APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Leonardo Boff: Em memória dos mortos de Santa Maria


Leonardo Boff: Em memória dos mortos de Santa Maria

Segunda-feira, 28 de janeiro de 2013 - 12h58min
por http://leonardoboff.wordpress.com
Os antigos já diziam: "vivere navigare est" quer dizer, "viver é fazer uma viagem", curta para alguns, longa para outros. Toda viagem comporta riscos, temores e esperanças. Mas o barco é sempre atraído por um porto que o espera lá no outro lado.
Parte o barco mar adentro. Os familiares e amigos da praia acenam e o acompanham. E ele vai lentamente se distanciando. No começo é bem visível. Mas na medida em que segue seu rumo parece aos olhos cada vez menor. No fim é apenas um ponto. Um pouco mais e mais um pouco desaparece no horizonte. Todos dizem: Pronto! Partiu!
Não foi tragado pelo mar. Ele está lá, embora não seja mais visível. E segue seu rumo.
O barco não foi feito para ficar ancorado e seguro na praia. Mas para navegar, enfrentar ondas, vencê-las e chegar ao destino.
Os que ficaram na praia não rezam: Senhor, livra-os das ondas perigosas, mas dê-lhe, Senhor, coragem para enfrenta-las e ser mais forte que elas.
O importante é saber que do outro lado há um porto seguro. Ele está sendo esperado. O barco está se aproximando. No começo é apenas um ponto levemente acima do mar. Na medida em que se aproxima é visto cada vez maior. E quando chega, é admirado em toda a sua dimensão.
Os do porto dizem: Pronto! Chegou! E vão ao encontro do passageiro, o abraçam e o beijam. E se alegram porque fez uma travessia feliz. Não perguntam pelos temores que teve nem pelos riscos que quase o afogaram. O importante é que chegou apesar de todas as aflições. Chegou ao porto feliz.
Assim é com todos os que morrem. O decisivo não é sob que condições partiram e saíram deste mar da vida, mas como chegaram e o fato de que finalmente chegaram. E quando chegam, caem, bem-aventurados, nos braços de Deus-Pai-e-Mãe de infinita bondade para o abraço infinito da paz. Ele os esperava com sacudades, pois são seus filhos e filhas queridos navegando fora de casa.
Tudo passou. Já não precisam mais navegar, enfrentar ondas e vencê-las. Alegram-se por estarem em casa, no Reino da vida sem fim. E assim viverão para sempre pelos séculos dos séculos.
(Em memória dolorida e esperançosa dos jovens mortos em Santa Maria na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013).

Programa ajuda teólogas africanas a refletir sobre suas lutas e esperanças


Programa ajuda teólogas africanas a refletir sobre suas lutas e esperanças

Quinta-feira, 31 de janeiro de 2013 - 15h56min
por A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter. A tradução é deMoisés Sbardelotto.
As duas irmãs nunca se conheceram. Elas falam línguas diferentes. Normalmente, elas estão separadas pelas diferenças de cultura e de estilo de vida, sem falar dos cerca de 1.800 quilômetros e das miríades de leis e regulamentos referentes a viagens e cruzamento de fronteiras. Mas desde o primeiro olhar no rosto da Ir. Annah Nyadombo, do Zimbábue, você não saberia disso. Ela sorri amplamente na hora em que vê a Ir. Marie-Rose Ndimbo, natural daRepública Democrática do Congo.

Encontrando-se pela primeira vez no fim de agosto passado, as irmãs viajaram para capital do Quênia para um encontro de teólogos africanos focado em questões éticas, convocado sob a égide de uma rede global de estudiosos católicos chamado Catholic Theological Ethics in the World Church [Ética Teológica Católica na Igreja Mundial].

É um grupo ao qual, graças a uma série de bolsas de estudos pioneiras, essas mulheres podem participar.

Nos últimos anos, o grupo obteve financiamentos para que sete mulheres africanas pudessem realizar seus doutorados em universidades católicas africanas. Ele também arranjou financiamento para que uma oitava,Nyadombo, realizasse o seu doutorado no Trinity College Dublin, na Irlanda.

Descrevendo o programa de bolsa de estudos durante o evento dos dias 21 a 23 de agosto, o padre jesuíta James Keenan, presidente da rede de ética e professor de teologia do Boston College, disse: "Se este programa tiver sucesso, estaremos olhando para o futuro da pesquisa, do estudo e da escrita teológica do continente da África".

Do lado de fora de um centro de retiros e pousada no oeste de Nairóbi, onde os participantes da conferência estavam hospedados, Nyadombo estava saltitante de alegria já que a sua companheira de estudos, Ndimbo, havia chegado para o evento. Com apenas uma palavra, as duas se abraçaram em um longo abraço. Com a ajuda de um tradutor – o padre jesuíta Peter Knox, teólogo sul-africano –, Ndimbo, francófona, e Nyadombo, anglófona, começaram a comparar as notas das suas vidas. 

As semelhanças não faltam: ambas são membros de ordens religiosas femininas locais, ambas são provenientes de áreas atingidas pela pobreza e se dedicaram a se concentrar sobre questões de justiça. Ambas também têm opiniões claras sobre os desafios que as mulheres enfrentam em toda a África. Um tema comum compartilhado entreNyadomboNdimbo e várias outras no programa: usar o seu status de teólogas morais para abordar o lugar da mulher na sociedade e na Igreja africanas.

Outra semelhança: a profunda experiência pessoal de alguns dos sofrimentos sociais e econômicos mais debilitantes do mundo e as jornadas pessoais de esperança e triunfo inesperados.

Em todo o continente

As mulheres do programa de eticistas teológicos vêm de países de todo o continente: QuêniaUganda Tanzânia, no leste; Nigéria Camarões, no oeste; Zimbábue, no sul; e República Democrática do Congo, na África central.

Sete das oito são membros de ordens religiosas femininas diocesanas. As ordens diocesanas não são internacionais e estão sob a autoridade canônica de um bispo diocesano em particular, que tecnicamente atua como o seu superior-geral.

