APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

sábado, 3 de março de 2012

NÃO ESTENDAS A MÃO CONTRA O MENINO

Gen 22, 1-14    Rom 8, 31-39  Mc 8, 31-38

Os textos de hoje são de uma intensidade e de uma dramaticidade poucas vezes descritas na nossa liturgia.
O texto de Marcos é um trecho central em seu Evangelho e mostra Jesus apontando que seu caminho – e o nosso – passa pela cruz, pelo serviço, pela entrega. No diálogo com Pedro revela seus adversários: os anciãos, os chefes dos sacerdotes e os fariseus, assim como uma inversão de Sua atividade que, de uma obra misericordiosa e milagrosa se transforma em questionamento mais profundo e radical da forma de viver de seus discípulos. Este olhar é claramente delineado na parte final do texto, assim como nos capítulos 9 a 16, que apontam para o serviço e para a cruz. Pedro e os discípulos esperavam um Messias dravídico, poderoso, nacionalista, que militarmente enfrentasse o Império Romano. Jesus se contrapõe a este, mas o enfrenta a partir de outra ótica, de um poder – serviço aos fracos, aos que sofrem.
A condição de seguimento de Jesus e de salvação da vida passa pela cruz, passa por estar disposta a perder sua vida, a negar a si mesmo. Cuidado, porém. Não se trata de aceitar a humilhação, a exploração, o quietismo, a mansidão imobilizadora, mas viver conforme os designíos de Deus.
O texto de Romanos pergunta: quem nos separará do amor de Cristo? E aponta como os cristãos viviam: na tribulação, na angústia, na perseguição, na fome, na nudez, no perigo, na espada. Como ovelhas destinadas ao matadouro. Mas nada, nada mesmo podem nos separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor.
Como podemos, entretanto, saber se estamos unidos ao amor de Deus? Tantos e tantas fala às vezes aos gritos, que são cristãos, mas o mundo não O revela. Que tipo de cristianismo professam?
A quaresma nos pede reflexão e conversão.
Genesis fala, sem chance de equívocos, que nosso Deus não quer sacrifícios, mas vida, não quer morte, mas testemunho amoroso.
Deus pede a Abraão a entrega do que lhe é mais valioso, seu filho querido, mas por fim ordena: não estendas a mão contra o menino! Deus segue pedindo para nós que lhe ofereçamos o que mais importante temos. E tenho certeza que isto não se traduz em termos de doação de seu dinheiro, de sua casa, de sua oferta para enriquecimento de pastores ou igrejas. Deus pede tudo, teu coração, tua mente, tuas mãos, teu olhar, tuas pernas. Onde está tua mente, teu dinheiro, teu corpo está tua vida. Quantos passam os dias escravos do luxo, dos bens, da estética, mergulhados no vazio existencial e fadados à depressão?
Mas, como diz Henry Perroy, o padre deve ser um homem devorado! Uma breve observação deve ser aqui feita. Todos, pelo batismo somos chamados a sermos rei, profeta e sacerdote. Somos todos chamados a sermos sacerdotes onde vivemos, enquanto vivermos, pelos caminhos da vida, em todos os nossos encontros, olhares e toques. O ministro ordenado não é um ser mais puro ou especial, apenas é chamado a exercer uma função ritualística e sacramental específica diferente. Todos, todos mesmo, somos chamados a radicalidade da entrega ao serviço dos outros, inclusive em lugares mais difíceis e questionadores no mesmo sacerdócio cristão. Devemos, volto a dizer, ser a imagem de Deus, revelar a Deus em nosso agir. Na eucaristia nos alimentamos para também sermos eucarísticos, para nos entregar a serviço do Reino. Nossas vidas devem testemunhar o amor serviço, a cruz salvífica, um modo de ser / viver que nos possibilita uma felicidade enraizada mesmo no meio de perseguição, tristezas, doenças, injustiça.
Mais do que isto, que nossa voz seja a voz de Deus.
A todos os ofendidos, agredidos, machucados, marginalizados, por que causa for: que nosso corpo, nossa fala, nossa vida diga e proclame: Não estendas a mão contra o menino!

