APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

O Espirito Santo e a Tradição de Jesus



Título: O Espírito Santo e a Tradição de Jesusítulo:
Assunto: Teologia da Libertação, projeto de Jesus,
Assunto: pneumatologia
Autores: José Comblin
Formato: 17x24
Número de páginas: 480
Editora: Nhanduti Editora 2012
ISBN: 9788560990160
José Comblin
O Espírito Santo e a Tradição de Jesus
Título:Introdução:
Título:Como a sinfonia inacabada de outros gênios, assim ficou a última obra de José Comblin, padre e doutor em teologia. Um dia, perguntado sobre qual de seus livros considerava o melhor respondeu: Este que estou escrevendo! Afirmava-o sem hesitação, talvez pressentisse ser sua última obra. Mas também porque desejava completar o conjunto de suas obras sobre o Espírito Santo. Título:Quis o destino que não terminasse. Deus veio buscá-lo sem avisos prévios nem delongas. Sua jornada estava cumprida. Sua obra restou inconclusa. Ficou como último presente de seu vasto testamento: provocante, polêmica, eivada de profundo amor a Jesus e à Igreja! Desejava vê-la – a sua Igreja – mensageira, coerente, fiel, seguidora da Tradição de Jesus. José Comblin sempre foi um homem de Igreja, por isso provocava-a à fidelidade evangélica. Queria vê-la livre do peso dos séculos que agregaram tanta coisa que ofuscava a imagem verdadeira de Jesus e desviava da revelação do Pai.
Título:O objeto do seu derradeiro escrito não é um tema novo. Pelo contrário, ao longo de seus escritos, assim como em diversas conferências posteriormente transcritas, ele abordava de uma forma ou de outra os temas que agora apresenta de forma mais incisiva, na perspectiva da fidelidade à tradição de Jesus. A novidade está na clareza da distinção que faz entre o Evangelho e a Religião. Entre a tradição de Jesus e a tradição religiosa. O que é transmitido pelo Evangelho e pelos Atos dos Apóstolos, e o que foi construído a partir das interpretações ao longo dos séculos e sistematizado em doutrinas e ensinamentos da Igreja.
Título:Nesta obra, ele quis ir mais longe. Ele explicita de modo incisivo, certamente incômodo e desconfortável para alguns, tudo o que foge à verdadeira tradição de Jesus. – Como vamos transmitir a mensagem de Jesus, se o que é ensinado é uma doutrina elaborada posteriormente, marcada pela cultura e realidade, pelos impasses e desafios das épocas seguintes? Inquiria ele. José Comblin parte da constatação da necessidade de elaborar uma nova Teologia e chega ao essencial que é a transmissão da verdadeira Tradição de Jesus pela ação do Espírito Santo na sua Igreja, conforme à sucessão dos títulos que foi dando às distintas redações.
Título:É preciso voltar a Jesus, ao Evangelho. Deixar de lado tudo o que foi acrescentado. É preciso voltar a ser livre. Livres para seguir Jesus Cristo, e não os seguidores de Jesus e o que a Igreja construiu em torno de Jesus. E será tarefa do Espírito interpretar ou atualizar para cada época e cada situação a mensagem e os atos de Jesus, inspirar o agir, o ensinar e o transmitir para cada tempo.
Título: (…)
Título:As quatro redações da sua OBRA maior diferem em parte, repetem-se em alguns pontos e se completam. Cada uma delas tem sua novidade que não se repete da mesma forma na outra. Daí a dificuldade de optar por uma e outra, até porque todas, em maior ou menor parte, estão incompletas. Gostaríamos que todas fossem publicadas na íntegra e simultaneamente, em um ou mais volumes, a critério da editora. Sabemos que encarece o custo final do livro. Mas é a obra final de sua vida...
Título:Hoje talvez muitos não entenderão, ou irão considerar exagero suas colocações. Ele, porém, descortinava horizontes muito além dos nossos. Ao leitor caberá comparar, pesquisar, fazer a síntese e seguir o diálogo com ele. Quem sabe, mais adiante alguns teólogos/as poderão fazer uma edição crítica desta sua obra, na qual constam as suas intuições acerca do porvir da Igreja e do cristianismo.
Título:A publicação simultânea e conjunta das quatro redações permitiria descobrir a evolução do pensamento deste teólogo de profunda honestidade intelectual e rara criatividade em termos de proposições. Pensamos entre amigos que a publicação deveria começar pela apresentação da 5ª redação, pois é a primeira vez que Comblin faz uma autoapresentação em seus escritos. Ela é bem elucidativa de sua maneira de pensar e escrever, oferecendo uma chave de leitura para as demais redações. Assim a última redação – a mais curta de todas – viria primeiro. No restante, seguiremos a ordem cronológica.
Título:(…)
Título:Eis aí a sua obra qual sinfonia inacabada. Você, José Comblin, a deixou inacabada porque terminou a sua Jornada terrestre. Que nós não a deixemos inacabada por abandono do Caminho! Obrigada, José Comblin, pelo seu legado. Você nos entrega a missão de levar adiante a Tradição de Jesus, como discípulos e missionários. Obrigada pelo seu exemplo de discípulo LIVRE, FIEL e PERSEVERANTE! Obrigada pela sua cumplicidade com o ESPÍRITO na transmissão da TRADIÇAO de JESUS!
Título:
Título:Monica Maria Muggler
Título:
Título:
Título:Tributo ao Pe. JoséTítulo:
Título:
Título:Foi em Barra, uma cidade bela e antiga, debruçada nas barrancas do Rio São Francisco e do Rio Grande, no contexto tranquilo, fraterno e cheio de Deus que Pe. José começou a escrever esta preciosa obra que agora temos a alegria de apresentar. Presumo que tenha assumido em escrevê-la como se fosse seu testamento espiritual, o resumo de todos os seus escritos em vida, sua maneira de pensar, de acreditar, de amar a Deus e a seus semelhantes. Sua forma de ser Igreja e de dizer ao mundo o conteúdo de tudo o que lhe deu razão de viver, ser cristão, sacerdote, teólogo, missionário e profeta do Senhor. Do nascer ao pôr do sol, lá estava em seu computador escrevendo, com uma porção de livros abertos ao seu redor para consultas, indo e voltando nas linhas e parágrafos, costurando idéias, reformulando conceitos, descobrindo novas luzes. Sempre empolgado com Jesus e seu santo modo de agir, sempre irado com tudo o que a história construiu em contradição com a fonte em que sempre bebeu – a do Evangelho. Escreveu várias versões do mesmo texto. Parece que ainda não havia chegado ao que queria de fato. Como o pintor que se esmera na última pincelada, como o músico que busca o acorde final, como o cantor e poeta que procura no recôndito da alma a rima ideal do verso maior de sua vida, Pe. José escrevia a obra-prima de sua existência.
Título:Não conseguiu chegar ao fim. O Paizinho do Céu o chamou antes de colocar o ponto final naquela que seria a escultura de seu pensamento teológico. Mas nós agradecemos da mesma forma a Pe. José. Deixou os alicerces e as paredes construídas. Apenas faltou a cobertura da morada de suas crenças. Teremos o maior respeito pelo que deixou e tentaremos, por tudo o que dele conhecemos, mergulhar em sua utopia.Título:
Título:Dom Frei Luiz Flávio Cappio
Português | Español | English | Polski | Deutsch | Guarani | Links | Search
R$ 86,00

