APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

homilia de natal

Feita, com pequenas alterações e comentarios no dia de natal na Paroquia Santa Cruz.

Meus queridos, minhas queridas,
Irmãos e irmãs em Cristo Jesus,

Nasceu! Nasceu o menino Jesus, frágil e sem teto. Há cerca de 2000 anos esta criança feriu de amor a história da humanidade.
Muitos, ontem e hoje, consideram a festa de hoje como a festa da família – sua família pequena e restrita. Devo dizer, mesmo sujeito a não agradar a todos, que isso não é verdade. Não para nós os cristãos, assim como não é dia de comilança, presentes, bebedeira, licenciosidades. Não para nós os cristãos!
Para nós o dia de hoje é de celebração, e uma celebração especial em que festejamos a fecundação definitiva da presença do Senhor em nosso meio que nos salvou por sua vida, por seu caminho, pelos seus sacramentos – instrumentos especiais da graça de Deus, pela construção de Sua Igreja, testemunho salvífico da Sua obra.
Celebração, celebração especial. Mas o que é uma celebração? É o rememorar, o reviver, o reafirmar a experiência do primeiro, grande e definitivo Amor. Do Deus que se fez humano para que os homens pudessem se tornar sagrados, se divinizarem enquanto humanos.
Já no primeiro texto de hoje se fala que a boa noticia anuncia a paz, anuncia a salvação. Uma salvação que implica o viver, um viver bem concreto e objetivo a partir dos valores do Cristo Jesus, de Sua prática, de sua vida e de suas palavras. Trata-se, portanto, de uma experiência pessoal irresistível que nos toma e possui, que não nos torna melhor do que ninguém, mas, pelo contrário, nos reconhecemos iguais, frágeis e fraternos. Tomados pelo Amor e pelo serviço Dele nós mergulhamos na própria felicidade, na própria humanidade revisitada e transformada, transfigurada. Nosso olhar, nossa vivência passa a ter nova cor, nova densidade, a contemplação da Sua presença.
Deus falou aos antepassados por meio dos profetas, mas a nós de forma especial e transbordante por meio de Jesus, o Cristo, o Ungido, a irradiação de Sua glória, de Si mesmo.
A Palavra que estava com Deus, que era Deus mesmo se fez carne, habitou entre nós. Habitou como homem, homem simples, frágil, pobre – sem poder. A
Deus ninguém jamais viu mas temos a Jesus, sua vida, sua obra, suas palavras e o testemunho – até de martírio – dos apóstolos, os que com ele conviveram.
Há na tradição bíblica dois olhares sobre o tempo. Há um, progressista, que afirma que os mais altos valores sociais e humanos estão para serem realizados e afirmados pelo agir humano, em especial pela ação profética, que nos implica, e o agir direto de Deus em seu agir apocalíptico. Há porém outro olhar, pessimista, onde o tempo e o humano são efêmeros. Este olhar está presente no dilúvio, em Jô, em Qohelet, que afirma: “tudo é vaidade... O sol se levanta, o sol se põe e se apressa para voltar a seu lugar...não há nada de novo sob o sol.” O salmista do salmo 89 afirma que “lembra-te de como a minha vida é um nada (cheled)” e o do 49 fala “somos habitantes do vazio”. O tempo do cheled expressa o vazio do mundo, de vida, da ausência de sentido.
Mas a Palavra de nosso Deus subsiste para sempre – Isaias 40, 6-8. E a palavra se fez carne,tem nome cara, cor, rosto. É Jesus a Palavra viva que nos dá sentido.
A Palavra que estava com Deus, que era Deus mesmo se fez carne, habitou entre nós. Habitou como homem, homem simples, frágil, pobre – sem poder. A Deus ninguém jamais viu, mas temos Jesus e sua vida.
Com Ele devemos de conviver – por muito tempo.
Assim como numa relação a dois leva tempo para descobrir realmente o outro. Para descortinar a Palavra de Deus é preciso tempo, amor, entrega, mergulho. Estar com Ele requer entrega, escuta, disponibilidade, silêncio... Se fazer ver por Ele, abrir a Ele nossa fragilidade, humanidade, pequenez, para que Ele se aproxime, apóie, acolha e purifique nossa vida.
Nossa vida, nossa finitude, nossa concreta realidade, nossa comunidade é chamada a ser testemunho e meio de revelação de Sua presença, da presença do infinito, do Eterno.
Mas, relembrando, nesse encontro somos chamados a dar toda nossa vida na disposição e entregar nosso sim a Seus propósitos, a se permitir ser transformado, a ser trabalhado, a ser machucado se preciso for.
Deus é Palavra, Deus é relação.
Uma relação em que Ele nos dá o infinito, Seus sacramentos, nossa vida,Sua graça, Sua Palavra. Uma relação que nos pede fidelidade, tempo, entrega, escuta, silêncio. Uma imersão, diária, no nosso primeiro amor!
Que nossa celebração, que a celebração natalina faça ressurgir nosso Amor e nossa abertura a Ele de nossas vidas particulares, de nossa comunidade e de nossa Igreja – aos fragilizados, aos sem teto, aos sem amor, à sociedade.
Que nossa vida seja uma celebração e a celebração toque a todos e todos sintam Sua presença e seu nascimento.
Amém.