As jornadas de fé dessas mulheres são complexas e variadas, embebidas em lutas pessoais e sociais.

Ir. Verônica Rop, natural do Quênia, é membro da comunidade tribal Kalenjin, do Quênia, uma das dezenas de grandes comunidades tribais que compõem o pano de fundo étnico do país.

Convertida ao catolicismo, ela foi a primeiro cristã da sua família. Segunda dos oito filhos de sua mãe – o pai teve quatro esposas –, Rop cresceu sem eletricidade e caminhava cinco quilômetros de ida e volta à escola.

Rop é de Eldoret, uma cidade de rápido crescimento do oeste do Quênia, perto da fronteira com a Uganda. Sendo a primeira pessoa da família a terminar o Ensino Médio, ela logo se juntou a uma comunidade local de religiosas, asIrmãs da Assunção de Eldoret.

Ir. Wilhelmina Uhai, que é da Tanzânia, vizinha ao sul do Quênia, teve uma formação quase oposta. Seus pais são católicos, e ela recordou como eles nunca deixavam que ela ou seus irmãos começassem a comer sem primeiro rezar.

"Nós não comíamos, não dormíamos, não fazíamos nada antes das orações", disse Uhai, agora membro dasIrmãzinhas de São Francisco de Assis, com sede na Uganda. "Eles me ensinaram a moral. Senão, eu realmente não me sentiria disposta a amar as questões morais e a me tornar uma teóloga moral – e uma teóloga, em primeiro lugar".

Com a ajuda do grupo de eticistas teológicos, Rop Uhai estão fazendo o seu trabalho de doutorado na Universidade Católica da África Oriental, uma universidade pontifícia ao sul de Nairóbi.

Antes de começar os seus estudos de doutoramento, Rop estudou por oito anos nos Estados Unidos, completando o grau de bacharel em teologia e em educação especial na Barry University, de Miami.

Uhai, que terminou seu mestrado em teologia moral na Universidade Católica de Nairóbi em outubro, antes de iniciar seu trabalho de doutorado lá, primeiro concluiu programas separados em filosofia, ministério pastoral e direção espiritual. Embora tais longos estudos acadêmicos possam separar algumas pessoas da experiência de vida normal, tanto Uhai quanto Rop disseram que são as luta cotidianas dos africanos, especialmente das mulheres, que moldam o seu trabalho.

Após quase uma década no exterior, Rop disse que finalmente decidiu voltar para o Quênia, porque ela queria ver que nova perspectiva o seu tempo fora poderia ter lhe dado.

"Eu senti que os estudos que eu fiz nos Estados Unidos me deram uma plataforma para falar para as mulheres", disseRop durante uma entrevista, enquanto se sentava em sua cadeira e ajeitava um casaco marrom que usava sobre o seu longo hábito branco.

"Eu sinto que as mulheres aqui simplesmente não têm voz", afirmou. "Eu pensei que eu tinha que voltar a usar essa plataforma. Especialmente como religiosa, a minha voz pode carregar um pouco mais de peso".

"Por que não me pronunciar?"

Diversas mulheres do programa de eticistas teológicos expressou essa responsabilidade de se pronunciar pelas mulheres em todo o continente africano.

Cada uma mencionou esse sentimento de obrigação depois de compartilhar histórias profundamente comoventes de esforço social e econômico.

A poucos minutos do início do seu primeiro encontro, Ndimbo Nyadombo aventuraram-se do quebra-gelo tradicional a uma conversa sobre o seu trabalho – em ambos os casos, focada diretamente na ajuda aos mais necessitados.

Nyadombo, que é membro das Servas de Nossa Senhora do Monte Carmelo, em MutareZimbábue, ordem religiosa diocesana de carisma carmelita, explicou que está trabalhando em um projeto de pesquisa focado no desenvolvimento de uma abordagem pastoral holística para com aqueles que sofrem de HIV/Aids. Nyadombo representa a sua abordagem com a sigla AGAPE para Acesso, Generosidade, Ação, Pessoas/Prece e Envolvimento.

"É o mesmo problema em todos os lugares", disse Ndimbo, que antes de iniciar seus estudos de doutoramento serviu como superiora da congregação das Irmãs Filhas de Maria, ordem com sede na cidade congolesa de Molegbe. Há orfanatos em todo o Congo lotados com "centenas e centenas" de órfãos do HIV/Aids, disse, e todos precisando de cuidados. Sua própria congregação abriu várias casas de acolhida para jovens mães que não podem cuidar de seus filhos.

Em sua entrevista, Uhai também focou na sua experiência de vida face a face com a pobreza e os conflitos sociais. Mas ela também se concentrou sobre questões mais amplas de desigualdade de gênero.

Após a conclusão dos seus estudos iniciais em teologia e filosofia, disse Uhai, grupos de mulheres do seu vilarejo natal pediram-lhe para dar seminários sobre como abordar alguns dos temas mais difíceis.

A maioria das mulheres que se aproximam dela são mães solteiras ou refugiadas, contou, que vivem com seus filhos na rua e se tornaram viciadas em drogas.

"Elas não têm ninguém para ajudá-las", disse Uhai. "Ninguém que fale com elas sobre como viver".

O seu status, disse, também é prejudicado em algumas culturas africanas devido à relação das mulheres e dos homens.

"Em algumas culturas, as mulheres são considerados serviçais", disse. "Você não tem palavra, você não tem direitos. Você faz tudo pelo seu marido, mas você não pode desafiar o seu marido, porque você é casada. Então, quem você é na sociedade? Você não tem voz".

Falar para e com essas mulheres, afirmou, é fundamental para a forma como ela entende o seu papel como teóloga moral.

"Deus nos chama como teólogas morais para entrar nessas situações e para ajudá-las a sair delas", disse Uhai. "Talvez, não tenhamos coisas materiais para lhes dar, mas por meio do nosso conselho ou falando sobre os problemas maiores da nossa sociedade podemos fazer alguma diferença".