domingo, 14 de outubro de 2012

Redescobrir a alegria de crer, diz Bento XVI na abertura do Ano da Fé


É necessário dar testemunho da fé fundando cada vida pessoal e a própria vida institucional da igreja - em qualquer denominação - no que é essencial e característico da vida cristã - o amor, que implica numa vida simples, numa solidariedade fraterna com os excluídos, numa igreja pobre, dos pobres, amante e amada. É isso! me irrita os que querem transformar o cristianismo numa promessa de bens e conquistas, esquecendo o serviço e a cruz. Nossas igrejas e nossa vida testemunha, objetivamente, que valores? Aliás, não precisamos de ano da fé mas de amarmos de verdade a Deus nos irmãos.

Redescobrir a alegria de crer, diz Bento XVI na abertura do Ano da Fé

Quinta-feira, 11 de outubro de 2012 - 20h35min
Na manhã desta quinta-feira, 11 de outubro, o papa Bento XVI presidiu a missa de abertura do Ano da Fé. Cinquenta anos depois da abertura do Concílio Vaticano II, a praça de São Pedro recebeu milhares de fiéis do mundo todo.

A celebração também recordou que há 50 anos começava o Concílio Vaticano II. "Eu já estava no seminário na época. E hoje eu estava na mesma Praça São Pedro, no Vaticano, com uma multidão, sob um sol de lascar, para a celebrar a data e o início do Ano da Fé", testemunhou padre Maurício Brandolize, brasileiro que atua em Goiás e que participou da cerimônia.

Bento XVI presidu a Missa com um total de 400 concelebrantes: 80 cardeais, 14 padres conciliares, 8 patriarcas de Igrejas orientais, 191 arcebispos e bispos sinodais e 104 Presidentes de Conferências Episcopais de todo o mundo. Estavam também presentes na Praça São Pedro Bartolomeu I, Patriarca Ecumênico de Constantinopla, e o Primaz da Comunhão Anglicana, Rowan Williams.

O Papa iniciou sua homilia explicando que a celebração desta manhã foi enriquecida com alguns sinais específicos: a procissão inicial, recordando a memorável entrada solene dos padres conciliares na Basílica de São Pedro; a entronização do Evangeliário, cópia do utilizado durante o Concílio; e a entrega, no final da celebração, das sete mensagens finais do Concílio e do Catecismo da Igreja Católica.

Bento XVI disse que o Ano da fé tem uma relação coerente com todo o caminho da Igreja ao longo dos últimos 50 anos: desde o Concílio, passando pelo Magistério do Servo de Deus Paulo VI, que proclamou um "Ano da Fé", em 1967, até chegar ao o Grande Jubileu do ano 2000, com o qual o Bem-Aventurado João Paulo II propôs novamente a toda a humanidade Jesus Cristo como único Salvador, ontem, hoje e sempre.

Lembrando aquele dia, Bento XVI evocou o Bem-Aventurado João XXIII no Discurso de Abertura do Concílio Vaticano II, quando apresentou sua finalidade principal: "que o depósito sagrado da doutrina cristã fosse guardado e ensinado de forma mais eficaz". Papa Ratzinger revelou aos presentes o que experimentou: "uma tensão emocionante em relação à tarefa de fazer resplandecer a verdade e a beleza da fé no nosso tempo, sem sacrificá-la frente às exigências do presente, nem mantê-la presa ao passado".

Para o Papa, o mais importante, especialmente numa ocasião tão significativa como a atual, é reavivar na Igreja "aquela mesma tensão positiva, aquele desejo ardente de anunciar novamente Cristo ao homem contemporâneo, sempre apoiado na base concreta e precisa, que são os documentos do Concílio Vaticano II".

