APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Para além do Espírito do Império Global

Para além do Espírito do Império Global
O presente texto trata-se de uma leitura, pessoal e livre, da palestra proferida pelo Professor Dr. Jung Mo Sung na Paróquia Santos Mártires em 2011, apoiada pela Universidade Metodista de São Paulo.
O homem, antes do surgimento do capitalismo, trabalhava para viver e isto “funcionava” numa sociedade que crescia lentamente (em virtude de doenças, pestes, guerras...).
Com a emergência do Capitalismo, entretanto, as pessoas vivem para trabalhar, para obter e acumular dinheiro e posses. Houve, então, uma profunda mudança do sentido da vida, com o surgimento de uma ética protestante acompanhada pelo aumento da população, dos serviços, da tecnologia e da produção.
O Império Global, resultante do desenvolvimento histórico do capitalismo, tem um espírito, uma forma de ser que oferece uma espiritualidade.
Espírito, podemos dizer é o que faz o ser humano levantar para viver e relacionar-se. As Palavras que identificam o Espírito na Biblia – Pneuma e Ruah – apontam para uma boa direção na busca de seu significado: é vento, sopro. É, pois, algo que não vemos mas sentimos os seus efeitos. É aquilo que move algo ou alguém, por uma força que não é sua. Um breve comentário: Espírito de Deus – Espírito Santo – é o vento que nos move para além de nós, usando a nossa pequenez (e apesar dela), para realizar Suas obras, de serviço, encontro, amor.
O Império exige coesão interna, com pretensões de conquista.
O Império Romano, ainda que estabelecido com divisão de poderes – Império e Senado – tinha claro em si uma cultura e uma religião de suporte e apoio. A emergência da República Romana implicou na organização de uma tensão interna do poder e esta tensão – inerente a todo estado democrático (ainda que imperfeito) é uma virtude social.
O Império Romano “oferecia” aos povos dominados o seu Evangelho – sua Boa Nova – que era a paz romana, mantida pelas armas.
O Capitalismo e, em especial o neoliberalismo globalizado e globalizante também tem sua boa nova que fascina e encanta: o crescimento econômico que promete  ( e não entrega a todos) o acesso aos bens de consumo e a prazeres construídos artificialmente pelo aparato midiático.
Este regime tem sim uma clara característica imperial, ainda que não cresça pela força bruta ( ainda que os EUA e a Europa não se furtem a usar as armas se necessário for), pela convergência de poderes e interesses, pela criação de uma “nova” subjetividade e pela construção de um mercado global que pretenda impor “suavemente” os mesmos desejos.
As pessoas hoje se engalfinham e sacrificam seus sonhos e dons, quando não suas famílias e relacionamentos, para entrar e usufruir deste mundo artificial, o que produz estresse, doenças, frustração. Desumanização!
O Império, todo Império, com qual faceta tenha, necessita de um aparato ideológico e cultural para alimentar seu Espírito. Nada nem ninguém deve ter  a petulância de se opor a seu “poder”.
Ocorre, porém, que o Cristianismo bem vivido exige um rompimento com a sua lógica, com o mercado e com a salvação por ele oferecida, já que dialoga e vive com os impuros, esquecidos, marginalizados, tal como o Cristo fez, assim como suas primeiras comunidades – e assim deve ser até hoje.
Paulo bem nos fala que a salvação vem do Espírito que é a capacidade de romper com esta lógica estabelecida e nutrir-se da radicalidade e da liberdade vivida e confiscada pelo amor.
Este é o Espírito, que desce e faz assumir na liberdade, na entrega livre da radicalidade da morte na cruz. Devemos obediência sim, mas ao projeto de Deus, que se faz serviço e entrega. O Santo Espírito, que é este espírito subversivo que não é algo para minha pessoa, nem de minha pessoa, nem de posse de alguém, mas para nós, a cada um de nós, a partir e na vivência comunitária, de entrega e de encontros mútuos, possíveis na intimidade de pequenos grupos – que devem ser articulados para resistir.
Um cristianismo que prescinde da criação de espaços e encontros pessoais e íntimos – impossíveis de obter em grandes celebrações e igrejas, acaba por adquirir a característica de tornar-se um show midiático de estéril  emotividade, sendo impossível enfrentar o espírito do capital nem sequer compreender ou manifestar o Deus de Jesus Cristo, encarnado e humano, nem ampliar nossa humanidade e sensibilidade.
Esta é nossa tarefa e desafio. Enfrentemos.