Rop ecoou esse sentimento, misturando o local e o global.

Embora a sua tese de doutoramento na Universidade Católica de Nairóbi se centralize na participação das mulheresKalenjin nos esforços de desenvolvimento humano em EldoretRop identifica entre os seus modelos de vida mulheres norte-americanas como a Ir. Elizabeth Johnson, das Irmãs de São José e teóloga da Universidade de Fordham, emNova York, conhecida pelo seu trabalho sobre as questões feministas.

Indicando um ditado africano que diz que as mulheres são a espinha dorsal da família, Rop perguntou: "Se levarmos isso a sério, e as mulheres são tão importantes, por que não nos pronunciar?".

Ela disse: "Precisamos falar e falar, falar e falar, até que sejamos ouvidas, até que nos seja dada a oportunidade de participar no que está acontecendo".

Voltando ao lado de fora da casa de retiros, onde os sorrisos irradiam no primeiro encontro das irmãs do programa de bolsas de estudos, Ndimbo encontra uma nota semelhante.

Segurando Nyadombo pelo braço, Ndimbo conta à sua nova irmã que ela se sente fortalecida pelo seu encontro.

"É muito importante que as mulheres estejam agora falando sobre essas questões", diz ela a Nyadombo. "E não é apenas pela nossa geração. Há muitas mulheres que virão depois de nós por causa dessas bolsas de estudo".

Caminhando de mãos dadas, as duas buscam mais tempo para se conectar e compartilhar as suas muitas semelhanças – sem a ajuda do tradutor.

"Não precisamos dele", brinca Nyadombo, rindo. "Vamos falar de coração para coração".
* * *
Desde que essa história foi publicada, a Ir. Annah Nyadombo, das Servas de Nossa Senhora do Monte Carmelo, defendeu com sucesso a sua tese de doutorado em teologia pelo Trinity College Dublin. Sua tese foi: "Uma abordagem pastoral holística ao HIV/Aids: A redução da estigmatização no Zimbábue". Ela deverá se formar em junho.

Casaldáliga recebe homenagem de São Paulo


Casaldáliga recebe homenagem de São Paulo

Segunda-feira, 28 de janeiro de 2013 - 14h50min
por A informação é publicada pelo Boletim da CNBB.
Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, será homenageado no próximo dia 7 de fevereiro no Salão Nobre da Câmara Municipal de São Paulo. Desde novembro de 2012, Dom Pedro, vem recebendo ameaças de morte devido à sua luta pela devolução das terras batizadas como Marãiwatsédé aos índios da etnia Xavante.  
No início de dezembro, após a Justiça derrubar dois recursos que tentavam adiar a retirada dos não índios da região, agora chamada Gleba Suiá Missú, ele teve de se transferir, contra sua própria vontade, para uma localidade não revelada
Na ocasião 15 organizações da sociedade civil e da Igreja Católica, incluindo o Conselho Indigenista Missionário e aComissão Pastoral da Terra, divulgaram nota de apoio ao religioso.

Dom Pedro retornou em 29 de dezembro a São Félix, onde se encontra sob proteção policial. Desde que o Incra iniciou o processo de desintrusão da região, diversas lideranças indígenas e agentes da pastoral também estão sendo ameaçados.

Como informa o site da revista ‘Missões’, editada pelos Missionários da Consolata, a homenagem ao bispo, que completa 85 anos no próximo dia 16 de fevereiro, é promovida pelo Comitê de Solidariedade a Dom Pedro Casaldáliga e ao Povo Xavante.

Catalão, o missionário da ordem dos Claretianos chegou à Amazônia brasileira em 1968.

Uma pastoral forte para os homossexuais, defende padre e educador francês


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Uma pastoral forte para os homossexuais, defende padre e educador francês

Uma pastoral forte com relação aos homossexuais deve ser elaborada para permitir que essas pessoas sejam ouvidas e apoiadas.
A opinião é de Guy Gilbert, padre e educador francês, jornalista e autor prolífico. Nascido em Rochefort, em 1935, estudou no seminário da Argélia, onde permaneceu até 1970. De volta à França, especializou-se em Paris no trabalho contra a delinquência juvenil. É o fundador do centro Bergerie du Faucon para crianças de rua.

O artigo foi publicado no jornal francês, católico, La Croix, 29-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

"O meu filho é homossexual. Eu não posso aceitar isso. O que você acha?", escreveram-me muitos pais. 

"Sou homossexual, os meus pais me botaram para fora de casa assim que completei 18 anos. Estou chocado", disse um jovem.

"Minha filha, homossexual, foi festejar o aniversário em casa. Devo aceitar a sua companheira? Se não, ela não virá a esta festa familiar", perguntava-me uma mãe.

Muitas vezes, os pais são cristãos, mas se recusam a aceitar o que para eles é uma aberração e interrompem deliberadamente a relação com os filhos.

Eu sempre respondi dizendo logo aos pais que não julguem a sexualidade dos filhos e que deixem aberta a porta de casa.

A pior coisa que eu vi foi o comportamento de uma mãe católica cujo filho homossexual morreu velado até o fim pelo seu companheiro, botado para fora do apartamento em que viviam no dia antes do funeral. Eu disse para aquela mulher como a sua prática cristã estava em absoluta contradição com o Evangelho.

O termo "homofobia" é particularmente adequado para essas situações. E a história da Igreja não é um bom exemplo a esse respeito. Eu acrescentaria, no entanto, que o povo cristão está evoluindo lentamente e cada vez mais positivamente com relação a isso.

Eu penso que uma pastoral forte com relação aos homossexuais deve ser elaborada para permitir que essas pessoas sejam ouvidas e apoiadas.

Às vezes, a seu pedido, acontece-me de abençoar um casal de homossexuais. Quando eu vejo um casal solidamente unido, que vive um amor forte e verdadeiro, eu não posso abençoá-lo.

A tarefa e a beleza da missão do padre não é, talvez, de abençoar o amor? Com discrição, é claro, mas sem julgar e, principalmente, sem rejeitar.