"A referência aos documentos protege dos extremos tanto de nostalgias anacrônicas como de avanços excessivos, permitindo captar a novidade na continuidade. O Concílio não excogitou nada de novo em matéria de fé, nem quis substituir aquilo que existia antes. Pelo contrário, preocupou-se em fazer com que a mesma fé continue a ser vivida no presente, continue a ser uma fé viva em um mundo em mudança".

De fato - prosseguiu o Pontífice - "os Padres conciliares quiseram abrir-se com confiança ao diálogo com o mundo moderno justamente porque eles estavam seguros da sua fé, da rocha firme em que se apoiavam. Contudo, nos anos seguintes, muitos acolheram acriticamente a mentalidade dominante, questionando os próprios fundamentos do ‘depositum fidei' a qual infelizmente já não consideravam como própria diante daquilo que tinham por verdade".

Portanto, "se a Igreja hoje propõe um novo Ano da Fé e a nova evangelização, não é para prestar honras, mas porque é necessário, mais ainda do que há 50 anos!" - exclamou. "Nas últimas décadas, observamos o avanço de uma "desertificação" espiritual, mas, no entanto, é precisamente a partir da experiência deste vazio que podemos redescobrir a alegria de crer, a sua importância vital para nós homens e mulheres. E no deserto existe, sobretudo, necessidade de pessoas de fé que, com suas próprias vidas, indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo assim viva a esperança. A fé vivida abre o coração à Graça de Deus, que liberta do pessimismo".

Este, portanto - concluiu Bento XVI - é o modo como podemos representar este ano da Fé: "uma peregrinação nos desertos do mundo contemporâneo, em que se deve levar apenas o que é essencial: nem cajado, nem sacola, nem pão, nem dinheiro, nem duas túnicas - como o Senhor exorta aos Apóstolos ao enviá-los em missão - mas sim o Evangelho e a fé da Igreja, dos quais os documentos do Concílio Vaticano II são uma expressão luminosa, assim como o Catecismo da Igreja Católica, publicado há 20 anos".

Por fim, o Papa recordou que no dia 11 de outubro de 1962, celebrava-se a festa de Santa Maria, Mãe de Deus. "Que a Virgem Maria brilhe sempre qual estrela no caminho da nova evangelização. Que Ela nos ajude a pôr em prática a exortação do Apóstolo Paulo: ‘A palavra de Cristo, em toda a sua riqueza, habite em vós. Ensinai e admoestai-vos uns aos outros, com toda a sabedoria... Tudo o que fizerdes, em palavras ou obras, seja feito em nome do Senhor Jesus. Por meio dele dai graças a Deus Pai'".
 
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Teologia da Libertação luta contra a pobreza e busca a dignidade entre as pessoas


 Teologia da Libertação luta contra a pobreza e busca a dignidade entre as pessoas

