APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

sábado, 13 de outubro de 2012

Congresso Continental de Teologia celebra os 50 anos do Vaticano II e os 40 da Teologia da Libertação


CEBI

Congresso Continental de Teologia celebra os 50 anos do Vaticano II e os 40 da Teologia da Libertação

Segunda-feira, 8 de outubro de 2012 - 10h43min
Auditório lotado, com pessoas vindas de diversas partes do continente para debater, em Congresso Continental, os caminhos, perspectivas e desafios da teologia na atualidade, nesse novo contexto da sociedade complexa em que vivemos. Trata-se do Congresso Continental de Teologia que iniciou neste domingo, 07, no Anfiteatro Pe. Werner, da Unisinos. O Congresso traz como tema central os 40 anos da Teologia da Libertação e os 50 anos do Concílio Vaticano II. Um de seus principais desafios é o de construir uma teologia viva.
Durante o primeiro dia de Congresso, a Conferência inaugural ficou por conta de Dr. Jon Sobrino, da Revista Latinoamericana de Teologia e do informativo Cartas a las Iglesias e da professora Drª. Geraldina Céspedes, da Escola Feminista de Teologia de Andalucía - EFETA.

Desafios da Teologia da Libertação
Para Geraldina Céspedes, a Teologia da Libertação tem o desafio de que nós não sejamos apenas consumidores de teologia, "mas precisamos ser produtores, multiplicadores e multiplicadoras desta mesma teologia. Nós estamos vivendo uma metamorfose do religioso", disse.
Para ela, tudo se tornou bem de consumo, mercadoria. "Nesse sentido, a espiritualidade pode nos adormecer ou ser contra a cultura. Penso que devemos repensar a espiritualidade libertadora, e esse é um dos desafios que temos pela frente." Outro desafio, para ela, é a diversidade. "O mesmo que ocorre na sociedade acontece nas igrejas e também na teologia: não saber gerir a diversidade tanto macro quanto micro na vida cotidiana", continuou.
Segundo Geraldina, o mundo em que vivemos não é apenas uma aldeia global, mas uma aldeia plural. "A teologia precisa saber como situar-se diante da diversidade, como uma possibilidade e não como ameaça e problema." E frisou: "A teologia tem que fazer esforços para que as instituições religiosas tenham práticas críticas, para que saibam fazer o diálogo religioso".
Ela acredita que existem quatro aspectos que nos ajudam a refletir sobre essa mudança radical:
1- Passar da compreensão da religião e da cultura como práticas paradas, imutáveis, mas como práticas em constantes mudanças;
2- Revisar a imagem de Deus e como entendemos a divindade. "Acredito que essa é uma revisão fundamental";
3- Potencializar a consciência de alteridade, para conhecer o outro e a outra que são vítimas, vulneráveis. "O reconhecimento da alteridade como principio teológico nos leva a crescer, em vez de querer impor a eles a nossa visão e a nossa teologia. Não é apenas assumir a nossa alteridade, mas o choque desta, porque também podemos nos sentir escandalizados e sacudidos se vermos outra teologia que não seja a nossa", pondera, ao afirmar que não devemos nos prender com o que é nosso, acreditando que o que temos ou sabemos é o verdadeiro;
4- Recuperação das entranhas místicas e proféticas, capazes de sustentar nossas lutas e a transformação da sociedade.

Repensar a teologia
Neste sentido, a professora pergunta: "Como repensar a teologia e qual sua função na compreensão de outro mundo possível e de outra teologia possível? Ainda a teologia serve para alguma coisa? Temos que fazê-la servir para alguma coisa, pois estamos aqui para isso".
Às vezes, continua, a vida cotidiana vai por outro caminho e se não conseguimos fazer com que a teologia toque em nós, em nossa vida cotidiana, não adianta de nada. "Estamos vivendo épocas muito complexas e precisamos de muita orientação para não perdermos o fio. Se nós quisermos continuar avançando, a teologia precisa renovar a sua identidade, a sua missão, para o que ela serve, sem perder o fio de sua identidade, de seus compromissos", pontua.
Para Geraldina, a mudança bate à nossa porta. E questiona: "Seríamos capazes de abri-la?" Ela avalia que não podemos passar retos diante dessas transformações. "Devemos acompanhar as mudanças ou pelo menos não criar obstáculos para elas no fluxo da vida que está acontecendo." Para a docente, a teologia precisa provocar e promover a mudança. "Ela não deve esquecer, além disso, que no tecido há fios vermelhos, fios de sangue, dos mártires que não podemos esquecer nesses tempos tão complexos. Para mim, eles são sinais para que não percamos a orientação. Eles nos estimulam e ajudam que devemos dizer não diante de qualquer sistema de poder que não permita o florescimento dos seres humanos", finalizou.

