Pequena reflexão sobre o Sagrado Espírito e sua manifestação.
Precisamos
ser e não ter. Não podemos nos definir pelas posses, pelo reino da
utilidade (inútil para nossa felicidade!), mas pelo ser! Todos
concordamos com esta frase, mais uma que foi alçada à unanimidade.
Ouvida por mim inúmeras e inúmeras vezes. Mais um chavão, uma
frase de efeito e bonita que parece dizer muito, mas normalmente nada
ou muito pouco significa de concreto, de real, de compromisso com o
outro, com nossa vida real.
Este homem em busca do ser ou de ser
acabou por perder significado ou mesmo em apontar para uma
espiritualidade abstrata que chega a desprezar a história, a
matéria, a corporalidade, o encontro com o outro como o espaço
privilegiado da Revelação.
Somos feito a imagem de deus, pois é
nesta imagem que O revelamos. Somos seres de encontro, de relação.
Toda nossa formação humana – ética, pessoal, afetiva,
profissional – depende de nossas relações, como somos vistos,
olhados, amados, tocados. Hoje, porém, nos encontramos
principalmente movidos por interesses – econômicos, sexuais, de
prazer banal e passageiro, do encontro no desencontro fragmentado de
papéis sociais ou do imperativo estético. Este prazer é fugidio,
instantâneo e deve ser seguido por outro e outro e mais outro, sugar
seu tempo, seu bolso, tua mente, sua vida. De necessidade em
necessidade, de desejo em desejo vamos nos esvaziando, tornando-se o
nada, caminho seguro para a depressão, para a dor, para o
sofrimento.
Ocorre, porém, meu irmão e minha
irmã, que tua vida, teu corpo, teu olhar é e deve de fato
manifestar-se como um culto, uma celebração festiva e alegre que se
realiza na gratuidade do sacrifício, da entrega.
Michel Amaladoss, no livro Rumo à
Plenitude, diz:
Mas uma vez
que o individuo se decide a fazer o bem, sua ação é originada e
enriquecida pelo poder divino, de forma que a plenitude de vida a lhe
fluir não é sua, mas de Deus. Santo Inácio de Loyola tem uma
máxima que bem ilustra o mistério. Ele diz “faça todas as coisas
como se dependessem de Deus e ore como se isso dependesse de você”.
Poder-se-ia esperar justamente o contrário dessa frase, ou seja,
“faça todas as coisas como se dependessem de você e ore como se
isso dependesse de Deus”. Mas Inácio tem uma concepção
interessante. Devemos fazer tudo como se não estivéssemos nós
mesmos agindo, mas Deus agindo em nós. Por isso, devemos estar
abertos e disponíveis a Deus. Mas devemos orar como se tudo
dependesse de nós. Conhecendo quanto somos fracos, procuraremos nos
entregar a Ele. O resultado de ambas as ações é mostrar a
prioridade da ação divina, mesmo quando colaboramos livremente.
Devemos deixar que Deus dirija nosso
olhar, nossos passos, nossas vidas. Os méritos não são nossos,
devemos reconhecer nossa pequenez, nossa fragilidade, a morte que
pode nos alcançar a qualquer tempo. É Deus quem age. Apenas ele
possibilita, pela graça, que permanecemos fiéis a Ele, a Seu
serviço. Mas devemos orar para que ele nos de força de, a cada dia
e pela eternidade, ter força de nos reformar para em tudo e em todos
os encontros revelar o Senhor da Vida. Precisamos orar, precisamos do
silencio para nos capacitar a sentir Seu Sopro, Seu Espírito, Sua
Voz. Precisamos estar aberto ao silencio e ao outro para ouvirmos
Suas instruções, seus caminhos. E, sempre e sempre, nos entregarmos
– capitularmos mesmo – em seus amorosos braços.
Outro dia ouvi uma música, inclusive
bonita e tocante, que dizia que o Espírito reside no ouvinte.
Discordei e sigo discordando. Jesus fala que o Espírito acontece e
vem quando temos duas ou mais pessoas em Seu nome - na Presença
Dele, em sua experiência – reunidos. Podemos, sim, ouvir Sua voz,
mas certificados, mergulhados, vivificados pela e na comunidade. É
no espaço e no encontro de amor que Ele se expressa e manifesta,
portanto o outro é o veículo privilegiado para Seu encontro. Não
sou dono dele, longe de ser tão santo, de ser tão digno, tão
prepotente, tão grande. Preciso da comunidade para me fazer entrega
me fazer amor, para sentir e viver em Sua Presença – inclusive
Eucarística e de partilha. Preciso também da comunidade para ser
lapidado, cortado, corrigido, interrogado, aperfeiçoado. Sem
comunidade não há cristão, e, mais do que isto, não existe
espírito santo manifesto. A Bíblia, vejam bem, assim o diz.
Precisamos afetivamente, socialmente e
profissionalmente do outro, inclusive para nos desenvolvermos em
nossa humanidade amorosa que caminha inexoravelmente para a entrega
absoluta – a morte.
Precisamos ainda mais do outro e da
comunidade para que Deus se revele, para ouvirmos Sua voz e na
resposta orante respondermos seu sopro suave e doce com a pequenez de
nossa vida. Mesmo um monge eremita precisa do silencio acolhedor do
olhar dos monges de sua comunidade orante, dos momentos de oração
coletiva.
Creio que é por isso que Jesus fala de
seu seguimento como entrega de tudo, de sua própria vida – e Ele
mesmo o fez – para a salvação. Nesta entrega, nestes encontros
verdadeiramente salvífico e definitivos, percebemos Sua presença,
mergulhemos em seu Amor e, quem sabe, soltemos centelhas que possam
contagiar, tocar, abraçar, cariciar um coração e também o
enfeitiçar. Feitiço de amor.
Que me fez ser seu.
Amém.
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