APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Não desviar Jesus (Lc 4,1-13) - José Pagola


Não desviar Jesus (Lc 4,1-13) - José Pagola

Terça-feira, 12 de fevereiro de 2013 - 21h47min
As primeiras gerações cristãs mostraram grande interesse pelas provações e tensões que teve que superar Jesus para manter-se fiel a Deus a viver sempre colaborando no sem projeto de uma vida mais humana e digna para todos.
O relato das tentações de Jesus não é um episódio fechado, que acontece num momento e num lugar determinado. Lucas nos adverte que, ao terminar estas tentações "o diabo afastou-se dele até o tempo oportuno".  As tentações voltarão na vida de Jesus e na de seus seguidores.
Por isso, os evangelistas colocam o relato antes de narrar a atividade profética de Jesus. Os seguidores dele devem conhecer bem estas tentações desde o começo, pois são as mesmas que eles terão que superar ao longo dos séculos, se não querem se desviar dele.
Na primeira tentação fala-se de pão. Jesus recusa-se a se valer de Deus para saciar sua própria fome. "não só de pão vive o homem". O mais importante para Jesus é buscar o reino de Deus e sua justiça: que haja pão para todos. Por isso vai um dia se valer de Deus, mas será para alimentar uma multidão faminta.
Também hoje a nossa tentação é pensar só no nosso pão e preocupar-nos exclusivamente de nossa crise. Desviamo-nos de Jesus quando acreditamos ter o direito de possuí-lo e nos esquecemos do drama, os medos e sofrimentos daqueles que carecem de quase tudo.
Na segunda tentação fala-se do poder e da glória. Jesus renuncia a tudo isso. Não vai se prostrar diante do diabo que lhe oferece o domínio sobre todos os reinos do mundo: "Adorarás o Senhor teu Deus". Jesus não buscará nunca ser servido, mas servir.

A eleição de um novo papa e o Espírito Santo - Ivone Gebara


A eleição de um novo papa e o Espírito Santo - Ivone Gebara

Quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013 - 16h11min
por Artigo publicado por Adital
"Gostaria que a atitude louvável de renúncia de Bento XVI pudesse ser vivida como um momento privilegiado para convidar as comunidades católicas a repensar suas estruturas de governo e os privilégios medievais que esta estrutura ainda oferece", escreve Ivone Gebara, escritora, filósofa e teóloga, em artigo publicado por Adital, 13-02-2013.
(Conheça o livro Terra - Eco Sagrado, de Ivone Gebara e Arno Kayser)
Eis o artigo.


Depois da louvável atitude do ancião Bento XVI renunciando ao governo da Igreja Católica Romana sucederam-se entrevistas com alguns bispos e sacerdotes nas rádios e televisões de todo o país. Sem dúvida, um acontecimento de tal importância para a Igreja Católica Romana é notícia e leva a previsões, elucubrações de variados tipos, sobretudo de suspeitas, intrigas e conflitos dentro dos muros do Vaticano que teriam apressado a decisão do papa.

No contexto das primeiras notícias, o que chamou a minha atenção foi algo à primeira vista pequeno e insignificante para os analistas que tratam dos assuntos do Vaticano. Trata-se da forma como alguns padres entrevistados ou padres liderando uma programação televisiva, quando perguntados sobre quem seria o novo papa saíssem pela tangente. Apelavam para a inspiração ou vontade do Espírito Santo como aquele do qual dependia a escolha do novo pontífice romano. Nada de pensar em pessoas concretas para responder a situações mundiais desafiantes, nada de suscitar uma reflexão na comunidade, nada de falar dos problemas atuais da Igreja que a tem levado a um significativo marasmo, nada de ouvir os clamores da comunidade católica por uma democratização significativa das estruturas anacrônicas de sustentação da Igreja institucional.
A formação teológica desses padres comunicadores não lhes permite sair de um discurso padrão trivial e abstrato bem conhecido, um discurso que continua fazendo apelo a forças ocultas e de certa forma confirmando seu próprio poder. A contínua referência ao Espírito Santo a partir de um misterioso modelo hierárquico é uma forma de camuflar os reais problemas da Igreja e uma forma de retórica religiosa para não desvendar os conflitos internos que a instituição tem vivido. A teologia do Espírito Santo continua para eles mágica e expressando explicações que já não conseguem mais falar aos corações e às consciências de muitas pessoas que têm apreço pelo legado do Movimento de Jesus de Nazaré. É uma teologia que continua igualmente a provocar a passividade do povo crente frente às muitas dominações inclusive as religiosas. Continuam repetindo fórmulas como se estas satisfizessem a maioria das pessoas.