Desafios a uma teologia que tenha sentido

 O presente texto, de perfil um pouco academico, visa refletir sobre o processo de fazer teologia num mundo real em que o outro seja visto e ouvido, que leve em consideração a vida concreta dos povos à margem da soc iedade e que promova uma experiência legitimamente cristão em seu seio.
 
O pluralismo religioso e a disseminação de instituições e experiências religiosas são resultado das modificações ocorridas na sociedade e na construção da subjetividade humana. O problema ganha uma dramaticidade ainda maior pela globalização econômica – social e o emergir da realidade virtual, com suas inúmeras possibilidades.
Os dias de hoje caracterizam-se pela insegurança generalizada, que é derivada da mudança permanente, quase instantânea, das necessidades e desejos, que acabam por sugar e mergulhar toda a racionalidade numa vida sem uma clara dialogicidade, direção, sentido e valoração, que, de fato, construa uma humanidade significativa. A subjetividade fragmentada, voltada ao prazer imediatista acaba por gerar fadiga e cansaço (mesmo do excesso), tendo por consequência um desenraizamento do ser e uma frustração desencadeadora de patologias e angústias. As relações, cada vez mais midiáticas e virtuais, não mais são humanizantes, sem encontros vitais e reais, dinâmicos, mas de consumo e objetivação do outro, usado não poucas vezes como – e apenas isso – fonte de prazer imediato, em permanente processo de coisificação de sua humanidade.
Em muitos e muitos casos as instituições religiosas em vez de procurar produzir experiências significativas e significantes para o olhar e a vida ambital e dialógica do homem acabam por se preocupar em montar estratégias para um efetivo mergulhar no mercado religioso com respostas simplórias e artificiais que mascaram as questões fundamentais da vida humana, mas tentam atingir as angústias e necessidades elementares e imediatas do seu público, preocupado que está com o crescimento quantitativo dos fiéis (ou seriam clientes?), com sua fidelização ou mesmo com a arrecadação obtida com sua pregação e atividade.
È neste mundo real e concreto, que nos fornece o material – um tanto quanto gelatinoso – que somos chamados a tecer um pensar teológico que articule os conhecimentos acadêmicos, exegéticos e hermenêuticos com a vida objetivada neste publico assim como nos públicos marginais – da sociedade e da igreja.
Duas dificuldades acabam por se apresentar para o cristianismo:
1. Como comunicar o essencial da mensagem salvífica, misericordiosa e acolhedora de Jesus de forma a testemunhar a fraternidade e a comunhão cristã que emerge do olhar compassivo dos que acompanham o seguimento do Mestre.
2. A enorme dificuldade em acolher a diversidade de manifestações culturais, de pensamentos, de opções (inclusive sexuais) e de realidades sociais e desafiantes (a droga dicção, por exemplo), de forma a possibilitar o entendimento dos seus dramas e necessidades e formatar uma ação pastoral efetiva e afetuosa que consiga lhes dar sentido, mas também voz e vez – quem sabe até mesmo nos ambientes institucionais
– adequando à mensagem teológica a esta realidade. O pensar teológico e o próprio agir pastoral deve, pois, permitir que sua carne seja ferida pelos dramas, emergências, dores e sofrimentos humanos, de onde quer que venham.
A sociedade pede e coloca no centro do debate a emergência de novos sujeitos e lugares teológicos assim como a capacidade de dialogar e falar não apenas àqueles lideres que conhecem sua linguagem, mas também aos canais midiáticos e propagandísticos e ao mundo acadêmico, sem se deixar cooptar pelos valores deste mundo fugaz, mas também aos miseráveis, aos silenciados, aos narcodependentes, aos esquecidos. Esperemos que não por nós.
Em que medida somos capazes de produzir encontros e âmbitos de humanização e de experiência do Divino Amor que se encarna em nosso meio?