estar presente em sua posse acirrou os ânimos da oposição. Como o senhor vê a força da oposição neste momento?
Ricardo Zúniga - Efetivamente as manifestações populares em solidariedade com o presidente Chávez e a revolução bolivariana têm sido impressionantes, em diversas partes do mundo, inclusive em alguns países muçulmanos. Na América Latina, do México ao Chile e Argentina, assembleias de pessoas de boa vontade sentem Chávez como alguém próprio, e reconhecem sua grande contribuição à transformação da Venezuela e à integração e unidade latino-americana.
Ante a impossibilidade do presidente reeleito, de tomar posse na data indicada pela constituição, grupos de oposição pretenderam interpretar a ausência do ritual da posse, como um rompimento da ordem constitucional, o que resulta falso, já que a própria Constituição Nacional prevê em situações de força maior, por eventos ‘sobrevindos’ que o presidente pode tomar posse posteriormente ante a Corte Suprema de Justiça.
A oposição também divulgou que havia enfrentamentos no interior da equipe superior de governo, especialmente entre o vice-presidente [Nicolás] Maduro, e o presidente da Assembleia Legislativa. Na realidade, a equipe do governo está trabalhando de maneira harmoniosa, cumprindo cada um suas próprias funções legalmente estabelecidas.
O problema é político, não jurídico. Chávez e seu partido triunfaram nas eleições por uma inquestionável maioria. O fato de não comparecer à cerimônia de posse, não invalida a vontade popular. A Corte Suprema da Justiça tem considerado que o presidente reeleito exerce seu mandato com a equipe de governo que ele confirmou, no marco legal, depois de ser releito. Também estabeleceu que o ritual da posse pudesse se efetuar posteriormente, quando tenha condições apropriadas de saúde.
A oposição na Venezuela mostrou uma força considerável nas recentes eleições de 7 outubro nas que seu candidato presidencial, Enrique Capriles, contou com mais do 44% dos votos. Mas na presente cojuntura tem certo enfraquecimento. Já nas eleições para governadores (16/12/12), o PSUV, o partido de Chávez, se impôs em 20 dos 23 estados que conformam a federação. Além disso, por defender um projeto neocolonial, que beneficia as grandes corporações transnacionais, na medida em que se aprofunde num debate político sério e criterioso, e aumente a consciência política dos empobrecidos, é previsível uma maior fortaleza do chavismo.
Por outra parte, neste momento, a oposição está dividida enquanto à estratégia a seguir. Uma parte pretende desconhecer a legitimidade do atual governo, já o grupo de Capriles, numa atitude mais lúcida, aceita o veredito da Corte de Justiça. Eles estão conscientes que, em caso de uma desaparição física do presidente, se houvesse que convocar novas eleições em curto prazo, seguramente o triunfo seria novamente do chavismo. Finalmente também estão ativos os setores extremistas e criminosos. Órgãos de inteligência venezuelana denunciaram ter descoberto planos para assassinar ao vice-presidente Maduro e ao presidente do poder legislativo Diosdado Cabello.
A debilidade estratégica da oposição é que dificilmente pode apresentar um projeto credível, que supere a proposta bolivariana que vem mostrando consistência, consequência e ganhando crescente credibilidade por mais de 12 anos, e por outra parte, sua dependência das orientações e ajuda da política externa dos Estados Unidos.
Adital - Populista para uns e popular para outros. Em que pontos o governo e presidente Hugo Chávez se diferencia de outros líderes da América Latina? Até que ponto pode-se dizer que ele redesenhou um novo olhar voltado para os países latino-americanos, sobretudo partindo dos países ditos desenvolvidos, considerados grandes potências econômicas e políticas?
Ricardo Zúniga - Penso que o conjunto das políticas sociais implementadas na Venezuela são autenticamente populares. Tem sido estratégicas e duradouras, em modo algum são ações oportunistas visando eleições. São ações tendentes a erradicar a miséria, a atingir um desenvolvimento econômico sustentável. Trata-se de pagar a histórica dívida social acumulada em décadas por uma estrutura econômico-social, que manteve na miséria a mais da metade da população, em meio de um mar de riquezas acumuladas por classes dominantes parasitárias e "vende-pátria”.
O projeto bolivariano trabalha coerentemente contra a desigualdade, a pobreza, a marginalidade social, não apenas na Venezuela. Essa luta é visível nos países da Alba e em outros países empobrecidos em nossa América, basta assinalar a exemplar ajuda que a Venezuela, em conjunto com Cuba, oferece ao povo haitiano. Muito maior em termos proporcionais à dos países do G-8, com métodos coerentes e visando à restituição a esse povo dos recursos naturais historicamente saqueados e empobrecidos por dívidas injustas. Mas principalmente visando a restituição de sua dignidade.
Com certeza o processo bolivariano tem contribuído substantivamente para criar nos povos latino-americanos um novo olhar, que supera as visões coloniais e neocoloniais, para instaurar uma atitude de povos que resgatam desde sua história, sua dignidade para construir um projeto próprio que atenda às necessidades e interesses de suas grandes maiorias. É muito difícil falar em diferença de Chávez com outros líderes latino-americanos. Mas posso apontar uma: Chávez e sua equipe próxima têm uma profunda vocação bolivariana o que significa, entre outras coisas, uma atitude de profunda disponibilidade a partilhar os grandes recursos naturais da Venezuela e de saber pensar em função da grande pátria latino-americana.
Confira a primeira parte desta entrevista em http://www.adital.com.br/?n=chwe