Entristece-me o fato de verificar mais uma vez que os religiosos e alguns leigos atuando nos meios de comunicação não percebam que estamos num mundo em que os discursos precisam ser mais assertivos e marcados por referências filosóficas para além da tradicional escolástica. Um referencial humanista os tornaria bem mais compreensivos para o comum das pessoas incluindo-se aqui os não católicos e os não religiosos.
A responsabilidade da mídia religiosa é enorme e inclui a importância de mostrar o quanto a história da Igreja depende das relações e interferências de todas as histórias dos países e das pessoas individuais. Já é tempo de sairmos dessa linguagem metafísica abstrata como se um Deus iria se ocupar especialmente de eleger o novo papa prescindindo dos conflitos, desafios, iniqüidades e qualidades humanas. Já é tempo de enfrentarmos um cristianismo que admita o conflito das vontades humanas e que no final de um processo eletivo, nem sempre a escolha feita pode ser considerada a melhor para o conjunto. Enfrentar a história da Igreja como uma história construída por todos e todas nós é testemunhar respeito por nós mesmas/os e mostrar a responsabilidade que todas e todos que nos consideramos membros da comunidade católica romana temos.
A eleição de um novo papa é algo que tem a ver com o conjunto das comunidades católicas espalhadas pelo mundo e não apenas com uma elite idosa minoritária e masculina. Por isso, é preciso ir mais além de um discurso justificativo do poder papal e enfrentar-se aos problemas e desafios reais que estamos vivendo. Sem dúvida, para isso as dificuldades são muitas e enfrentá-las exige novas convicções e o desejo real de promover mudanças que favoreçam a convivência humana.

Preocupa-me mais uma vez que não se discuta de forma mais aberta o fato de o governo da Igreja institucional ser entregue a pessoas idosas que apesar de suas qualidades e sabedoria já não conseguem mais enfrentar com vigor e desenvoltura os desafios que estas funções representam. Até quando a gerontocracia masculina papal será o doublé da imagem de um Deus branco, idoso e de barbas brancas? Haveria alguma possibilidade de sair desse esquema ou de ao menos começar uma discussão em vista de uma organização futura diferente? Haveria alguma possibilidade de abrir essas discussões nas comunidades cristãs populares que têm o direito à informação e à formação cristã mais ajustada aos nossos tempos?

Sabemos o quanto a força das religiões depende de desafios e comportamentos frutos de convicções capazes de sustentar a vida de muitos grupos. Entretanto, as convicções religiosas não podem se reduzir a uma visão estática das tradições e nem a uma visão deliberadamente ingênua das relações humanas. As convicções religiosas igualmente não podem ser reduzidas a onda de devoções as mais variadas que se propagam através dos meios de comunicação. E mais, não podemos continuar tratando o povo como ignorante e incapaz de perguntas inteligentes e astutas em relação à Igreja. Entretanto, os padres comunicadores acreditam tratar com pessoas passivas e entre elas estão muitos jovens que desenvolvem um culto romântico em torno da figura do papa.
Os religiosos mantêm essa situação muitas vezes cômoda por ignorância ou por avidez de poder. Provar a interferência divina nas escolhas que a Igreja Católica hierárquica, prescindindo da vontade das comunidades cristãs espalhadas pelo mundo é um exemplo flagrante dessa situação. É como se quisessem reafirmar erroneamente que a Igreja é em primeiro lugar o clero e as autoridades cardinalícias às quais é dado o poder de eleger o novo papa e que esta é a vontade de Deus. Aos milhares de fiéis cabe apenas rezar para que o Espírito Santo escolha o melhor e esperar até que a fumaça branca anuncie uma vez mais o "habemus papam”. De maneira hábil sempre estão tentando fazer os fiéis escapar da história real, de sua responsabilidade coletiva e apelar para forças superiores que dirijam a história e a Igreja.