Sou contrário ao casamento para todos, mas sou a favor de um pacto civil que permita que os casais do mesmo sexo reforcem os seus direitos, particularmente nas sucessões, um pacto civil com uma cerimônia simples no cartório.

Como é possível que um casal homossexual, que viveu muitos anos, não possa ser protegido quando a morte de um dos dois ocorre de repente? A humanidade é tão frágil como um cristal.

Vivemos neste período, nos acalorados debates sobre o "casamento para todos", oposições pueris e estéreis entre modernidade e tradição, entre laicidade e clericalismo. Um cristão que quiser viver a sua fé com toda a verdade não aceitará tudo do mundo contemporâneo. Mas saberá não rejeitar ninguém, nem julgar ninguém. Porque é a lei do Evangelho. Só essa lei vai nos permitir viver livres em um mundo complexo.
* * *
Da nota do Conselho para a Família e a Sociedade da Conferência Episcopal Francesa (Elargir le mariage aux personnes de même sexe? Ouvrons le débat!):

"Embora o respeito pela pessoa seja claramente afirmado, é preciso admitir que a homofobia, porém, não desapareceu da nossa sociedade. Para as pessoas homossexuais, a descoberta e a aceitação da sua sexualidade comportam, frequentemente, um caminho complexo. Nem sempre é fácil assumir a própria homossexualidade no ambiente profissional ou familiar. Os preconceitos custam a morrer, e as mentalidades mudam muito lentamente, mesmo nas nossas comunidades e famílias católicas; que, porém, são chamadas a expressar a máxima acolhida a todas as pessoas, independentemente do seu caminho, como filhas de Deus. Pois o que para nós, cristãos, fundamenta a nossa identidade e igualdade entre pessoas é o fato de que somos todos filhos e filhas de Deus. A acolhida incondicional da pessoa não implica uma aprovação de todos os seus atos. Reconhece, ao contrário, que o ser humano é maior do que os seus atos (...). A Igreja Católica convida os fiéis a viver tal relação na castidade, mas reconhece que, para além do aspecto sexual somente, o valor da solidariedade, da atenção e do cuidado pelo outro podem se manifestar em uma relação afetiva duradoura. A Igreja quer ser acolhedora com relação às pessoas homossexuais e continuará fazendo a sua contribuição para a luta contra toda forma de homofobia e discriminação (...)".

TISSA BALASURIA - o teólogo


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Tissa Balasuriya, o teólogo que revelou o ''pecado original'' da Igreja sobre o diálogo inter-religioso

No dia 17 de janeiro passado, em Colombo, no Sri Lanka, apagou-se uma das vozes mais poderosas da teologia da libertação asiática, a do padre Tissa Balasuriya, 89 anos, religiosa dos Oblatos de Maria Imaculada, pioneiro do diálogo inter-religioso graças à sua visão da integração entre as religiões, que não deixou de provocar, especialmente nos anos 1990, problemas com o Vaticano

A reportagem é de Ludovica Eugenio, publicada na revista Adista, 28-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O funeral ocorreu no dia 19 de janeiro na própria capital do Sri Lanka, com a participação de inúmeros grupos inter-religiosos, representantes da sociedade civil, sacerdotes católicos e monges budistas. Depois, eles foi sepultado no cemitério da igreja.

A teologia do Terceiro Mundo

Nascido no Sri Lanka no dia 29 de agosto de 1924, ele completou lá o ensino médio e universitário. Tendo entrado na Congregação dos Oblatos de Maria Imaculada, em 1947 foi enviado a Roma para completar a sua formação e ser ordenado sacerdote (1953).

Novamente no Sri LankaBalasuriya lecionou teologia e economia na Aquinas University College, de Colombo, em um contexto social e religioso multifacetado: o Sri Lanka é uma ilha de maioria budista (69%), com uma forte minoria hindu (15% ) e uma não desprezível presença muçulmana (8%) e cristã (8%).

Daí a necessidade de apresentar a teologia com uma nova abordagem: em 1971, Balasuriya pediu demissão da universidade e fundou o Center for Society and Religion com o objetivo de tornar os ensinamentos cristãos acessíveis aos concidadãos não católicos companheiros. Em 1975, também fundou a Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo (EATWOT, na sigla em inglês) e, em 1978, publicou o seu livro Eucharist and Human Liberation [Eucaristia e libertação humana], que o colocou no rastro dos teólogos da libertação.

Nos anos 1990, a abordagem inovadora da teologia do Pe. Tissa despertou desconfiança e suspeita. O episódio teve início em 1990, quando Balasuriya – já muito conhecido e apreciado na Ásia – publicou o livro de Mary and Human Liberation [Maria e a libertação humana], que circulou sem nenhuma oposição por mais de três anos. 

No início de 1993, o religioso foi convocado pelos bispos do Sri Lanka. Um deles, Dom Malcolm Ranjith, leu a ele um documento elaborado por uma comissão teológica ad hoc, que invocava "medidas disciplinares para impedir" queBalasuriya "se comprometesse ainda mais com reflexões teológicas imaturas e irresponsáveis". Quais são as "heresias" com as quais ele teria se manchado? Ele seria culpado de interpretar de uma maneira pessoal a doutrina do pecado original, dando uma imagem errônea dela, e de insinuar dúvidas muito pesadas sobre a divindade de Cristo, sobre o seu papel de redentor e sobre os dogmas marianos.

Sem possibilidade de defesa

Às acusações, o teólogo respondeu que as ideias contidas no seu livro foram distorcidas pela comissão teológica, e que não lhe havia sido dada nenhuma possibilidade de se explicar, nem de responder publicamente. Mas a sua defesa não pareceu ter sido levada em consideração: em julho de 1994, a Congregação para a Doutrina da Fé lhe enviou uma série de "observações" sobre os supostos erros doutrinais do seu livro. Às observações do ex-Santo OfícioBalasuriya respondeu com um documento em 58 pontos em que destacou todas as deturpações do seu pensamento, cuja responsabilidade seria dos bispos que o acusavam.