Quinta-feira, 11 de outubro de 2012 - 11h28min
por Thamiris Magalhães
"Teologia latino-americana e teologia europeia: interpelações mútuas." Este foi o tema da Conferência conduzida pelo Prof. Dr. André Torres Queiruga, da Universidad de Santiago de Compostela, no anfiteatro Pe. Werner, durante o quarto dia do Congresso Continental de Teologia, realizado na Unisinos para mais de 700 pessoas.
De acordo com o Prof. Dr. André Torres Queiruga, cada vez mais a sociedade se encontra em uma cultura global. "Os meios de comunicação, os livros etc. estão fazendo com que o contexto seja cada vez mais universal. Neste sentido, digo que é preciso construir uma teologia integral", avalia, ao frisar que "temos que perceber que uma teologia será autêntica quando todo o corpo eclesial for autêntico".
Para Queiruga, toda a sociedade tem o direito de fazer teologia. "E só haverá uma teologia cristã quando esta pertencer a toda a comunidade", esclarece. Segundo o professor, devemos pensar em ênfases, em maneiras específicas de tentar viver a teologia que todos queremos fazer. "Neste aspecto, uma teologia, como a europeia ou americana, pode ajudar a outra."
"Jon Sobrino", continua, "dizia que devemos ver a teologia mais pensada com a revolução social, ou seja, pela realização prática de tudo aquilo que é a nossa fé e atitude da igreja. A nossa fé pode caracterizar uma teologia mais empenhada e mais comprometida em aceitar os desafios da modernidade".
Teologia da Libertação
A Teologia da Libertação, segundo Queiruga, preocupou-se com o pobre, "mas não apenas em nível econômico, porém, pela realização da vida humana, principalmente atendendo aqueles que mais padecem, sofrem". Para ele, há dois absolutos: Deus e a fome. É verdade que se há fome, isso para a pessoa se tornará uma necessidade humana. "É como dizer: primeiro viver depois filosofar".
Segundo o conferencista, a Teologia da Libertação travou na história de que não é possível fazer teologia sem enxergar que há pobres e pessoas sofrendo. "Creio que todos nós temos peso na consciência em ver a pobreza. Mas, a maioria de nós não é capaz de grandes heroísmos. A vantagem da Teologia da Libertação foi mostrar isso", diz.
"Se olharmos o que o Concílio Vaticano II tentou fazer, que foi colocar a igreja em dia, veremos que realmente isto aconteceu. E foi a Teologia da Libertação que acolheu a práxis da fé; que viu que uma fé sem obras é morta", pontua. E acrescenta: "A Teologia da Libertação luta contra a pobreza e busca a maior dignidade entre as pessoas. É uma aventura de nível histórico, não se apagará jamais na história. E esse é o seu maior mérito".
Mudança
Para Queiruga, a igreja deve começar de baixo. "Fazer uma leitura popular da Bíblia, que mobilize pessoas", continua. E diz: "Este mesmo fato de começar de baixo, de fazer com que as pessoas participem da vida social, torna a religião mais próxima. Isso podemos perceber na Europa".
Luta pela terra
"A luta pela terra mãe é algo que a Teologia da libertação revitalizou", afirma. "E esta teologia, além disso, comunicou na teologia feminista, asiática, africana. Isso é um viveiro de ideias e de novas orientações. No fundo, obrigou a todos a não esquecer o pobre, especialmente o pobre crucificado. A Teologia da Libertação falou: ‘vocês não podem esquecer os pobres'. E esse é um chamamento universal para toda a igreja", completa o docente, ao analisar que a teologia mais avançada é ainda muito fundamentalista em sua forma de ler a escritura. "A Bíblia, em seu conjunto, é uma interpretação da existência humana e do mundo humano."
Para Queiruga, há uma autonomia da natureza, da sociedade, do sujeito humano. "Tudo isso é muito importante. E se não existisse, seria impossível existir a Teologia da Libertação", conta, ao analisar que não devemos pensar apenas na prática, mas de formar interiormente as pessoas. Para ele, ademais, sacralizar a terra não é o mais correto, pois "só Deus deve ser sacralizado". E completa: "Não se deve colocar no mesmo nível a terra e a pessoa humana".
De acordo ainda com o Prof. Dr. André Torres Queiruga, a humanidade é a única espécie capaz de transcender o seu meio. "Há uma hierarquia clara e evidente. A evolução nos ajuda a pensar isso." E acrescenta: "Não pretendo negar nenhum dos valores. Acredito que as pessoas têm direito, e não a terra, isso sempre pensando na humanidade, no pobre".
Teologia da Secularização
"A Teologia da Secularização também precisa levar em consideração que vivemos em um mundo desencantado, onde não há espíritos voando por aí, tudo o que acontece no mundo tem causas humanas e exclusivamente humanas", afirma Queiruga. Para ele, devemos levar em conta que a secularização e o desencantamento ainda não chegaram a todo o mundo, "mas estão chegando. Os avanços tecnológicos estão mudando toda a mentalidade humana".
Queiruga avalia ainda que a fé e a teologia devem ser pensadas para o futuro. "O que vale para nós, temos que aspirar valer para todas as pessoas, porque vivemos em uma humanidade onde todos somos iguais."
Em relação à cultura secular, o professor pondera que "dar-se conta de que o intervencionismo divino acabou. Ou seja, pensar que peço uma coisa para Deus e Ele atende, acabou ou penso que isso deve acabar. É como ir para a igreja pedir para Deus curar de uma doença". E exemplifica: "Se eu tiver o dedo cortado e for para o sacrário pedir para Deus curar a hemorragia, vou morrer. Deus conta, mas em outro nível. Ele me impulsiona para que eu, com toda a dignidade, faça o possível, no caráter humano, para consertar o que pode ser consertado". Para Queiruga, devemos aprender a orar neste novo contexto - "e acredito que não faz sentido a oração de repetição".

Teologia da Libertação, reflexão crítica da prática social


Teologia da Libertação, reflexão crítica da prática social

Quarta-feira, 10 de outubro de 2012 - 13h58min
por Thamiris Magalhães
No terceiro dia do Congresso Continental de Teologia realizado ontem, 09, foram realizadas diversas atividades simultâneas, entre oficinas e painéis abertos. Um dos painéis foi conduzido pelo Prof. Dr. José María Vigil (foto), da Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo – ASETT/AL, com o tema: “Teologia e Religiões”, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU.

A teologia e o pluralismo religioso foram os assuntos principais discutidos por Vigil. Ele diz que este último “não é um diálogo inter-religioso, pois não deve dialogar com ninguém e sim consigo mesmo”. E continua: “No entanto, precisamos de teologia e do pluralismo religioso. A transformação quem deve realizar somos nós mesmos para sermos cristãos. Temos que fazer uma releitura do Cristianismo”, avalia.

Para ele, a teologia do pluralismo religioso é muito recente. “É uma teologia que quer tomar a pluralidade religiosa como objeto da teologia. Surgiu em 1963, ou seja, ainda não cumpriu 50 anos. Refere as religiões como tema da teologia”, explica.

Teologia da Libertação

A palavra religião tem muitas conotações diferentes, segundo Vigil. “Podemos fazer teologia de qualquer coisa. Teologia da igreja – eclesiologia. Teologia da Libertação – a libertação é objeto de nossa reflexão religiosa. Fala da igreja, dos padres, do Pai, do Filho, do Espírito Santo, mas de tudo isso a partir de uma perspectiva da libertação. Trata-se de uma reflexão crítica da prática social. Buscar refletir teologicamente o pluralismo religioso.”

José María Vigil abordou ainda as quatro etapas do caminho da Teologia da Libertação, são elas:

* A salvação ou não dos não cristãos;

* Que papel está representando o pluralismo religioso no plano de Deus?;

* Se aceito o pluralismo religioso, deve-se afrontar a posição pluralista e todos os desafios;

* Etapa que ainda não se iniciou – Teologia pluralista, refazer a teologia integralmente, voltar a fazer uma eclesiologia, mas a partir do pressuposto de que não é a única salvação, sabendo que o Pai tem duas mãos, o Filho e o Espírito Santo. “Então, Deus tem muitos caminhos, não apenas um. Logo, devem-se fazer novas propostas a partir de pressupostos também novos. Muitas de nossas propostas e teologias acabam sendo refeitas, um pouco de outra forma, mas que acaba sendo da mesma maneira. Deve-se mudar”, frisa.