É pena que esses formadores de opinião pública estejam ainda vivendo num mundo teologicamente e talvez até historicamente pré-moderno em que o sagrado parece se separar do mundo real e pousar numa esfera superior de poderes à qual apenas alguns poucos têm acesso quase direto. É desolador ver como a consciência crítica em relação às suas próprias crenças infantis não tenha sido acordada em beneficio próprio e em benefício da comunidade cristã. Parece até que acentuamos os muitos obscurantismos religiosos presentes em todas as épocas enquanto o Evangelho de Jesus continuamente convoca para a responsabilidade comum de uns em relação aos outros.

Sabendo das muitas dificuldades enfrentadas pelo papa Bento XVI durante seu curto ministério papal, as empresas de comunicação católica apenas ressaltam suas qualidades, sua doação à Igreja, sua inteligência teológica, seu pensamento vigoroso como se quisessem mais uma vez esconder os limites de sua personalidade e de sua postura política não apenas como pontífice, mas também por muitos anos, como presidente da Congregação da Doutrina da Fé, o antigo Santo Ofício. Não permitem que as contradições humanas do homem Joseph Ratzinger apareçam e que sua intransigência legalista e o tratamento punitivo que caracterizaram, em parte, sua pessoa sejam lembrados. Falam desde sua eleição, sobretudo de um papado de transição. Sem dúvida de transição, mas de transição para que?

Gostaria que a atitude louvável de renúncia de Bento XVI pudesse ser vivida como um momento privilegiado para convidar as comunidades católicas a repensar suas estruturas de governo e os privilégios medievais que esta estrutura ainda oferece. Estes privilégios tanto do ponto de vista econômico quanto político e sócio cultural mantêm o papado e o Vaticano como um Estado masculino à parte. Mas um Estado masculino com representação diplomática influente e servido por milhares de mulheres através do mundo nas diferentes instâncias de sua organização. Esse fato nos convida igualmente a pensar sobre o tipo de relações sociais de gênero que esse Estado continua mantendo na história social e política da atualidade.

As estruturas pré-modernas que ainda mantém esse poder religioso precisam ser confrontadas com os anseios democráticos de nossos povos na busca de novas formas de organização que se coadunem melhor com os tempos e grupos plurais de hoje. Precisam ser confrontadas com as lutas das mulheres, das minorias e maiorias raciais, de pessoas de diferentes orientações sexuais e escolhas, de pensadores, de cientistas e de trabalhadores das mais distintas profissões. Precisam ser retrabalhadas na linha de um diálogo maior e mais profícuo com outros credos religiosos e sabedorias espalhadas pelo mundo.

E para terminar, quero voltar ao Espírito Santo, a esse vento que sopra em cada uma/um de nós, a esse sopro em nós e maior do que nós que nos aproxima e nos faz interdependentes de todos os viventes. Um sopro de muitas formas, cores, sabores e intensidades. Sopro de compaixão e ternura, sopro de igualdade e diferença. Este sopro não pode mais ser usado para justificar e manter estruturas privilegiadas de poder e tradições mais antigas ou medievais como se fossem uma lei ou uma norma indiscutível e imutável.
O vento, o ar, o espírito sopra onde quer e ninguém deve se atrever a querer ser ainda uma vez seu proprietário. O espírito é a força que nos aproxima uns dos outros, é a atração que permite que nos reconheçamos como semelhantes e diferentes, como amigas e amigos e que juntos/as busquemos caminhos de convivência, de paz e justiça.
Esses caminhos do espírito são os que nos permitem reagir às forças opressoras que nascem de nossa própria humanidade, os que nos levam a denunciar as forças que impedem a circulação da seiva da vida, os que nos levam a des-cobrir os segredos ocultos dos poderosos. Por isso, o espírito se mostra em ações de misericórdia, em pão partilhado, em poder partilhado, em cura das feridas, em reforma agrária, em comércio justo, em armas transformadas em arados, enfim, em vida em abundância para todas/os. Esse parece ser o poder do espírito em nós, poder que necessita ser acordado a cada novo momento de nossa história e ser acordado por nós, entre nós e para nós.
(Conheça o livro Terra - Eco Sagrado, de Ivone Gebara e Arno Kayser)