Em novembro de 1995, porém, chegou-lhe a tréplica da Congregação vaticana: as suas respostas às acusações foram consideradas "insatisfatórias". Por esse motivo, foi-lhe enviada uma "profissão de fé" redigida ad hoc, com a injunção de assiná-la. O texto, elaborado especialmente pela Congregação para a Doutrina da Fé, enfatizva particularmente a infalibilidade pontifícia, a virgindade de Maria, Deus como autor dos livros da Bíblia, além da origem divina (e não sociocultural) da interdição ao sacerdócio para as mulheres. 

Balasuriya recusou-se a assiná-la, colocando a sua assinatura, ao invés, na parte inferior da profissão de fé de Paulo VI, especificando, porém, que o fazia no "contexto do desenvolvimento teológico e das práticas da Igreja depois doConcílio Vaticano II e da liberdade e responsabilidade dos cristãos e dos teólogos estabelecidas pelo direito canônico".

A sua recusa, em maio de 1996, implicou a retirada da qualificação de teólogo católico, além de uma ação disciplinar com base no cânone 1.364 do Código de Direito Canônico, que prevê a excomunhão latae sententiae (automática) para hereges, apóstatas e cismáticos, assim como a dispensa do estado clerical, em caso de sacerdotes.

A sanção, datada de 8 de dezembro de 1996, chegou sem nenhum processo, apesar do que prescreve o Direito Canônico, e sem nenhum diálogo. "Mais de uma vez eu escrevi para todas as autoridades – afirmou Balasuriya – que eu estou pronto para me corrigir publicamente, se for provado que eu estou errado com relação à ciência teológica contemporânea diante de um tribunal justo".

A reação do mundo teológico foi planetária. A excomunhão deixou chocadas a congregação religiosa de Balasuriya, os Oblatos de Maria Imaculada, ramo cingalês, assim como a Comissão Asiática para os Direitos Humanos, aAssociação Ecumênica de Teólogos da Ásia, a Associação Internacional de Teólogos do Terceiro Mundo, o Fórum das Religiões para a Solidariedade Mundial e o Movimento de Estudantes Católicos da Ásia e do Pacífico

Houve até manifestações de budistas e de hindus. No resto do mundo, puseram-se do lado do excomungado a seção belga da Associação de Teólogos Católicos e inúmeras organizações de leigos e de religiosos da América do Norte, da Austrália e da Europa. Do mundo inteiro, mais de 10 mil cartas de solidariedade foram enviadas ao teólogo.

Balasuriya, portanto, recorreu a João Paulo II, a mais alta instância de apelo, mas o papa o recusou, e a excomunhão se tornou efetiva e definitiva. Mas Balasuriya não se rendeu e apelou também para a Signatura Apostólica, o Supremo Tribunal do Vaticano, mas que se declarou incompetente para aceitar o recurso do teólogo já que havia sido o papa em pessoa que aprovou a Notificação de excomunhão. 

Tissa, porém, mais uma vez, não se deu por vencido e enviou à Congregação para a Doutrina da Fé uma nova proposta, a de assinar o Credo de Paulo VI, pura e simplesmente, sem nenhum acréscimo. No fim, Roma retrocedeu e retirou a sanção.

Maria, mulher da classe operária

Mas o que valeu a Balasuriya tal tratamento? No livro incriminado, o teólogo afirma que a Maria libertadora das Escrituras – mulher "forte, da classe operária" –, cujo objetivo era derrubar os poderosos de seus tronos, foi ofuscada por uma "Maria desidratada", uma "obediente, fiel, doce virgem mãe". Uma Maria, em suma, tradicionalmente domesticada em uma "consoladora dos fracos dos nervos", que não tem mais nada de "perturbadora dos ricos" doMagnificat.

A contribuição particular de Balasuriya como asiático se refere, no entanto, ao diálogo inter-religioso. No contexto em que viveu, o desafio era o de "repensar os dogmas fundamentais da tradição cristã" à luz do hinduísmo e do budismo: "Na Ásia – afirmava – devemos pôr em discussão as bases de uma teologia que feriu os nossos povos durante séculos". 

Aqui, a sua teologia se encontrou diante de pontos espinhosos, quando investigou as doutrinas do pecado original e da necessidade da redenção de Cristo. A ideia cristã de "uma humanidade que nasce repudiada pelo seu criador", afirmava Balasuriya, com o seu esmagador senso de impotência (Maria teve que ser preservado do destino comum humano através da Imaculada Conceição), é profundamente inaceitável para as outras fés, assim como a ideia de que "gerações inteiras de outros continentes viveram e morreram com uma possibilidade a menos de se salvar".

E aqui outro ponto fundamental: a crítica à ideia de Jesus como "único, universal e necessário redentor". O conceito da graça divina entendida como decorrente de Cristo, destaca Balasuriya, não deve ser um obstáculo para o diálogo com pessoas de outras religiões teístas, já que a graça é vista como "benevolentemente concedida a todos os seres humanos".

O aspecto mais forte e "desestabilizador" para o Vaticano, contudo, era a consequência política da sua mariologia. A tradicional piedade mariana, defendia Balasuriya, "contribuiu para legitimar as diferenças de classe e de condição entre Senhor e consciência do fiel, entre Nossa Senhora e mulher comum". 

A partir desse ponto de vista, a prática de rezar o terço mecanicamente "pode dar a ideia de uma salvação das almas da perdição sem nenhuma referência a uma libertação humana integral", assim como a aparição de Lourdes "não diz nada sobre a condição da classe operária na França à época", e muito menos "alude aos danos causados na Áfricapela expansão militar e econômica francesa. No entanto, quando Maria é apresentada aos habitantes do Sri Lanka, ela é chamada de 'Senhora das Vitórias' no conflito entre cristãos e turcos na Batalha de Lepanto". 

