Cidadanias
Vivemos num mundo complexo, mas que vende uma imagem, quase
pueril, de
simplicidade, regida pelos desejos livremente acolhidos pelas
pessoas.
A cidadania apregoada pela globalização neoliberal nos quer
convencer
que o homem, livre e autônomo, rege seu viver e que, no livre
encontro
das vontades individuais, mesmo egóicos, dar-se-ia um mecanismo
de
regulação das trocas de serviços e bens necessários à vida.
A
cidadania, neste olhar – um tanto quanto falsificador da realidade
–
implica em ter a possibilidade de exercer – no mercado e sempre nele
–
seus direitos e ir à busca de seus anseios. Cada vez mais, portanto,
o
conceito de cidadania veiculado nos meios de comunicação de
massa,
aparato ideológico de construção e manutenção do sistema político
e
econômico, é tratado tendo como referência o indivíduo, quase
que
entendido como um ser-para-o-mercado, em especial o tão querido
e
propalado direito do consumidor, em contraponto aos
“insuportáveis”
Direitos Humanos. Este é um ousado e desafiador olhar que
olha e
concebe a todos a dignidade, o direito de viver (dignamente),
existir,
relacionar-se, até mesmo de “poetar”. Um direito de todos, para
todos
– todos mesmo – até mesmo àqueles que foram postos à margem
da
sociedade do consumo, que não podem frequentar seus requintados
templos
os Shoppings.
A cidadania verdadeira, porém, é derivada da polis, da vida
citadina,
do encontro e da construção coletiva de espaços onde a troca de
nossos
dons e potencialidades, bens e serviços são estabelecidos. E
isto
acaba por jogar a luta pela dignidade do ser humano e de sua vida
a
exigir, paulatinamente, a nos deparar com um sistema de
exploração
gradual, crescente e de caráter inesgotável (aparentemente, já que
a
natureza já está a limitar tais passos, apontando riscos à própria
vida
no planeta) e que, sem o contraponto do “socialismo real”
globalizou-se e
intensificou o sofrimento que submete os trabalhadores
e os povos da margem,
postos – intencionalmente – no limbo da vida. A
luta política e o
enfrentamento com os interesses do capital e do Deus
– mercado é a única
possibilidade de tentar defender a vida e, quem
sabe, a vida digna para
todos. Uma tarefa difícil e, às vezes,
esgotante, pois deveras desafiadora.
Desafiadora, pois individualmente
somos provocados e chamados pelo consumo,
pelo marketing, pelo bem
viver (igual a consumir) e anos enredar em um tecido
midiático e
dramatizador da vida humana onde a vida, as dores, doenças e
desgraças
são expostas para nos emocionar e, quem sabe, nos paralisar com
o
sentimento de impotência e mesmo do reconhecimento do caráter
perverso
do homem, sem qualquer percepção do processo massivo de
desconstrução
de sua humanidade e até mesmo de sua vida. Estão aí os “nóias”
a nos
denunciar e a revelar a faceta desumana de nossa sociedade, sem
que,
infelizmente, a maioria se incomode de fato – apenas anseiam que
sua
face dolorida e indagante sumissem de nossos olhos e de
nossas
cidades, enquanto estiverem nas favelas da periferia de nossas
cidades
serão bem toleradas...
O esvaziamento do sentido político da
cidadania é, portanto, um
processo deliberado para anestesiar a sociedade e,
de fato, deixar as
coisas como estão.
O neoliberalismo é um regime onde os
Estados nacionais estão a
esvaziar sua possibilidade efetiva de construir e
gerir suas politicas
internas já que, em grande medida, o capital e as
grandes empresas
transnacionais detêm o poder e a tecnologia para transitar –
até em
fração de minutos – de país a país e a impor, em grande medida
com
apoio e suporte – político, institucional e até mesmo com
força
militar – de instituições internacionais como ONU, FAO, UNESCO, OMC.
O
fato é que o modelo econômico adotado que propugna que o livre mercado
–
e sempre e cada vez mais ele como remédio eficaz – é a solução. E,
para
“salvar” a economia e o desafio dos povos a receita é
privatizar,
desregulamentar todo tipo de normatização e controle (até mesmo
do
trabalho, é claro) para que os custos sejam menores- e o lucro
DELAS
seja efetivamente maior – qualquer semelhança com as propostas
de
partidos como PSDB E DEM é mera coincidência! As reformas
da
previdência – que atinge diretamente os interesses e a vida dos
mais
pobres, da privatização da saúde, dos serviços públicos e
a
desestruturação do estado acabam por acontecer. É evidente que
tais
reformas – e não as do caráter popular e progressista, como a
tão
necessária Reforma agrária – apenas concentram poder e dinheiro na
mão
de poucos, inclusive a nível mundial... O serviço público fica mais
e
mais sucateado ou reveste-se de um custo altíssimo, o que bem denuncia
a
Guerra da água na Bolívia ou a enorme pressão internacional com o
governo Evo
Morales quando adotou, de fato, a promessa de estatizar o
gás – patrimônio
nacional, enfrentando interesses econômicos
seríssimos, inclusive da nacional
Petrobras.
A desregulação dos fluxos financeiros e de mercadorias e
serviços
apenas globalizam e, de fato, esconde a superexploração
maquiadora.
Mais do que isso, quando a Fox Com produz na china com um I Pad
a
preços baixíssimos acaba por produzir desemprego “pelas bandas de cá”
e
a exigir mais exploração e mais achatamento salarial, mais mortes.
Detalhes
sórdidos que não precisam estar visíveis em nossas mídias.
Ocorre, porém, que
a própria vida violada e violentada acaba por
exigir das pessoas que se
organize e objetive sua luta para que a
sobrevivência seja possível. Assim é
que os movimentos pela terra e
pela Reforma Agrária e a permanente luta dos
movimentos sociais ainda
se faz presente. Avida assim exige! Conquistas foram
se dando.
Alguns países já conseguem formalizar governos de
caráter
progressista, de enfrentamento dos interesses do capital. Assim,
além
de cuba – com suas contradições internas, a Venezuela, a Bolívia,
em
alguns pontos a Argentina tem conseguido derrotar – aqui e ali –
os
interesses do capital internacional e ganhar em articulação
e
comprometimento, inclusive com maior consciência social. A Bolívia é
uma
clara demonstração de como o povo simples começa a se organizar e
a impor
limites e vontades ao governo, mesmo sendo ele de viés
progressista. A
construção de um novo modelo não é uma tarefa fácil
nem rápida, pois deve
objetivar-se no curto prazo com lutas de
sobrevivência, mas no seu modo de
organizar-se e de articular-se deve
produzir uma forma e um olhar mais
generoso, fraterno e solidário. O
socialismo não é um modelo a se gestar na
cabeça de iluminados que se
faça facilmente, até mesmo pelo seu caráter
popular e organizativo.
Tampouco pela cabeça de teóricos ou pensadores que
criaram teorias e
estruturas politicas que não podem ser transpostas
idealmente para o
momento presente, sem dialogar com os movimentos, os
interesses e a
realidade concreta da vida. Lembremos ainda que o capitalismo
foi
gestado por séculos, e segue a produzir erros e blasfêmias
–
inevitáveis pelo seu caráter.
Paciência se faz necessária, mas uma
paciência que se faça práxis e
nesta transformação social produza esperança e
encontros vitais e
festivos de reconciliação do humano com sua autêntica
cultura e vida.
Paciência de mãe, que gera vida.
Paulo Cesar
Portellada
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