Pluralismo Religioso

Segundo o professor, o pluralismo religioso está na sociedade, na cultura, daí ser um pluralismo cultural e social. “É um novo paradigma, realmente, pois é estar na sociedade.” E acrescenta: “O mundo faz vermos as coisas diferentes, sem argumentações teológicas. Cito como exemplo quem se casa com uma pessoa de outra religião. Isso, antigamente, não era comum e hoje é”.  E argumenta: “Existe o mito da superioridade, de que somos a religião perfeita”.

Etapas da teologia

Vigil explicou ainda as etapas da teologia. Segundo ele, a primeira posição seria o exclusivismo, até 1965. “Então, passamos para o inclusivismo que, a partir do Vaticano II, surgiu oficialmente, pois ele aceita a modernidade. E a Teologia da Libertação clássica foi inclusivista.” E continua: “Depois, passamos para a forma de que existem outros caminhos de salvação”.

Para que se possa avançar do inclusivismo para o pluralismo, diz, não se deve apenas estudar. “Tem-se que avançar em muitas coisas, como perceber o conceito de revelação. Não se pode ser fundamentalista e nem literalista. Deve-se repensar a revelação, que não deve ser vista de cima para baixo e nem literal, mas sim como processo da busca de Deus”, pondera, ao acrescentar que todas as religiões formam a biodiversidade religiosa, “são obras de Deus”. E todas as religiões, em princípio, “podem ser princípios de salvação”.

Dizia-se antigamente, segundo Vigil, que o ser humano nascia com tábula rasa, hoje diria que nasce com disco rígido. “E é a religião quem dá o direcionamento de que Deus está acima, ao lado está o povo e que há o bem e o mal. Ou seja, até agora foi a religião quem deu o direcionamento da humanidade”, pontua ao contar que vivemos muito mais tempo sem religião que com.

Os paradigmas da humanidade

Existem seis paradigmas na contemporaneidade, segundo Vigil. São eles:

1º - O pré-moderno, que conhecemos no ocidente como a Igreja Barroca;

2º - O Moderno, que é aceito oficialmente a partir do Concílio Vaticano II;

3º - Libertador – descobrir a história, aqui surge a Teologia da Libertação;

4º - Pluralismo – a cultura se torna pluralista;

5º - Ecológico – o ecocentrismo (ecologia) e a questão da superação do antropocentrismo. “Aqui poderíamos citar ainda o feminismo e a superação do patriarcalismo”, explica Vigil;

6º - Pós-religional. “E um sub paradigma, diria, seria o pós-teísmo. Veja bem: não se trata de ateísmo, mas de pensar que Deus não é uma pessoa que está acima. Não é que não se acredite em Deus, mas que se enxergue um “outro” Deus.” Vigil conclui seu painel sugerindo que outro sub paradigma poderia ser o “outro” e os novos paradigmas que surgem na contemporaneidade.

Teologia da Libertação e a preocupação ecológica


Teologia da Libertação e a preocupação ecológica

Quinta-feira, 11 de outubro de 2012 - 11h30min
por Graziela Wolfart
Um apaixonado pela terra. Mais do que isso. Pela Mãe Terra. Alguém que tem a humildade de reconhecer a grandeza e a divindade de Deus manifestada em cada elemento da natureza. E desta forma vive e faz Teologia. Este é Leonardo Boff, renomado teólogo brasileiro, que abrilhantou o palco do Anfiteatro Pe. Werner da Unisinos, na primeira conferência da manhã de ontem, dia 10 de outubro, durante o quarto dia do Congresso Continental de Teologia. 

Ele abriu sua fala esclarecendo que falaria sobre a relação entre Teologia da Libertação e a preocupação ecológica. Afinal, explicou, "não podemos, como teólogos cristãos, esquecer nossa responsabilidade diante das ameaças à Terra".

Em seguida, apresentou alguns traços biográficos seus para que o público entendesse como ele chegou ao tema da ecologia relacionado à Teologia da Libertação, considerando que trabalha nessa relação há 10 anos aproximadamente. "Recebi uma carta do Papa em que me pedia que eu fosse mais sério. Mas eu disse: estudei na Alemanha, sou sério (risos). E também me pediu que abordasse os verdadeiros temas da Teologia. Dei-me conta de que o grande tema para a reflexão seria pensar a terra, os filhos e filhas condenados da terra e ver como podemos garantir o futuro de nossa civilização, porque podemos nos aniquilar totalmente. Uma teologia que não aborde esses temas não é séria", definiu.

Então, Leonardo Boff recordou que a Teologia da Libertação nasceu ouvindo o grito dos pobres, das águas, dos animais e da terra. "É preciso articular esses gritos. O grande pobre é o planeta terra, pacha mama, que está devastado e oprimido, e deve ser inserido na Teologia da Libertação. Como bem diz Sobrino, a terra está crucificada". 

Em seguida, Boff destacou que há outros interlocutores da Teologia que não são apenas os clássicos da Filosofia, Antropologia e Sociologia. Há outros saberes que vêm da ciência da vida, do universo, como a cosmologia, a astrofísica e a física quântica. Durante 13 anos, Boff trabalhou com um cosmólogo canadense, chamado Mark Hathaway, com quem escreveu o livro Tao da Libertação (lançado este ano pela Editora Vozes), para pensar a Teologia da Libertação a partir das relações com a nanotecnologia, com a física quântica, em um caminho difícil, mas que vale a pena, segundo Boff, tentando incorporar valores do Oriente. 