E assim, com raras exceções, como Nossa Senhora de Guadalupe ou de Czestochowa, a Maria tradicional é uma "Maria do primeiro mundo do cristianismo, capitalista, patriarcal e colonialista".

Contra uma cristologia exclusivista

A teologia tradicional cristã sobre Jesus Cristo, defendia o Pe. Tissa, é substancialmente cristologia exclusivista, pois "limite a salvação aos cristãos, considerando-a possível apenas mediante Jesus Cristo, o necessário, único e universal salvador de toda a humanidade" e afirma que "as outras religiões, embora possam apresentar alguns elementos de verdade, não mostram 'a verdade', nem mostram uma verdade capaz de levar os seus seguidores à salvação". 

A interpretação da vida, da mensagem e da morte de Jesus, entendido como um resgate pelos pecados da humanidade, em suma, "desvia a atenção da mensagem de Jesus de amor e de justiça em uma sociedade injusta, que o condenou a morrer na cruz. Essa cristologia geralmente interpreta a salvação por meio de Jesus como a de um Deus-Homem que paga o preço pela ira de Deus-Pai. Isso parece contradizer o tema central do 'Deus é amor' e do 'ama a Deus e ao próximo' como critério de salvação atribuído ao Jesus dos Evangelhos".

Essa abordagem exclusiva, defendia Balasuriya, está na origem das aberrações "políticas" das quais foram responsáveis aqueles que administram o poder na Igreja: "As suas interpretações levaram a atitudes de profunda arrogância e intolerância das poderosas Igrejas cristãs. Foram utilizadas para legitimar a Inquisição, as invasões coloniais, o multissecular colonialismo. Os papas encorajaram os chefes de Estado europeus a invadir, conquistar e converter ao cristianismo todos os povos de outros continentes, para que se salvassem a alma". 

Segue-se daí que "a cristologia tradicional exclusivista não pode ser reconhecida como uma teologia que realmente tem a ver com Jesus Cristo, pelo dano causado à maioria da humanidade por 1.500 anos".

Na origem dessa atitude, Balasuriya coloca o dogma do pecado original, por meio do qual "não há possibilidade para que a teologia cristã elabore uma interpretação que não ofenda os 'outros' que estão fora da Igreja, as outras religiões". Daí a necessidade de uma abordagem pluralista às religiões, já que nenhuma delas "tem o monopólio do conhecimento de Deus, da Realidade Última ou da salvação humana e da vida após a morte. Todas as religiões devem estar dispostas a aprender com as outras, a aprender até com a sociedade laica e até mesmo com a evolução do mundo e o seu progresso". 

O que Balasuriya propunha, portanto, é repensar as religiões segundo uma lógica de complementaridade que substitua o espírito de competição. "As religiões mundiais – afirmava Tissa – tem um conjunto de valores centrais sobre os quais podem concordar e cooperar para a vida social prática".

A última intervenção do Pe. Tissa foi publicado pela revista de teologia da Eatwot no início de 2012. Nela, o teólogo retoma um capítulo de Mary and Human Liberation para examinar os pressupostos da teologia e chegar a uma distinção entre teologias positivas e negativas. "Toda teologia que deriva autenticamente de Deus em Jesus – escreveu – deve ser amorosa, respeitosa e satisfatória para a humanidade de todos os lugares e de todos os tempos. Essa é a natureza do Deus de justiça e de amor revelado na fundamental (e melhor) inspiração da Bíblia, em particular por Jesus. Consequentemente, nenhum elemento que, em uma teologia, seja insultante, degradante, desumanizante e discriminante com relação à humanidade de todo tempo e lugar pode vir de Deus em Jesus. Qualquer elemento desse tipo é necessariamente como que uma intrusão injustificada e deve ser eliminado do corpo da teologia cristã. Como disse Jesus: 'Pelos seus frutos os conhecereis'. Frutos de ódio não podem vir a Jesus ou de Deus. Esse princípio pode levar à revisão de grande parte da construção tradicional da teologia cristã ocidental".

Em termos positivos, "a partir do momento em que todo bem vem de Deus – argumentava Balasuriya –, tudo o que produz verdadeiramente humanização em qualquer religião ou ideologia também é, em última análise, de origem divina e deve ser respeitado como tal. A partir do momento em que Deus quer a felicidade de todos, quanto mais uma teologia leve à plena realização humana de todas as pessoas e de todos os povos, mais ela se aproxima da fonte divina. Esse princípio de crítica é racional e ético. Ele nos ajuda a libertar as teologias cristãs de imagens divinas que, em contradição com o ensinamento de Jesus, apresentam Deus como intolerante, parcial e cruel ou promovem a desumanização e a exploração dos seres humanos".

Economia da Vida: a proposta do Conselho Mundial de Igrejas. Entrevista especial com Marcelo Schneider


Economia da Vida: a proposta do Conselho Mundial de Igrejas. Entrevista especial com Marcelo Schneider

Quinta-feira, 31 de janeiro de 2013 - 15h50min
por IHU Online
"Mecanismos regulatórios não devem ser uma forma de opressão ou intervenção do Estado, mas uma baliza ética essencial na garantia da justiça”, adverte o teólogo.