Experiências de Jon Sobrino
"A fé é algo que nos convoca, a vocês e a mim." Com esta frase Jon Sobrino continua a Conferência "Um novo Congresso e um Congresso novo", na noite de ontem, 07. E continuou: "Teologia quer dizer que pensamos, acreditamos, estamos convictos de que a direção estabelecida por Jesus de Nazaré é aquela que humaniza as pessoas".
Sobrino abordou, durante a Conferência, sua experiência pessoal, a questão teórica da Teologia da Libertação e apontou o seguinte questionamento: "O que fazer com o passado, uma vez que estamos em uma mudança constante?"

De onde ele vem e o que ele celebra?
No começo de sua fala, Jon Sobrino aborda sua trajetória de vida pessoal, de onde vem e o que ele de fato celebra. "Venho de El Salvador. Neste pequeno país, embora tenhamos centro de teologia, biblioteca etc., há problemáticas que não chegam lá", disse.
"El salvador tem seis milhões de habitantes que se relacionam com Deus de maneira bem diversa", comentou, ao afirmar que fala tudo isto, aqui, com liberdade. Depois, Sobrino questiona: "O que celebramos e o que queremos fazer? E, mais importante do que o que celebramos é o que fazemos quando celebramos? Então, vou contar-lhes a triste história da minha vida:
De 1966 a 1974, estive em Frankfurt, na Alemanha, estudando teologia. Tive notícias do Concílio, que começou em 1962, mas parciais. Ou seja, era ignorante com o que estava ocorrendo. A partir do livro de Gustavo Gutiérrez e por Medellín, comecei a me interessar, mas isso apenas em 1974, quando cheguei a El Salvador. Com isso, quero dizer que, diferentemente de muitos da minha geração, fui um ignorante do que estava acontecendo e obviamente não fui nenhum apaixonado. Depois, tudo mudou."

Impactos
Impactou-me, pensando em Medellín, Gustavo Gutiérrez e depois em Dom Romero, que a Igreja decidiu se voltar ao pobre e a Jesus. "Fico, além de medo, meio constrangido com a parte de minha palestra quando tenho que falar de minha vida pessoal", admitiu.
"Dos acontecimentos de Medellín, o que celebro e me deixa contente é que houve profundas mudanças, rupturas. Pensávamos que era impossível, antes disso não podíamos sequer imaginá-las", afirma.
"Quando me disseram que existiam novos paradigmas, falei: acho que vocês têm razão! Ou seja, não tenho nada contra isso. No entanto, o que não me convence totalmente é que os novos paradigmas fizeram desaparecer os antigos e as antigas realidades", continuou. No passado, segundo Sobrino, ocorreram coisas que são difíceis de entender. "Mas a generosidade, o amor, a entrega, isso permanece."

Igreja dos pobres e as necessidades
Segundo Jon Sobrino, antes de começar o Concílio, o Papa anunciou a Igreja dos pobres.
"Todos sentimos que depois do Concílio faltou alguma coisa. E o que foi? Foi a Igreja dos pobres", enfatiza. "A Igreja dos pobres não fez raiz. Ouvi que no Concílio se falou dos pobres. Mas não foi mencionado quem eram os pobres e nem se a Igreja deveria compartilhar e defender estes mesmos pobres, coisa que Deus fez no antigo testamento e que foi dito também em Puebla."

Mudanças estruturais e novos paradigmas
Para Sobrino, há mudanças estruturais e novos paradigmas. "Como disse Romero, ‘a Igreja dos pobres é uma igreja crucificada'."
Jon Sobrino se diz alegre em saber que "nossa Igreja seja perseguida justamente por proteger os pobres". E completa: "Para terminar, compreendam uma das coisas que tive o prazer de ouvir: o monsenhor Romero disse que Deus passou por El salvador, ou seja, a ideia de que algo bom aconteceu".  Além disso, segundo Sobrino, Romero frisou: "A glória de Deus é que o pobre viva! Isso é muito citado, com razão".
Ainda de acordo com Sobrino, D. Pedro Casaldáliga, ao se referir ao absoluto, disse: "tudo é relativo, menos Deus e a fome". Bento XVI afirmou, no início de seu pontificado, e até hoje, "cuidado com os relativismos". E Jon Sobrino termina a Conferência com a seguinte frase: "O absoluto é Deus, e se há algo que é coabsoluto, esses são os pobres".
A reportagem é de Thamiris Magalhães e Foto: Natália Scholz