Nesse sentido, o teólogo destaca a importância de se envolver em um projeto de educação popular, encabeçado por Fritjof Capra, de alfabetização ecológica, para "alfabetizar" os mais analfabetos que existem hoje em nossa sociedade, que são os empresários. 

Leonardo explica como foi o processo de elaboração da Carta da Terra e que a primeira frase deste documento, que ele considera o mais importante em relação a princípios do século XX, era a seguinte: "estamos em um momento da história em que a humanidade tem que fazer uma escolha: ou fazer uma aliança global para cuidar da terra e uns dos outros, ou então aceitar o desaparecimento da espécie humana e a devastação da biodiversidade". Tal frase foi considerada de alto impacto e acabou sendo enviada a três importantes institutos mundiais, que confirmaram que ela deveria ser dita. "A terra está cansada; já não aguenta mais", reitera. 

Foi aí que Boff defendeu que o capital já cumpriu sua missão histórica e não tem mais condições de sobreviver. "Então, passou a usar da violência para se impor, pois não tem mais argumentos para convencer as pessoas da sua necessidade". 

Na visão do teólogo, "se respeitarmos a dinâmica da natureza e conhecermos as leis dos ecossistemas, poderemos continuar usando as suas ‘bondades', tranquilos, com direção ao futuro". 

"Estamos dentro de um grande processo de evolução e a vida é um momento no processo da evolução", afirmou Boff, citando Prigogine. Segundo o teólogo, a evolução é uma tentativa de por ordem no caos onde vivemos. 

Leonardo defende a crença em uma teologia da criação. "Deus está continuamente criando, sempre presente em sua criação. Deus está em tudo e tudo está em Deus - é o que chamamos de panenteísmo, o que é diferente do panteísmo. É preciso repensar a criação como algo dinâmico, além de repensar a cristologia da ressurreição. O Cristo cósmico está presente em todas as realidades. E o Espírito Santo, por meio de sua ação missionária no mundo, também está dentro da criação", explica.

Depois de traçar um panorama sobre o caos de devastação que vive o planeta hoje, tendo o ser humano como seu principal "meteoro", Leonardo Boff apresenta duas atitudes diante desta situação: "podemos considerar uma grande tragédia previsível, ou podemos identificar que estamos diante de uma grande crise de civilização e temos que mudar. Ou mudamos ou morremos. Então, temos que mudar, pois não queremos morrer. Estamos dentro de uma grande crise, chegamos ao coração dela. Podemos aprender pela dor ou pelo amor. E precisamos aprender pelos dois caminhos". 

Em seguida, argumentou que é preciso resgatar a razão cordial, a inteligência emocional e a razão sensível. "Somos vitimas da razão instrumental analítica, que criou a modernidade. É preciso reconhecer que junto com toda a evolução criamos uma máquina de morte que pode nos destruir". 

E encerrou sua fala desta forma: "não quero que saiam tranquilos daqui; quero produzir angústia, pois ela nos faz trabalhar e nos põe em marcha. Nós somos terra, filhos da terra. Se não resgatarmos essa razão sensível para complementar a outra, não vamos nos mobilizar. O maior crime da humanidade hoje é a falta de sensibilidade. Não sentimos mais, não nos indignamos. O origem das religiões é o sentimento do mundo e não a razão do mundo. Para isso existe a ciência. Abraçando o mundo, estamos abraçando a Deus". 

Debate
Uma das primeiras questões respondidas por Leonardo Boff foi sobre os povos indígenas e a visão do "bem viver", a partir da busca de equilibro entre todos os seres humanos. "Eis uma utopia necessária. Temos que nos unir e formar uma governança global. Seremos todos socialistas, não por ideologia, mas por estatística, afinal estamos em um voo cego". E recordou que um dos momentos mais importantes de sua vida foi quando, na ONU, junto com Evo Morales, votou para que o Dia da Terra (22 de abril) passasse a se chamar Dia da Madre Terra.  

Em seguida, abordou com o plenário o tema dos jovens que, para ele, são as maiores vitimas do sistema hoje. "Estão roubando deles a capacidade de fantasia, de sonhos, de utopias, oferecendo tudo pronto pela internet, pelos jogos, pelos filmes e todo o maquinário capitalista que nos transforma em meros repetidores, consumidores alienados, despolitizados. O desafio é levá-los a reencantar o mundo. Não creio em uma evangelização que tenha como meio principal a palavra, mas que tenha a arte, a música, a dança, que é o discurso dos jovens", responde Boff.

A besta neoliberal e a Leitura Popular da Bíblia - Mesters e Orofino


CEBI

A besta neoliberal e a Leitura Popular da Bíblia - Mesters e Orofino

Quinta-feira, 11 de outubro de 2012 - 13h52min
Dar um testemunho da caminhada do trabalho bíblico e das leituras populares da Bíblia que realizaram ao longo de 35 anos junto ao Centro de Estudos Bíblicos - CEBI. Com esse objetivo Francisco Orofino e Carlos Mesters entabularam um debate marcado pela riqueza de abordagens e por um humor delicado e calcado em experiências de sua vivência religiosa. A conversa aconteceu na tarde desta terça-feira, 09-10-2012, dentro da programação do Congresso Continental de Teologia, acolhido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU.  
(Conheça os livros sobre o Apocalipse de Mesters e Orofino clicando aqui)

A leitura popular da Bíblia é o uso dessa obra na animação dos movimentos populares, definiu Orofino. "Sem os movimentos populares não haveria leitura popular da Bíblia", observou. Seu método primordial é a animação dos movimentos populares em suas diversas frentes de luta. Por isso, algo importante é colocar a Bíblia na mão do povo, algo que nunca houve na história da Igreja. A primeira grande meta das pastorais bíblicas antes do Concílio Vaticano II foi entregar a Bíblia às pessoas do povo.