Confira a entrevista.
O trinômio riqueza, pobreza e ecologia tem guiado as reflexões recentes do Conselho Mundial de Igrejas – CMI diante da conjuntura mundial, na busca pela justiça econômica. Com a proposta de pensar uma alternativa à economia e aos impactos sociais gerados pela má distribuição de riquezas, a Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas - CMIR, em parceria com o Conselho Mundial de Igrejas - CMI e Conselho para Missão Mundial – CMM, economistas e ativistas de vários países do mundo, elaborou a “Declaração de São Paulo”, intituladaTransformação Financeira Internacional para uma Economia da Vida. A declaração foi  entregue ao governo boliviano na semana passada e será entregue aos demais chefes de Estado da América Latina.
Em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, o teólogo Marcelo Schneider esclarece que “além de uma análise estrutural, o documento traz uma série recomendações concretas que visam a transformação do sistema econômico e financeiro atual”. Entre elas, ele menciona a proposta de uma “reforma tributária que englobe uma política de impostos progressivos capaz de fazer com que indivíduos e empresas que acumulam quantias exorbitantes sejam levados a um maior comprometimento com as sociedades onde vivem. A Declaração ainda pede a adoção de indicadores econômicos alternativos, que englobem categorias como o bem-estar das pessoas e o impacto ambiental, a garantia de acesso a serviços bancários básicos por parte dos setores marginalizados das sociedades, uma regulamentação mais efetiva do setor bancário”.
Marcelo Schneider é doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia – EST, São Leopoldo, com tese intitulada Em busca de uma ética social ecumênica. A discussão no Conselho Mundial de Igrejas em perspectiva e práxis Latino-Americanas (2005). Também é assessor do moderador do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas e correspondente para América Latina do departamento de Comunicação do CMI. Além de membro da coordenação doFórum Ecumênico Brasil e do grupo de comunicadores de ACT Aliança (Acting by Churches Together), já atuou como coordenador de comunicação e logística do escritório local da 9ª Assembleia do CMI (2005-2006).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como, por quem, e em que momento foi redigida a “Declaração de São Paulo”, intitulada Transformação Financeira Internacional para uma Economia da Vida? 

Marcelo Schneider - 
O documento é fruto de uma conferência organizada pela Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas - CMIR, em parceria com o Conselho Mundial de Igrejas - CMI Conselho para Missão Mundial - CMM. O encontro reuniu cerca de 80 economistas, ativistas e líderes de igrejas de todos os continentes, entre 29 de setembro e 5 de outubro de 2012, em Guarulhos, São Paulo.
No entanto, o evento não é um episódio isolado e tampouco representa a primeira iniciativa ecumênica em torno dotema da economia. O movimento ecumênico esteve criticamente envolvido em questões de justiça econômica e social desde a sua criação.

O termo “economia da vida” foi forjado ao longo de um processo promovido pelo CMI chamado de  Alternative Globalization Addressing Peoples and Earth - AGAPE (Globalização Alternativa direcionada aos Povos e à Terra), que, por quase uma década, dedicou-se a disgnosticar as causas que perpetravam estruturas econômicas injustas, inserir-se em processos de debate da sociedade civil sobre este tema, como o Fórum Social Mundial, abrir frentes de diálogo com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, e encorajar os membros das igrejas a buscarem mais informações sobre o problema e engajarem-se na luta por justiça. À medida que o processo se desenvolvia, com conusltas regionais ao redor do mundo, tornou-se clara a ligação que existe entre riqueza, pobreza e ecologia. Este trinômio tem guiado as reflexões recentes do CMI em torno do tema da justiça econômica e foi através dele que a crescente preocupação com o impacto da economia na natureza se tornou um item crucial da agenda.

IHU On-Line - Quais são as principais propostas da Declaração, especialmente no que se 
refere ao debate econômico e ecológico?

Marcelo Schneider - 
Além de uma análise estrutural, o documento traz uma série recomendações concretas que visam a transformação do sistema econômico e financeiro atual. Entre as propostas está a de uma reforma tributária que englobe uma política de impostos progressivos capaz de fazer com que indivíduos e empresas que acumulam quantias exorbitantes sejam levados a um maior comprometimento com as sociedades onde vivem. A Declaração ainda pede a adoção de indicadores econômicos alternativos, que englobem categorias como o bem-estar das pessoas e o impacto ambiental, a garantia de acesso a serviços bancários básicos por parte dos setores marginalizados das sociedades, uma regulamentação mais efetiva do setor bancário, e a proposta de criação de um Conselho de Segurança Econômica, Social e Ecológica na ONU.

IHU On-Line - Na semana passada a Declaração foi entregue ao Ministro da Casa Civil da Bolívia, Juan Ramón de la Quintana. Qual a postura e acolhida do governo boliviano acerca do documento? Que papel o governo boliviano pode ter na discussão acerca do desenvolvimento?

Marcelo Schneider -
 O Pastor luterano brasileiro Walter Altmann, moderador do Comitê Central do CMI, que chefiou a delegação ecumênica naquela ocasião e responsável pela entrega do documento, foi extremamente bem recebido tanto no palácio do governo, pelo Ministro da Casa Civil, como na chancelaria, pelo vice-ministro para assuntos inter-religiosos. A Bolívia tem desempenhado um papel muito importante no debate e encaminhamento de resoluções nasNações Unidas (ONU) acerca do tema do desenvolvimento, principalmente no que tange à questão da água.
Graças ao minucioso e incansável trabalho de diplomatas bolivianos, por exemplo, é que a Assembleia da ONU, em 2010, aprovou a resolução que declara a água como direito humano fundamental. A visita ao governo boliviano, portanto, foi peça importante neste plano estratégico que busca consolidar e encaminhar as reflexões ecumênicas em esferas onde elas possam influenciar, de forma mais direta, os processos decisórios internacionais tanto na sociedade civil 
quanto junto aos governos.
Percebemos interesse por parte dos membros do governo boliviano em relação ao conteúdo da declaração. Temas como a necessidade de mecanismos globais de controle da especulação financeira, a proposta de criação de um Conselho de Segurança Econômica, Social e Ecológica na ONU, e o reconhecimento e alerta acerca do impacto ecológico negativo de estruturas econômicas injustas vigentes estiveram na pauta das conversas com os governantes que, por sua vez, manifestaram interesse em adotar o documento como um subsídio complementar aos seus diálogos com a sociedade civil daquele país.

IHU On-Line - Que outros chefes de Estado já receberam a declaração e ainda irão recebê-la? Qual a expectativa ao entregar essa Declaração a eles?