Teologia da Libertação e a experiência de encontrar Deus na face dos pobres


Teologia da Libertação e a experiência de encontrar Deus na face dos pobres

Terça-feira, 9 de outubro de 2012 - 20h03min
por Thamiris Magalhães
Durante o segundo dia do Congresso Continental de Teologia, que teve início na noite do último domingo, 07, logo pela manhã, o Dr. Jung Mo Sung, da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo - UMESP, abordou, durante sua Conferência, a Economia e Teologia, no anfiteatro Pe. Werner, na Unisinos.

Economia e Teologia - Teologia da Libertação em época de Império
"Primeiro", começa o Dr. Jung Mo Sung, "é importante saber que Teologia da Libertação é teologia". Segundo ele, Teologia da Libertação retrata o Deus da vida e a opção pelos pobres. Além disso, aborda:
• Noção de Deus e da vida humana;
• Vida da alma x vida corpórea;
• Reprodução da vida: a produção, distribuição e consumo de bens materiais e simbólicos necessários. Nesse sentido, gera-se conflito social;
• Teologia da Libertação critica teologicamente a economia.
Para o Dr. Jung Mo Sung, faz-se necessário "salvar a teologia do seu cinismo, porque realmente no mundo de hoje muita teologia reduz-se ao cinismo, que você não olha para os problemas que estão ao seu redor". Segundo o conferencista, um conceito importante é o de divisão social do trabalho. "Qual o nível tecnológico dessa divisão social do trabalho?", indaga.
Além disso, para Mo Sung, há outra coisa importante: "Quais os valores sociais que fazem com que a sociedade viva como um sistema?". Para ele, é preciso justificar através da teologia a divisão desigual das mercadorias. "No século XVIII e XIX começa o mundo industrial. O tempo cíclico da natureza é substituído pelo relógio da produção. O tempo industrial está passando, agora estamos vivendo no mundo da globalização e informação", explica. Para ele, o sistema capitalista faz com que as pessoas consumam. "O consumismo, que começa nos anos 50, inicia com a necessidade de extravasar o processo de produção."
Modernidade e a fé/teologia
A Igreja volta-se para o mundo e ao fazer isso enfrenta o mundo moderno, que foi compreendido como racional, secularizado e ateu, explica Mo Sung. Esse mundo moderno, segundo ele, apresenta-se como antropocêntrico. "O mundo moderno é antropocêntrico porque assim os filósofos da modernidade se apresentaram. A teologia é, neste sentido, um diálogo com a modernidade." "Mas e se a modernidade for uma invenção? Há uma razão ou uma racionalidade irracional? Quando você destrói os povos, isso é racional? O progresso justifica isso?"
Mo Sung questiona se o mundo moderno é antropocentrismo ou capitalcentrismo, uma vez que acumular capital é o critério último da vida social. E pergunta: "Há um ateísmo ilustrado ou idolatria, uma vez que há sacrifícios da vida humana e do meio ambiente?"
Modernidade Ocidental
"Capitalismo e racismo são duas faces do mesmo processo histórico", diz o Dr. Jung Mo Sung.  Para ele, o capitalismo pode ser entendido como uma nova religião da vida cotidiana que, como qualquer outra, gera um novo tipo de espiritualidade. E continua: "As igrejas representam a sacralização do sistema dominante de cada época", ao frisar que o Império não é apenas uma força. "Discurso da harmonia é discurso do imperial."
Para ele, crítica da idolatria tem que ser a partir da noção de transcendência dos que foram excluídos, das vítimas e não de um Deus que vem de cima e impõe. "Esse espírito de comunhão e espiritualidade não podem fazer com que esqueçamos as perguntas do sistema capitalista."
Crítica ao capital
"As crianças devem usufruir de sua infância e não a marca de sua boneca", diz o Dr. Jung Mo Sung. Para ele, Shopping é o principal espaço sagrado de nosso tempo. É uma religião invisível. "Shoppings são espaços de visibilidade do consumismo. Não acredito que estamos numa sociedade só. Nós podemos acreditar, mas o sistema não. Ele seleciona pela classe social, raça etc. Aí entra a Teologia cristã: Deus não faz distinção entre as pessoas."
Depois, "a salvação de nossa vida é graça. Nossa vida não se justifica pelo sucesso, riqueza, status, quantidade de livros, quantas vezes fomos citados, mas sim pela graça de Deus", analisa. Para ele, a Teologia da Libertação está em crise. "E só está em crise quem está vivo, quem já morreu não tem crise." E completa: "Teologia é reflexão crítica. E muitas vezes temos preguiça intelectual. E quando nosso discurso é facilmente aceito, somos levados a preguiça intelectual e não esforço".
Dr. Jung Mo Sung finaliza dizendo que a Teologia da Libertação fez história porque tinha uma coisa anterior: "reflexão crítica a partir da experiência espiritual de encontrar Deus na face dos pobres".