"Se há uma coisa que Jesus nunca teve na vida dele foi uma Bíblia", gracejou Orofino. Jesus nunca pôde ter uma Bíblia. Ter um livro era algo extremamente caro àquela época, e quando houve a chance das pessoas terem a Bíblia consigo, veio o Concílio de Trento, e com ele o medo de que a Palavra "caísse" na mão do povo. Com a vinda da imprensa essa realidade mudou.

Orofino recordou que, há tempos atrás, todos na Igreja Católica faziam catequese através de perguntas e respostas. Bastava decorar o catecismo para ganhar um santinho e fazer a primeira comunhão. Uma segunda característica era a divulgação da História Sagrada do Antigo e do Novo Testamento, de Bruno Heuser. Todos eram exortados a ler tal obra, relembra Orofino. Esse livro colocou na cabeça do povo uma coisa terrível: tudo que está na Bíblia é verdadeiro e histórico. Assim, as coisas ali escritas são verdadeiras porque são históricas.

No Brasil a partir dos anos 1950, chegou-se a conclusão de que era preciso colocar a Bíblia na mão do povo. Um desses visionários que apercebeu-se disso era João José Pedreira de Castro. Ele "pirateou" um texto em francês de um mosteiro beneditino da Bélgica e enviou essa tradução para a editora Vozes, que não aceitou publicá-la. Então, decidiu tentar a publicação com a editora dos claretianos. Surgia, assim, a Bíblia da Ave Maria. Ali há erros de tradução que são de ordem teológica, disse Orofino. Mesmo assim, até hoje, por ano, essa obra tem uma edição de 650 mil exemplares.

Fala aos sem voz

O que é a primeira coisa que o povo procura na Bíblia?, questionou Orofino. O preço, respondeu ele próprio. Então, uma Bíblia popular tem que ter preço acessível. Em segundo lugar, vem o tamanho da letra. Se for pequena demais, ninguém compra. A terceira coisa que as pessoas prestam atenção na Bíblia é o livro de Apocalipse. Então, alguns leitores se assustam e até desistem de ler. Então, era preciso desenvolver uma metodologia de leitura da Bíblia numa perspectiva pastoral.

A leitura popular da Bíblia também ajudou a contornar algo difícil na Igreja Católica, que era dar possibilidade de fala àquelas pessoas a quem a palavra sempre foi negada. Levar as pessoas a falar é muito difícil, e mais ainda a dar opinião e enfrentar um esquema por ausência de informação e formação. Por isso, acentua Orofino, é perceptível através deste Congresso que houve avanços no protagonismo dos leigos. Trata-se de perceber que o leigo vai, gradativamente, conquistando sua fala, se construindo e capacitando. Esse leigo instruído e capacitado, com a fonte da revelação na mão, pode chegar mesmo a dizer que o padre está, por vezes, errado.

Uma metodologia a ser revista

Francisco Orofino prosseguiu sua apresentação trazendo um elenco de questões que permitiram que a leitura popular da Bíblia abrisse o leque hermenêutico a partir dos trabalhos realizados pelo Centro de Estudos Bíblicos - CEBI.

1.  A teologia da terra e o trabalho da CPT: Trata-se de um dos trabalhos mais visíveis no Brasil, basta ver a mobilização em torno do Novo Código Florestal, para citar apenas um dos temas mais recentes com o qual se envolveu.

2.  Grupos de fé e política: A questão do estado e articulação de vários movimentos desde a queda do regime militar, as lutas pelos projetos da Constituição e a mobilização pelo impeachment de Collor são alguns dos acontecimentos nos quais esses grupos tiveram protagonismo. Houve momentos de vitórias, como a lei da ficha limpa, mas houve derrotas como o plebiscito do desarmamento.

3.  Consciência indígena: Estabeleceram-se debates fundamentais e formadores sobretudo a partir da celebração dos 500 anos da chegada dos brancos e em episódios como Raposa Serra do Sol e a recuperação das terras dos pataxós.

4.  Luta dos afrodescentens e teologia afro, luta das mulheres dos meios populares (Lei Maria da Penha)

5.  Mobilização dos homossexuais: As grandes marchas de orgulho gay mobilizam parcela significativa de nossa sociedade, mesmo em locais onde essa atitude é um risco de vida.

6.  Frentes ecológicas

7. Forum Social Mundial

8.  Capacidade de articulação das ONGs

9. Avanços da ciência, principalmente a questão da informática e biotecnologia, além da física quântica.

Apesar de tudo isso que vivenciamos ao longo de 35 anos de lutas, percebemos que, para uma grande maioria de grupos da base, a pauta dos anos 70 e 80 continua de pé ainda anseia por trabalho, saúde, transporte, educação, moradia e alimentação. A pauta de reivindicações teve seu leque ampliado, mas as questões fundamentais permanecem as mesmas, frisou Orofino. É preciso, por isso, rever a metodologia de discussão.

A besta neoliberal

Referindo-se ao último livro da Bíblia, o Apocalipse, Orofino mencionou a vinda da primeira besta, oriunda do mar, este sinônimo de abismo no livro sagrado. A primeira besta que emerge das águas é o estado de segurança nacional, que por vezes dá suas caras até hoje em situações de opressão política nos países do Terceiro Mundo.