Marcelo Schneider -
 Em outubro de 2012, poucas semanas depois da publicação do documento, 
aproveitamos a presença de algumas lideranças ecumênicas latino-americanas reunidas em Buenos Aires para encaminharmos um pedido de audiência na chancelaria argentina. Na ocasião, o bispo anglicano panamenho Julio Murray, presidente do Conselho Latino-Americano de Igrejas - CLAI, chefiou a delegação e o documento foi entregue ao vice-ministro para assuntos religiosos do Ministério de Relações Exteriores da Argentina. De acordo com a estratégia regional de incidência em torno do conteúdo da declaração, depois de Argentina e Bolívia, estamos encaminhando o mesmo pedido aos governos do Peru e do Brasil. Obviamente, novas frentes irão se abrir e a lista deve aumentar ao longo do ano. Esperamos que iniciativas assim motivem organismos regionais de outras partes do mundo a fazerem o mesmo, além do próprio CMI.
Como já afirmei acima, nossa expectativa neste processo é fazer com que nossas reflexões atinjam esferas decisórias mais diretas, tanto na sociedade civil como nos governos. Nos anos 1970 e 1980, o CMI e o movimento ecumênico em geral, desfrutavam de bandeiras mais claras e desempenhavam um papel de peso em diversas áreas da ética social, como a luta contra o Apartheid, na África do Sul, por exemplo. Ao longo dos anos 1990 e da primeira década do novo século, como consequência mais triste de nossa própria busca por contextualização e identidade, fomos perdendo envergadura e deixamos de participar de processos mais diretos, ficando relegados a uma espécie de gueto profético que, ainda que seguisse fiel à causa por justiça, parecia ter perdido o momento histórico e deixado de tomar este ou aquele caminho. Por isso, é importante retomar a caminhada nos espaços onde estes temas estão sendo debatidos de forma mais ampla.

IHU On-Line - O documento também será entregue à presidente Dilma? Qual a contribuição do Brasil nesse debate?
Marcelo Schneider - Em 2011, o CMI reabriu um canal importante de diálogo com o governo 
brasileiro graças ao projeto Brasil: Nunca Mais! Digit@al. Uma parte dos registros de abusos da ditadura militar estava salvaguardada nos arquivos do CMI, em Genebra, Suíça. Durante ato público realizado em junho de 2011, em São Paulo, cópias destes documentos foram entregues ao Procurador-Geral da República e isto ajudou a resgatar a imagem pública do CMI como um aliado histórico consistente na defesa dos Direitos Humanos na América Latina. Como fruto deste processo, o moderador do Comitê Central do CMI, Walter Altmann, inaugurou uma nova frente de diálogo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Uma proposta de acordo bilateral de cooperação entre o CMI e o governo brasileiro na área de direitos humanos está em fase de elaboração. Tudo isto facilita muito o caminho para que se consiga um momento para fazer a “Declaração de São Paulo” chegar às mãos da Presidenta Dilma. O Brasil é, atualmente, considerado um país em ascensão por grande parte da comunidade internacional. Estrategicamente, seria de grande valia se as colocações ecumênicas em torno do tema da economia global chegassem ao governo brasileiro.

IHU On-Line - Quais são os maiores desafios econômicos considerando a conjuntura econômica e ecológica do mundo hoje?

Marcelo Schneider -
 O maior desafio é conter a ganância e buscar meios de partilha das riquezas existentes. O conceito da “linha da pobreza” está amplamente difundido e, muitas vezes, serve para comover a comunidade internacional em relação a este ou aquele contexto onde pessoas vivem em absoluta miséria. Mas é preciso que se fale também de uma “linha da riqueza”. Qual o limite da ganância? Até que número é digno que um indivíduo ou uma empresa acumule riqueza? Até onde se pode ser rico sem assumir nenhum tipo de compromisso com as outras pessoas?

A especulação financeira foi a grande responsável pela grande crise de 2008. Esta crise foi causada por uma frouxidão calculada de alguns governos que, em nome de uma agenda de prosperidade a todo custo, deixaram os banqueiros agirem de forma desenfreada. Mecanismos regulatórios não devem ser uma forma de opressão ou intervenção do Estado, mas uma baliza ética essencial na 
garantia da justiça.

Se, por um lado, é preciso resguardar o direito que cada pessoa tem de ter uma boa ideia, implementá-la e obter lucro com isso, por outro lado, temos que encontrar formas de tornar o acesso à riqueza menos excludente e, principalmente, fazer com que os pobres tenham acesso a recursos e reencontrem uma vida digna.
Em meio a tudo isso, ou melhor, em cima, em baixo e no meio de tudo isso, está a natureza. As recentes conferências da ONU sobre mudanças climáticas (COPs) e aquela dedicada ao desenvolvimento sustentável (UNCSD, Rio+20) foram enfáticas em mostrar o inexorável impacto negativo do sistema econômico global em voga, que ignora completamente a finitude dos recursos naturais existentes, o tempo que a natureza precisa para renovar-se e a necessidade urgente de medidas que contenham a poluição das fontes naturais e que impeçam a mercantilização da vida em todas as suas formas. Tão importante quanto dar voz e vez aos excluídos e conter a ganância dos bilionários é perceber que a natureza pede socorro e que esta ajuda só pode sair de nossas mãos.

IHU On-Line - Como as Igrejas vêm a proposta de Sumak Kawsay? Como esse modo de vida tem sido discutido pelo Conselho Mundial de Igrejas?

Marcelo Schneider -
 Na reunião com o governo boliviano, utilizamos o Sumak Kawsay por este 
conceito ter sido forjado naquela região, através daquela espiritualidade. O conceito quéchua de Sumak Kawsay (bem viver) é muito mais abrangente do que a noção de desenvolvimento que vem sendo trabalhada em diversas frentes de cooperação e ajuda humanitária. No âmbito ecumênico, encontramos experiências e saberes que enriquecem muito a reflexão teológica e inspiram ações de incidência, como o Ubuntu, na África e Sansaeng, na Coreia. Por ser um espaço de encontro da comunidade cristã global, o CMI absorve estes conceitos e os toma como inspiração e referência na busca da contextualização da causa por justiça inspirada no Evangelho.

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

Marcelo Schneider - 
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