Boff: Que tipo de Papa? As tensões internas da Igreja atual


Boff: Que tipo de Papa? As tensões internas da Igreja atual

Quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013 - 15h07min
Não me proponho apresentar uma balanço do pontificado de Bento XVI, coisa que foi feito com competência por outros. Para os leitores talvez seja mais interessante conhecer melhor uma tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de cada Papa. A questão central é esta: qual a posição e a missão da Igreja no mundo?
Antecipamos dizendo que uma concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais: o Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus, sua utopia de uma revolução absoluta que reconcilia a criação consigo mesma e com Deus. O mundo é o lugar onde a Igreja realiza seu serviço ao Reino e onde ela mesma se constrói. Se pensarmos a Igreja demasiadamente ligada ao Reino, corre-se o risco de espiritualização e de idealismo. Se demasiadamente próxima do mudo, incorre-se na tentação da mundanização e da politização. Importa saber articular Reino-Mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui uma dimensão histórica com suas contradições e outra transcendente.
Como viver esta tensão dentro do mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes e, por vezes, conflitantes: o do testemunho e o do diálogo. O modelo do testemunho afirma com convicção: temos o depósito da fé, dentro do qual estão todas as verdades necessárias para a salvação; temos os sacramentos que comunicam graça; temos uma moral bem definida; temos a certeza de que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo, a única verdadeira; temos o Papa que goza de infalibilidade em questões de fé e moral; temos uma hierarquia que governa o povo fiel; e temos a promessa de assistência permanente do Espírito Santo. Isto tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai e que por si mesmo jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela mediação da Igreja, sem a qual não há salvação.
Os cristãos deste modelo, desde Papas até os simples fiéis, se sentem imbuídos de uma missão salvadora única. Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo. Para que dialogar? Já temos tudo. O diálogo é para facilitar a conversão e é um gesto de civilidade. O modelo do diálogo parte de outros pressupostos: O Reino é maior que a Igreja e conhece também uma realização secular, sempre onde há verdade, amor e justiça; o Cristo ressuscitado possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim bom; o Espírito está sempre presente na história e nas pessoas do bem; Ele chega antes do missionário, pois estava nos povos na forma de solidariedade, amor e compaixão. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece chance de salvação, pois os tirou de seu coração para um dia vive rem felizes no Reino dos libertos. A missão da Igreja é ser sinal desta história de Deus dentro da história humana e também um instrumento de sua implementação junto com outros caminhos espirituais. Se a realidade tanto religiosa quanto secular está empapada de Deus devemos todos dialogar: trocar, aprender uns dos outros e tornar a caminhada humana rumo à promessa feliz, mais fácil e mais segura.
O primeiro modelo do testemunho é da Igreja da tradição, que promoveu as missões na África, na Ásia e na América latina, sendo até cúmplice em nome do testemunho da dizimação e dominação de muitos povos originários, africanos e asiáticos. Era o modelo do Papa João Paulo II que corria o mundo, empunhando a cruz como testemunho de que ai vinha a salvação. Era o modelo, mais radicalizado ainda, de Bento XVI que negou o título de "Igreja" às igrejas evangélicas, ofendendo-as duramente; atacou diretamente a modernidade pois a via negativamente como relativista e secularista. Logicamente não lhe negou todos os valores mas via neles como fonte a fé cristã. Reduziu a Igreja a uma ilha isolada ou a uma fortaleza, cercada de inimigos por todos os lados contra os quais importa se defender.
O modelo do diálogo é do Concílio Vaticano II, de Paulo VI e de Medellin e de Puebla na América Latina. Viam o cristianismo não como um depósito, sistema fechado com o risco de ficar fossilizado, mas como uma fonte de águas vivas e cristalinas que podem ser canalizadas por muitos condutos culturais, um lugar de aprendizado mútuo porque todos são portadores do Espírito Criador e da essência do sonho de Jesus. O primeiro modelo, do testemunho, assustou a muitos cristãos que se sentiam infantilizados e desvalorizados em seus saberes profissionais; não sentiam mais a Igreja como um lar espiritual e, desconsolados, se afastavam da instituição mas não do Cristianismo como valor e utopia generosa de Jesus.
O segundo modelo, do diálogo, aproximou a muitos pois se sentiam em casa, ajudando a construir uma Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos. O efeito era o sentimento de liberdade e de criatividade. Assim vale a pena ser cristão. Esse modelo do diálogo se faz urgente caso a instituição-Igreja quiser sair da crise em que se meteu e que atingiu seu ponto de honra: a moralidade (os pedófilos) e a espiritualidade (roubo de documentos secretos e problemas graves de transparência no Banco do Vaticano). Devemos discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã no interior de uma crise ecológica e social de gravíssimas consequências. O problema central não é a Igreja mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa civilização. Como a Igreja ajuda nessa travessia? Só dialogando e somando forças com todos.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Quaresma: que eu procure mais amar, que ser amado (Leonardo Boff)