A segunda besta não vem do mar, mas da terra, está dentro da comunidade, disfarçada de cordeiro. Mas quando ela fala, a voz é do dragão. "Essa besta é poderosa porque desagrega e enfeitiça, uma vez que é capaz de criar maravilhas. Com ela se pode comprar e vender. Essa besta marca a todos: escravos, livres, ricos, pobres, pequenos, grandes. Todos querem a marca da besta para poder comprar e vender. Talvez seja o tema mais discutido desse Congresso Continental de Teologia: trata-se do liberalismo". Sua meta, continua Orofino, é produzir o consumidor, torná-lo individualizado por uma lógica perversa que incute o "ter" como central. Por isso, a morte está presente dentro de muitas casas e famílias. "A leitura popular da Bíblia conseguiu lutar contra a primeira besta, mas ante a segunda ainda não estamos seguros".

Sob uma nova luz

Carlos Mesters assumiu sua parte do debate recuperando a importância do documento Dei Verbum, conectando-o a uma leitura popular da Bíblia. Quando estava sendo preparado o Concílio Vaticano II, Cardeal Otaviani organizou um documento sobre a revelação divina, no sentido do que Deus falou no passado. Tal documento foi iniciado no Concílio, já na primeira sessão, e foi um dos últimos a ser concluído. Isso provocou uma tempestade na Igreja.

As pessoas não leem a Bíblia para saber do passado, mas para entender como Deus apela para sua vida. Por isso a leitura orante é fundamental. "Deus está em tudo, assim como seu espírito. E a Bíblia nos ajuda a descobrir isso", complementou Mesters.

Outro tópico que provocou reação na plateia foi a afirmação de que a Bíblia não é um catálogo de verdades. Trata-se da revelação da graça e misericórdia de Deus. "Tudo que a Bíblia fala se materializa pelo rosto das pessoas. Nasce, assim, uma nova experiência de Deus na vida cotidiana. Nasce uma experiência que não se expressa em palavras". E Mesters completa: "É esse critério que irá determinar a leitura popular e que menos aparece em suas explicitações e interpretações. Isso porque os olhos podem ver tudo, menos o próprio olho. Por isso, deve-se ler a Bíblia com uma nova luz".

Palavras ambulantes de Deus

Alguns pontos do documento Dei Verbum que aparecem com força na leitura popular foram assinalados por Carlos Mesters:

1. A Bíblia é palavra de Deus. Na Bíblia a pessoa encontra a sua memória, palavras que são sua constituição. Revelar é tirar o véu. O Apocalipse significa revelação. Deus está nos fatos, e nós não enxergamos. O missionário não leva a doutrina, ele tira os véus da realidade. A vida ajuda a ler a Bíblia, e a Bíblia ajuda a entender a vida. Somos palavras ambulantes de Deus, e tudo é expressão da palavra de Deus, e descobrir isso é a revelação. Deus escreveu dois livros: a vida e a Bíblia. Essa é uma visão muito antiga que está reaparecendo nas Comunidades Eclesiais de Base - CEBs.

2. A Bíblia é a palavra de Deus em linguagem humana. Isso foi dito desde Pio XII e repetido no Dei Verbum. Isolar o texto de seu contexto faz a Bíblia virar um "tijolo", podendo até matar se atingir alguém na cabeça. As palavras não devem ser tomadas ao pé da letra, porque senão vira fundamentalismo. "E até porque letra não tem pé", ironizou.

3. A Bíblia não é um catálogo de verdades. Deus se comunica a si mesmo. Esse é um dos pontos mais importantes, e a visão que o povo vai tendo sobre Deus, trocando ideias de si em círculos bíblicos. Precisamos perceber que Deus está conosco.

4. Jesus liga o Antigo e o Novo Testamento.

5. A Bíblia é livro da igreja, e através dela nos filiamos a uma grande tradição.  A igreja nasce do chão, do povo, e não de cima. A leitura fundamentalista agrada a interesses opressores bastante particulares. A Bíblia deve ser ligada à vida, no contexto concreto do povo.

Mesters finalizou sua exposição apresentando aspectos da leitura orante e suas interpretações: "a palavra deve poder circular", mencionou. Nas pequenas comunidades esse trabalho refaz o relacionamento humano na base. Se tentarmos esconder as divisões, aí esquecemos de consertar os relacionamentos em sua forma mais primordial. "Isso equivale a colocar peruca num careca: não faz cabelo nascer".

Quem é Francisco Orofino?

Francisco Orofino é biblista e educador popular. Assessora grupos populares e comunidades de base nos municípios da Baixada Fluminense. É autor de vários livros e leciona em Institutos de Teologia voltados para a formação de leigos. Fez doutorado em Teologia Bíblica na PUC-Rio (2000). É professor de Teologia Bíblica no Instituto Paulo VI, na diocese de Nova Iguaçu, RJ.

Quem é Carlos Mesters?

Carlos Mesters é frade Carmelita, doutor em Teologia Bíblica. É natural da Holanda e ligado à caminhada das Comunidades Eclesiais de Base, ajudou a criar o CEBI (Centro de Estudos Bíblicos). Escreveu, entre outros, Esperança de um povo que luta (São Paulo: Paulus, 1983), Círculos bíblicos (São Paulo: Paulus, 2001), Paulo apóstolo: um trabalhador que anuncia o evangelho (São Paulo: Paulus, 2002), Bíblia: livro feito em mutirão (São Paulo: Paulus, 2002), e Por trás das palavras (Petrópolis: Vozes, 2003). Mesters assessorou de um dos bispos brasileiros na XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que ocorreu de 5 a 26 de outubro de 2008, no Vaticano.
Ampliar imagem
Már