Um Deus mestiço na pós-modernidade da América Latina


CEBI

Um Deus mestiço na pós-modernidade da América Latina

Terça-feira, 9 de outubro de 2012 - 20h08min
Compreender a irracionalidade da violência para entender o humano em sua problemática mais fundamental, que é, justamente, a violência. Com essa temática o teólogo Carlos Mendoza iniciou sua conferência na tarde de segunda-feira, 07-10-2012, dentro da programação do Congresso Continental de Teologia, sediado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Como deter a espiral da violência, perguntou-se? Pensadores como Emmanuel Levinas e sua ideia de ética do outro, o problema do mal em Paul Ricouer, Andres Torres Queiruga e René Girard, que aborda a violência e o sagrado e o bode expiatório são fundamentais para pensarmos esse mundo pós-moderno e a religião nele.

Mendoza destacou que o tempo messiânico é um de seus principais objetos de estudo hoje, bem como o sofrimento dos inocentes e a esperança em um mundo diferente, ideias originadas no judaísmo e uma crítica à pós-modernidade. Assim, abordou diversos aspectos em sua fala:
I. O retorno do sagrado

O século XIX foi anunciado como século do ateísmo, que implantaria a razão como única guia da civilização moderna. A ilustração é organizada um grande projeto de autonomia e emancipação. Já o século XXI não seria religioso, destaca Mendoza. Na América Latina vimos o ressurgimento das culturas originárias, como a Pacha Mama, e o ano de 1992 foi simbólico para afirmar a força das culturas originárias. O sagrado foi descrito no pensamento filosófico moderno como uma experiência limite do sujeito, a saber R. Otto, Levinas, Ricoeur, D. Tracy, R. Girard e F. Hinkelammert e E. Dussel.
II. No início do século XXI o pensamento hebraico se propõe como uma primeira alternativa para superar a modernidade instrumental.

Atenas                                    Jerusalem                            Extra murosDeus trágico                           Deus Santo                           Deus unitário
Mesmidade                             alteridade                             comunidade
Eu                                           tu                                          nós
Narciso                                   Abrahão                                Jesus de Nazaré
Prometeu                               Abel                                       Crucificado que vive
Vários filósofos criticavam a razão instrumental e técnica, focada numa matriz cartesiana. Porque voltar a Jerusalém, então? É preciso pensar nas categorias acima, disse Mendoza. A racionalidade hebraica implica que o messianismo Deus de Israel se envolve na história de um povo oprimido. Segundo a tríade fundamental do único ato divino (Rosenzweig): revelação, criação e redenção.
A lógica de Jerusalém

Para Carlos Mendoza, a lógica hebraica se baseia em:

- postular o desmantelamento por parte de Deus do sagrado violento desde as origens da história;

- promover a crítica dos ídolos de morte que suplantam ao Deus da vida. Trata-se de um Deus que atua para todos, mas sempre a partir dos excluídos: a viúva, o pobre, o órfão e o estrangeiro, por exemplo.

- Tal é o anúncio messiânico dos tempos novos.
III. A teologia cristã pós-moderna é uma crítica da modernidade instrumental

1. Em continuidade com o judaísmo liberal moderno

- propõe uma radicalização da experiência hebreia de Deus compassivo

- assume o monoteísmo e a universalidade do próximo segundo a regra de ouro

- leva ao extremo esvaziamento divino de Deus

2. Em sua novidade e diferença o cristianismo pós-moderno tem quatro caraterísticas próprias

(i) é um anti-messianismo (Ch. Duquoc, R. Girard, I. Ellacuría, J. Alison). Propõe um Jesus que é diferente, "queer".

(ii) o cristianismo pós-moderno é a inteligência da vítima não ressentida que supera o círculo fatal da rivalidade (Alison e Girard). A exclusão tem muitos rostos. Como compreender que por essas experiências pode se revelar o rosto de Deus?