Quaresma: que eu procure mais amar, que ser amado (Leonardo Boff)

Segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013 - 0h10min
Fazei com que eu procure mais amar, que ser amado.
Sentir-se amado é mais gratificante que amar, pois basta apenas acolher o amor gratuito do outro, sem ser necessário conquistá-lo ou dar-lhe provas de amor. Sentir-se amado é sentir-se importante e precioso para alguém. Aumenta a auto-estima e reforça o sentido de ser.

De repente, sei que estou no coração e na mente de outra pessoa. Sou para ela um valor inestimável. Acompanha-me em cada gesto, procura saber cada pormenor da minha história, valoriza cada palavra minha e intui amorosamente cada intenção, por mais secreta que seja.
Aquele que ama vive num estado de consciência alterado. Perde o interesse por si mesmo e entrega-se a forças que o arrastam irrefreavelmente na direcção da pessoa amada. Esta aparece aos seus olhos como única e diferente de todas as demais no Universo. Experimenta um estado de arrebatamento e de potencialização de sentido que, em função da pessoa amada, reorganiza toda a vida.
Todos querem ser amados; pois todos anseiam ser únicos para alguém. A frase mais triste que ouvi foi de uma jovem assistente social, mulher simples do povo, sem grandes dotes de beleza, segundo as pobres convenções da nossa cultura material: "Eu nunca fui amada; nunca fui interessante para ninguém; ninguém até hoje olhou para mim." E os seus olhos traíam uma tristeza infinita. Uma mágoa profunda com a vida ingrata e cruel pesava em cada uma das suas palavras. O Universo parecia ter desabado sobre ela.
Sem amor, a vida perde significado e densidade. Tudo fica irrelevante e sem valor. É fundamental para o brilho da existência sentirmo-nos amados e acolhidos com enternecimento por aqueles que nos cercam. Por detrás do ateísmo, do gnosticismo e do indiferentismo talvez esteja essa experiência devastadora: a incapacidade de alguém se sentir acolhido como num útero, aceite como no seio de uma família e amado incondicionalmente por uma pessoa.
Porque temos esta necessidade inarredável de sermos amados? Porque nós, seres humanos, desde que nascemos mostramos a tendência para nos unirmos a algo que nos realize, a algo que nos transcenda. As ciências da Terra dizem que esse algo representa a acção da seta do tempo e do impulso da evolução a empurrar-nos sempre para a frente e para cima, de convergência em convergência, na direcção de uma culminância suprema. Os especialistas da psique humana aventam a ideia de que esse desejo de união representa a memória ancestral da nossa vida no útero materno. As religiões ensinam que esse algo é a ânsia por Deus como Alfa e Omega da nossa vida. Seja como for, o ser humano, ao sentir-se amado, vive a experiência de ter resgatado o paraíso terrestre ou ter chegado à Terra da Promissão.
Que significa procurar mais amar, que ser amado? É o convite para darmos o salto por cima de nós mesmos, para podermos propiciar amor ao outro e aos outros. Ao amar o outro, queremos que ele experimente uma absolutarealização - ser amado - e se sinta existencialmente o centro afectivo do nosso universo. Pois é exactamente essa a experiência que o amor nos permite fazer.
Amar mais do que ser amado é, então, a força de sairmos de nós mesmos e de nos centrarmos no outro por causa do outro - dando-lhe valor, cuidado, ternura, cordialidade e convivialidade. São Francisco conseguiu amar os leprosos e todas as criaturas como irmãos e irmãs muito queridos. Por isso o seu universo é cheio de unção, enternecimento e respeito, porque permite que todos se sintam amados.