Epifania

Epifania, dor e amor
Não é hoje que tecerei algumas ideias que tenho ruminado pelos dias sobre saúde e doença. A sedimentação se faz necessária com o tempo para que o texto se faça tecido protetor... Por ora, tangenciaremos o tema.
Nossa vida é uma verdadeira peregrinação em uma sucessão de caminhos, desafios e esperanças. Nem sempre, porém, seguimos na direção ao Centro, ao sentido e ao coração da existência.
Vivemos num mundo em que é valorizada apenas a racionalidade instrumental onde o que importa á a utilidade das coisas que fazemos e construímos. A dimensão humana é, porém, mais ampla, dinâmica, viva, lúdica. Amor não rima com utilitarismo – nem consumismo – mas com encontro de humanidades, olhares, fragilidades, entregas, quem sabe também com dor – que nos aponta nossa pequenez, efemeridade, fragilidade, abertura. O movimento, se é que dá para se chamar assim, New Age baseia-se numa piedade individualista e consumista (de objetos, magias e moda) e na satisfação imediata, em discursos sofisticados e vazios.
O cristianismo, segundo Frei Timothy Radcliffe OP no livro Por que ser cristão, convida-nos a uma liberdade e a uma felicidade especifica, que é a partilha da vitalidade própria de Deus.
Felicidade que brota da espontaneidade de agir e mover-se a partir de um coração simples e compassivo. Frei Timothy assim fala no referido livro:
“A verdade é simples, mas se essa simplicidade não passou pela complexidade da experiência humana, é uma simplicidade infantil, uma simplicidade estridente e desumana, não a simplicidade que vislumbramos indistintamente em Deus.”
O problema é que a Igreja, enquanto instituição, inclusive seus ministros e mesmo como Povo de Deus, normalmente confundimos (somos Igreja, não se esqueça) a verdade com dogmas e sistematizações sólidas, estanques, moralistas e imóveis, movidas por julgamentos e culpas.
O amor de Deus, a oferta Dele passa por uma pedagogia da liberdade que se dá em encontros de irmãos que, comunitariamente, constroem relações de amizade e intimidade.
Esta liberdade, que não se confunde com a liberdade (ou seria liberalidade) de se fazer ou consumir algo, mas de assumir a simplicidade de um coração amoroso e fiel à alegria de vivê-lo na complexidade do real, nos intercâmbios vitais com o Outro, que se faz presente no outro e nos poéticos e epifânicos encontros da vida. Uma liberdade assim dá espaço e se enriquece no encontro
com a diversidade e a alteridade, com o diferente e com as objeções e dificuldades que emanam do concreto.
A Igreja do Amor, do Cristo, independente da denominação a que pertença, é forjada aí numa dialética que assume e incorpora a realidade com seus dramas, incoerências e fragilidades, encontros de intimidade, afeto, solidariedade. É evidente que este encontro pessoal e institucional significa assumir a defesa da vida, em qualquer lugar onde esteja ameaçada, ofendida. Implica, portanto, uma atuação em prol da justiça social, deixando claro o tomar partido dos mais fracos, desprotegidos, oprimidos, impuros. . .
Movimentamo-nos normalmente por perguntas – anseios e desejos – haveremos de tecer este caminhar com doçura e paciência, prestando atenção às perguntas que fazemos, tema – quem sabe - de novos textos.

MORTE E VIDA

Texto a ser lido no domingo por ocasião de celebração eucarística no domingo dia 29 e função do falecimento de Gabriela, ainda bebê. Os fatos importantes da vida devem ser refletidas para além do lugar comum....

                                                              MORTE E VIDA
QUERIDAS E QUERIDOS,
Há uma semana passamos por uma experiência forte, dura, chocante  da passagem da pequena Gabriela para junto de Deus. Penso que é um evento que nos exige reflexão e meditação, ainda que as palavras não deem conta da realidade e não consigam apagar a tristeza de nossos corações.
Veio a minha mente algo inusitado: precisamos jejuar mais, precisamos orar mais! O jejum nos irmana com os que nada têm, suas dores e fragilidades, faz nosso corpo - por pouco tempo é verdade - sentir nossa pequenez, fraqueza, transitoriedade, o que bem nos auxilia a desenvolver a boa e velha humildade, assim como encarar a nossa impermanência. A oração implica em escutar - escutar eu disse - o que o Deus amor nos pede, convoca e entrega. Nossas palavras, corpos e gestos orantes correspondem a nossas respostas de fé, entrega e encontro.
Lembremos que nosso Deus é todo misericordioso, e não apenas todo poderoso, a Sua misericórdia é o que O define, e se podemos tocar timidamente Sua presença o dizemos como Amor, que é sempre - sempre mesmo - eterno. Lembremo-nos também que o homem não é capaz de amar a humanidade toda, mas a cada homem em sua realidade concreta. Deus assim o faz, ama a cada um em sua particularidade. Nestes encontros reais e concretos com pessoas concretas Deus se revela a ti e também tu podes revelar este amoroso Deus às criaturas.
Dois homens em um porto enxergam um enorme navio a viajar para longe até sumir, fugir, morrer. Um comenta seu fim, sua morte. O outro sorri e, mansamente, lhe revela: Não, são seus olhos que são pequenos, ele permanece o mesmo.
O Evangelho nos chega para abrir nossos olhos e corações para ver além da matéria e o aparente.
Cristo também morreu, assassinado e torturado. Até sentiu-se abandonado pelo Pai. Ressuscitou. Aleluia!
Sabemos, ressuscitaremos. Onde há vida há eternidade. No coração de nossos amigos, irmãos e familiares, em nossas obras e sorrisos salvíficos seremos eternos e vivos para sempre. Tenham a certeza que isso podemos saborear desde já, experimentarmos, mastigarmos...
Estamos na Epifania - tempo de Revelação. Saibamos transformar cada olhar nosso, cada abraço, cada ação litúrgica, moral ou corporal em ação sacramental que O revele com alegria. Possamos cada um de nós levar eternidade por onde passarmos.
Que Deus nos auxilie, em especial à família da pequena Gabriela, de modo que possamos reconhecer a presença do Consolador, conhecido como Espirito Santo. Possamos estar sempre a Seu serviço.
Amém.