(iii) como anúncio escatológico de outro mundo possível e real desde a imaginação de Deus em chronos e kairós. O tempo de Atenas e de Jerusalém é totalmente diferente, observou Mendoza. 

(iv) a lógica da gratuidade absoluta como dimensão do amor

- não recíproco

- a-simétrico e

- incondicional
Um Deus mestiço
Valendo-se de ideias de James Alison, Mendoza acentua que a vergonha é o primeiro lugar teológico. Só quando se vive o colapso dos sonhos de onipotência juvenil é que se pode conhecer o Cristo. A perspectiva pós-moderna trata de falar a partir das margens, ponto crucial para entender o enfoque pós-moderno da teologia. 

Mendoza aponta, ainda, as questões sugeridas do modelo emergente da pós-modernidade:

- a insuficiência da racionalidade objetivante (J. L. Nancy, F. Hinkelammert);

- a possibilidade de uma ética mundial não violenta a partir do consenso entre as religiões (H. Küng e L. Boff);

- O descentramento do sujeito moderno: o giro do giro copernicano para incluir o cosmos e a Deus (R. Pannikar e I. Gebara);

- a crítica dos reducionismos.

O cenário da teologia na América Latina é a diversidade, a pentecostalidade. Tal diversidade é uma benção no horizonte religioso. A Igreja Católica não deveria ser mais kenótica para compreender essa diversidade?, perguntou Mendoza. Deus é mestiço, híbrido, não é puro, não tem uma raça única, senão que está encarnado por toda parte. A Europa está dentro de nossas veias assim como o nosso sangue corre na deles. Toda a literatura latino americana está em parte ligada à cultura europeia, como propõe João Cezar de Castro Rocha - UERJ. 

Na pós-modernidade é preciso fazer teologia a partir das vítimas, porque só elas tem o poder de perdoar. Contudo, algumas pessoas, pouquíssimas vítimas, exercem essa função. Elas tendem a se articular em revanche. Como, então, acompanhar e escutar o grito das vítimas em algo que possa, verdadeiramente, salvar, e não humilhar? O perdão é o horizonte último. A reconciliação nacional deveria ser incluída como agenda política nacional. 

O perdão não é esquecimento, mas imaginar desde a memória perigosa, subversiva dos inocentes sacrificados as mudanças necessárias.  Somos todos sobreviventes de algum tipo de sacrifício, apontou Mendoza.  Trata-se de uma tarefa ético política pensar algo que seja mais do que uma religião, mas uma ética de compromisso com os excluídos.
Quem é Carlos Mendoza?
Carlos Mendoza-Alvarez se formou em Filosofia, pela Universidade Autônoma do México, e fez doutorado em Teologia, em Paris e Friburgo (Suíça). Em sua tese de doutorado procurou tecer um diálogo com o pensamento hermenêutico de Paul Ricoeur, a ética da alteridade de Emmanuel Levinas e a teoria mimética de René Girard. Dentre seus escritos, destaca-se o livro O Deus escondido da pós-modernidade: desejo, memória e imaginação escatológica. Ensaio de teologia fundamental pós-moderna (São Paulo: É Realizações, 2011). 

Momentos após sua conferência na tarde de 07-10-2012, Mendoza concedeu uma entrevista pessoalmente à IHU On-Line, que poderá ser conferida em breve.


 
Márcia Junges.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Primaz da Comunhão Anglicana no Sínodo: Vaticano II foi redescoberta da paixão evangélica

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11/10/2012 17:57:09
Primaz da Comunhão Anglicana no Sínodo: Vaticano II foi redescoberta da paixão evangélica
Cidade do Vaticano (RV) - Encontravam-se também presentes na missa solene de abertura do Ano da Fé, presidida na manhã desta quinta-feira por Bento XVI, os participantes do Sínodo dos Bispos, em andamento no Vaticano com o tema "A nova evangelização para a transmissão da fé cristã".

Na tarde de quarta-feira teve lugar o pronunciamento do Arcebispo de Cantuária e Primaz da Comunhão Anglicana, Dr. Rowan Williams. Tratou-se de um dos pronunciamentos mais significativos do encontro.

Eram 18h locais quando Bento XVI entrou na Sala do Sínodo para ouvir o Primaz da Comunhão Anglicana. Tendo entrado de modo discreto, o Santo Padre colocou-se a ouvir o primaz anglicano, que fez um pronunciamento de amplo alcance.