Esta atitude de um amor maior pode resgatar a humanidade ameaçada e salvar a vida do planeta Terra. Quem tem este tipo de amor superabundante conquista tudo: o próprio coração, a salvação eterna e Deus mesmo.
Ó Mestre, fazei que eu procure mais amar, que ser ser amor. Que eu acolha com generosidade e alegria o amor que me é dado, mas que me empenhe sobre tudo em fazer com que os que me cercam se sintam amados. Fazei que nos sintamos amados por Vós para experimentarmos a suprema felicidade concedida nesta vida. Amém.  
(Publicado em A Oração de São Francisco: Uma Mensagem de Paz para o Mundo Atual. Ed. Sextante)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Leitura da palavra de Deus do dia 10 de fevereiro


Êxodo 34, 29-35     I Corintios 12, 27 – 13, 13 Lucas 9, 28-36
Queridos e amados,
O Novo Testamento em Lucas mostra, assim como no Antigo Testamento, que a oração transfigura o ser humano. Neste caso, entretanto, João e Tiago perceberam a grandeza de Jesus e sua ligação com Moisés e Elias, baluartes e referências do povo judaico. Pedro pediu para montar ali uma tenda e ficar ali em convívio com Jesus, Moisés E Elias. Este não era o caminho. Estar ali, parados, com Jesus não era – e segue não sendo – o caminho para os seguidores de Jesus.  Acomodar-se neste estado, que certamente implica um perceber-se melhor que os outros não é o caminho que o seguimento do Senhor aponta. E significa. Nenhuma acomodação é possível neste caminho. Nem a religiosa, nem em privilégios de status, poder, dinheiro e luxo. É preciso que a Igreja e cada um de nós estejam existencialmente, e na mente, e no coração com os excluídos.
Moises, lá no Êxodo, transfigurou-se após ter falado com Javé e estar com as duas tábuas da aliança. Aliança que segue sendo válida. A presença com o Senhor nos transforma, transfigura, ilumina. Esta experiência de transfiguração permite a cada um que se transforme em luz e alegria ao mundo, e isto, ainda hoje, é possível a cada um de nós. Temos várias formas de acessar, encontrar e construir esta relação íntima e amorosa com Deus, nosso Salvador.
A primeira delas é a oração, portal que nos insere num processo de paulatina transformação mística de conformação de si em espaço de manifestação de amor e acolhimento. A oração, derivada da Palavra rezada e meditada, transforma nossa vida e a torna um anúncio da justiça de Deus, num ícone do amor de Deus que salva.
Para que isso ocorra, entretanto, devemos mergulhar nesta experiência em comunidade ou sozinhos, requer uma postura de humildade e busca de permanente conversão. Assim fala Frei Mariano Ceras, no livro A Oração no Carmelo, a pagina 64 diz:
 “Para uma pessoa que não está disposta a renunciar à sua própria ética, à sua própria pretensão de autosuficiência é impossível entender o livro das Escrituras. Qualquer um pode ler a Bíblia. Mas, se não está disposto a colocar uma discussão a si mesmo, suas próprias certezas e riquezas, o livro permanece fechado para ele, ainda que materialmente, pareça aberto: é preciso esvaziar o coração para que a Palavra de Deus possa enchê-lo com a sua riqueza.”.
A outra forma existente de transfigurar-se não pode – nem deve – desligar-se da oração, mas manifestar-se socialmente e na relação objetiva com as pessoas concretas com quem vivemos. Como belamente relata a segunda leitura de hoje, de nada vale todos os dons, capacidades, presentes, conhecimentos, bens e títulos de um ser humano se este não tiver amor. Amor que não seja abstrato, teórico ou discursivo, mas ativo, operante, que leve vida onde impera a morte.
“Não se alegre com a injustiça, mas se regozije com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará...”
Um amor que passa pela honradez com o real, com a honestidade para com a realidade. Supõe, como bem fala Jon Sobrino, no belíssimo livro Onde está Deus?:
“estamos abertos para que a realidade nos interpele, nos questione e nos leve a uma conversão, que capta a real extensão do pecado e de graça na realidade. O Evangelho caracteriza-se por uma luta permanente contra toda forma de mentira e dissimulação da realidade para que a luz da verdade sobressaia. (...) Trata-se de deixar a realidade falar (escutar, ver, discernir) e dar voz (grifo meu) à realidade (anunciar, pregar, testemunhar).”
É preciso, de fato, olhar a realidade com lucidez e sem fantasias auto impostas ou ideologicamente inculcadas a nós pelos meios de comunicação de massa: jornal, televisão etc. É preciso olhar, olhar com mentes e olhos bem abertos (e nem precisa tanto assim porque a crua realidade está aí a bater em nossos olhos nas calçadas e cracolândias) que vivemos em um mundo em que poucos, de fato, têm direito à vida. O direito à vida, no discurso, é evidente a todos. No discurso apenas. Como diz Jon sobrinho a verdadeira expressão do que é ser humano é decidida a partir das vítimas, pois não tomam a vida como algo pressuposto. Claro, tem de lutar, e lutar muito, para poder, apenas, sobreviver. E chegar aos 40, 50, 60 anos “em cacos”, aos pedaços, e seguir a triste sina de ser jogado para lá e para cá pelo sistema de saúde pública precária e aviltante. Isso os que até lá chegaram, pois tiveram a sorte de não serem assassinados por bandidos ou policiais, de não terem sido sugados pela vida sem sentido ou pelas drogas, de serem deformados pela péssima educação pública.
Sobreviventes, heróis da vida diária. O lugar onde se decide o humano, o lugar das vítimas. Os amigos de Jesus. É lá onde Deus se revela, se encontra, se manifesta. No agir amoroso a estes a glória de Deus se manifesta, se expressa, transforma e transfigura. Não um encontro apenas pessoal e eventual, que mantém a tragédia estrutural do dia a dia. Um encontro com Deus nas vítimas, que transforma a vida e o momento dramático, nossas relações éticas e pessoais e as estruturas de pecado e morte, que mantém este estado de coisas terrífico e cruel.
Como disse em palestra o atual Mestre Geral da Ordem dos
Dominicanos – cujo nome me esqueci - devemos seguir:
1.    Nunca sem os pecadores, pois somos – todos- pecadores, frágeis e insuficientes.
2.    Nunca sem os pagãos, nunca sem o espírito de missão de ser e levar a Boa Nova – de amor, paz, justiça, encontro a todos – religiosos ou não – que tenham se afastado da dura realidade e do Deus encarnado e misericordioso Jesus Cristo.
3.    Nunca sem os excluídos, nunca sem os esquecidos, nunca sem os favoritos de Jesus, nunca sem enfrentar aqueles que mantêm a estrutura de morte.
Que a experiência de Deus nos leve ao encontro amoroso com todos, à percepção da Graça de Deus que nos acolhe e envolve e a entrega de nossas vidas a Ele. Tal é o caminho, acredito firmemente, para a nossa felicidade.
Alegres e felizes a orar e dançar pela vida, no meio de libertos de toda escravidão.
Amém!