O primeiro olhar do líder anglicano voltou-se para o Concílio, definindo-o "o sinal de uma grande promessa, o sinal de que a Igreja era suficientemente forte para fazer perguntas pertinentes sobre a adequação da própria cultura e das suas estruturas" para a complexidade do mundo moderno.

Na prática, disse o arcebispo anglicano, o Vaticano II foi uma redescoberta da paixão evangélica, concentrada na renovação e na credibilidade da Igreja no mundo.

Mas há um aspecto particularmente importante que o Concílio evidenciou, ressaltou o primaz anglicano: trata-se da antropologia cristã, ou seja, o compreender que proclamar o Evangelho significa dizer que é possível ser verdadeiramente humanos, criados à imagem da humanidade de Cristo. Nesse sentido, a fé católica e cristã representa "um verdadeiro humanismo".

Nessa ótica, ressaltou o arcebispo de Cantuária, a contemplação – isto é, o esquecer-se de si para olhar para Deus e para o próximo – representa a única resposta ao mundo" irreal e louco" criado pelos sistemas financeiros. E viver de modo contemplativo significa realizar um ato "profundamente revolucionário" porque significa aprender aquilo que nos serve para viver com fidelidade, honestidade e amor.

Portanto, justiça e amor caracterizam o rosto dos cristãos. E o primaz anglicano citou o exemplo das comunidades de Taizé, de Bose, das grandes redes espirituais como Santo Egidio, os Focolarinos de Chiara Lubich, Comunhão e Libertação: todas abertas a uma visão humana mais profunda, porque todas com o objetivo de tornar viva a realidade de Jesus.

Em seguida, o arcebispo de Cantuária abordou o tema do ecumenismo espiritual e reiterou que quanto mais os cristãos se distanciam uns dos outros, mais o rosto da nova humanidade se mostra menos convincente.

Nesse sentido, uma autêntica iniciativa de evangelização deverá ser sempre uma evangelização de si mesmo enquanto cristãos, uma redescoberta da fé que transfigura, um itinerário – não ambicioso, mas conduzido pelo Espírito – rumo à maturidade em Cristo, para tornar o Evangelho "atraente" aos homens do nosso tempo, na "alegria da comunhão".

Antes do pronunciamento do Arcebispo Williams, a Sala do Sínodo havia escutado outras numerosas reflexões, sobretudo, sobre o diálogo inter-religioso, que se inicia sempre – observam os Padres sinodais – com a afirmação das próprias convicções, sem sincretismo ou relativismo.

Portanto, diante de seguidores de outras religiões com uma forte identidade religiosa são necessários cristãos motivados e preparados do ponto de vista doutrinal, capazes de responder sobre a própria fé com simplicidade e sem medo.

É claro, evidenciou o Sínodo, não se trata de colocar a fé cristã entre parênteses, de recuar diante das perseguições e das discriminações.

Aliás, é preciso denunciar com veemência a violência que fere e que mata, mais inda injustificada quando se protege atrás de uma religião.

Todavia, ponderam os Padres sinodais, existem sinais positivos de amizade e fraternidade entre fiéis, como na Turquia, onde um coro formado por membros de cinco confissões entoam juntos cantos religiosos uma das outras, numa ótica que inspira a paz, encoraja a solidariedade, promove a justiça e defende a liberdade.

Por outro lado – é a consideração da Assembléia sinodal –, hoje o mundo e também o lugar da Igreja no mundo mudaram; sonhar o retorno da cristandade é uma ilusão. Porém, a Igreja não deve temer expor-se ao olhar da sociedade, mas tem a obrigação de ser uma testemunha que se pode ouvir e que seja crível.

O que se pode fazer, portanto? O Sínodo sugere formar sacerdotes capazes de serem verdadeiras testemunhas da fé; ajudar os catequistas, para os quais se auspicia a criação de um ministério estável; seguir o exemplo dos missionários, que encontram Deus em todas as coisas; evangelizar as famílias, base da sociedade.

Porque hoje não bastam a ciência, os documentos, as estruturas eclesiásticas: para responder às perguntas mais profundas do homem é necessário tocar o seu coração. E isso é possível mediante a mensagem da Divina Misericórdia, capaz de formar cristãos zelosos e responsáveis, portadores de sentido e de esperança para a humanidade, afirma o Sínodo.

No fundo, concluiu a Sala sinodal, a nova evangelização é uma "aventura espiritual" que não quer improvisações, mas uma conversão dos corações em nível pessoal, comunitário e institucional, no contexto do nosso tempo. (RL)