APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

domingo, 25 de novembro de 2012

“É PREFERÍVEL MORRER QUE FICAR PRESO”




Frei Betto

      Dá título a este artigo afirmação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, proferida a 13 de novembro. O ministro sabe o que diz. O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo. Perde apenas para EUA, China e Rússia.

       Hoje, nossas cadeias abrigam 515 mil pessoas em 1.312 unidades prisionais com capacidade máxima para acolher 306.500 detentos. Se o sistema judiciário brasileiro fosse menos lento e mais humanitário, 36 mil detentos já deveriam ter sido soltos ou beneficiados com a progressão de penas.

        A Lei de Execução Penal assegura a cada preso seis metros quadrados de espaço na cela. Hoje, a maioria se espreme entre 70 centímetros e um metro quadrado. Daí as frequentes rebeliões.

           O Brasil não tem política prisional e muito menos de reintegração social dos detentos. Diante da violência urbana, muitos clamam, ingenuamente, por mais cadeias. Pressionados pelo clamor popular, governos federal e estaduais investem em prisões o que deveriam destinar a escolas.

           Nossas cadeias são verdadeiros queijos suíços, com multiplicidade de buracos. De dentro das celas, bandidos usam celulares para extorquir incautos (o golpe do sequestro de parentes) e comandar o crime organizado. Drogam-se com cocaína, maconha, crack, e recebem bebida alcoólica.

            Privatizar presídios é a solução? Sim, para enriquecer empresários. Esse sistema estadunidense já é adotado nos estados de Pernambuco, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo e Santa Catarina. A empresa dona do presídio cobra do Estado o que ele gasta, em média, com cada detento: R$ 1.500. E mais R$ 1 mil por cabeça. Ao todo, R$ 2.500 por prisioneiro. Ora, quanto mais tempo o preso permanecer ali dentro, tanto mais lucro. Sem que haja preocupação de reintegração social.

           Nossas unidades prisionais estão sucateadas e abandonadas. Pela LOA (Lei Orçamentária Anual), elas deveriam ter recebido do governo federal, este ano, R$ 277,5 milhões. Mereceram apenas R$ 2.579,776,61 – menos de 1% do previsto!

            Apenas no Piauí não há superlotação de cadeias. País afora, os presos são confinados em espaços exíguos, promíscuos, sem acesso a atividades esportivas, artísticas, escolares e profissionais.

       O que fazer diante da falta de vagas em nossas unidades prisionais? Adotar a pena de morte? Multiplicar o número de penitenciárias?

           Estive preso quatro anos (1969-1973). Dois, entre presos comuns de São Paulo – Penitenciária do Estado, Carandiru e Penitenciária de Segurança Máxima de Presidente Venceslau.

            Nesta última, na qual fiquei mais de um ano, foi possível recuperar alguns detentos através de grupos bíblicos, teatro, desenho e pintura e, sobretudo, pela instalação de um curso supletivo de ensino médio, que interessou 80 dos 400 presos.

     Nos dois anos em que trabalhei no Palácio do Planalto (2003-2004), tentei ressaltar a urgência de reforma em nosso sistema prisional. Em vão.

         As delegacias e os estabelecimentos de apreensão de menores funcionam como ensino fundamental do crime. Os presídios, como ensino médio. As penitenciárias, como ensino superior.

    Como é possível que o Estado não consiga algo tão simples quanto evitar a entrada de celulares na cadeia? Alguém consegue passar com celular escondido no controle dos aeroportos? Isto sim, merece ser imitado dos EUA: detentos usam orelhões para se comunicar com seus familiares e todas as ligações são grampeadas.

      Nossos policiais são, em geral, despreparados, a ponto de considerarem direitos humanos como alforria de bandidos; alguns carcereiros dificilmente resistem à corrupção e tratam o preso como inimigo, e não como reeducando; o sistema prisional não é pensado tendo em vista a reinserção do preso como cidadão na sociedade.

      A educação é a solução, fora e dentro das prisões. Como evitar a criminalidade se 5,3 milhões de jovens brasileiros, com idade entre 18 e 25 anos, estão fora da escola e sem trabalho?

      Nossas penitenciárias poderiam funcionar como escolas profissionalizantes. Aulas de mecânica, alfaiataria, computação e culinária, associadas ao aprendizado de idiomas e à  dedicação a práticas esportivas e artísticas (teatro, música, literatura), certamente esvaziariam as nossas cadeias. O progresso no curso equivaleria a retrocesso na pena.

      Se o Estado e a sociedade não cuidam dos presos, eles mesmos tratam de buscar o que mais lhes convém: auto-organização em comandos; rede de informantes entre carcereiros e policiais; vínculos com os bandos que atuam em liberdade. E nós, cidadãos, pagamos duplamente: por sustentar um sistema inoperante e ser vítimas da recorrente espiral da violência.

 Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012


Conjuntura de São Paulo

Escrito por  RECIDSP
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    Aos companheiros e companheiras da RECID
    Esta carta vem em meio a uma conjuntura massacrante de SP, estamos escrevendo para partilhar situações, episódios e encaminhamentos que temos tido ao longo destes últimos meses de modo especial.
    Em uma suposta guerra com uma possível facção criminosa, parte da Polícia Militar está envolvida numa onda de assassinatos que já fez dezenas de vítimas, elevou em quase 100%o índice de homicídios no Estado e aterroriza as periferias. As periferias que vem sendo citiadas, invadidas dia após dia, sem nenhuma explicação pertinente, a explicação que a nosso ver e de tantos outros movimentos não cabe que as comunidades (favelas) estão sendo ocupadas para manter a ordem e descobrirem que são os mandantes das cerca de 90 mortes dos policiais, porem não vemos o mesmo acontecer em prol das quase 1400 mortes oficiais de civis, dentre estes mais de 70% homens, jovens, negros e moradores de periferias.
    O crime dos civis tem tido pouco ou nenhuma divulgação, estamos vivendo em SP quase dentro de um estado de exceção onde o direito de ir e vir vem sendo tolido dia após dia com toques de recolher em diferentes momentos do dia, até onde temos acompanhado estes mesmos toques não é dado pelos “supostos criminosos” e sim uma orientação da policia militar, as famílias estão ficando amendrotadas a ponto de evitarem que seus filhos saiam de casa e vão seja para a escola, seja para umas oficinas, seja para uma atividade cultural, os espaços de cultura (saraus) da região do distrito do Jardim Ângela quase em sua totalidade vem sofrendo represarias para se manter fechados de modo especial aqueles espaços que combatem a política do então governo estadual.

    Precisamos fazer ecoar as dores das mães que vem perdendo seus filhos desde 2006 quando cerca de 500 pessoas foram assassinadas entre sociedade civil e funcionários da segurança pública, sequer as investigações seguiram e hoje novamente se repete os mesmos atos de violência. Precisamos fazer ecoar as vozes de centenas de mulheres de denunciam o envenenamento de seus pares nos Centro de Detenção Provisórios, presídios e colônias de segurança pública.
    Ocupar as nossas comunidades assim como fizeram no RJ no nosso entendimento reforcará as políticas punitivas que tem produzido a atual conjuntura. Nos últimos 20 anos o governo do estado vem tendo uma expansão vertiginosa triplicando o número de vagas em detrimento de alternativas educacionais. Na administração pública assistimos uma militarização sem precedentes nas nossas periferias vivemos o misto da ausência do estado (provedor) e excesso do estado (punitivo) que aqui se efetua em dupla articulação: aprisionamento e extermínio. Denunciamos nestes últimos meses em diferentes frentes, esferas e espaços que está dupla via se dá com a policia oficial (fardada), por outro através dos grupos de extermínio formados por uma parcela desta mesma policia, explicitamos que o alvo desse excesso tanto pelo aprisionamento ostensivo quanto pelo extermínio sistemático são aqueles que podemos identificar sob três adjetivos: pretos, pobres e periféricos.
    Por tudo relatado acima entendemos que a opção do governo federal não deve ser uma mera soma ás políticas punitivas que vem sendo levadas pelo governo estadual, mas contribuir para barrar a política de extermínio, pautar o governo para que tenhamos uma política de segurança publica baseada na defesa e não na violação de direitos. Este último ponto não é uma tarefa exclusiva de gestores públicos, mas um compartilhamento com os Outros – os presos, os nóias, os moradores de rua, os moradores das periferias, enfim todos aqueles e aquelas que moram no estado de SP e que vem dia após dias vendo seus direitos violados. O que pedimos não é uma soma fácil, repetitiva a toque de caixa. Pedimos uma nova soma: que ao invés de subjugar ainda mais estes Outros, que os tragamos para isto que chamamos de democracia.
    Assim nós da RECID e de tantos outros coletivos partilhamos nossas dores, preocupações e anseios em como consta em O Embaixador “ Achavam-se agrupados e presos a terra, por uma raiz comum, como uma moita de bambu. E, como esse vegetal, inclinavam-se e dobravam-se. Mas sobreviviam ás maiores tempestades”. (Morris West), assim estamos todos neste momento, inclinamos as vezes, sofremos baixas em outras, mas sobreviveremos.
    RECID – SP

    CONTRA O GENOCÍDIO


    CONVOCAÇÃO DO COMITÊ CONTRA O GENOCÍDIO DA JUVENTUDE NEGRA E PERIFÉRICA DE SP PDF Imprimir


    13, novembro 2012 - 18:43
    As redes de familiares de vítimas diretas da violência, as organizações do movimento negro, os movimentos sociais do campo e da cidade, cursinhos comunitários, sindicatos, associações, saraus periféricos, posses de hip-hop, imprensa alternativa, partidos de esquerda e várias outras entidades representativas da sociedade civil, organizados no COMITÊ CONTRA O GENOCÍDIO DA JUVENTUDE NEGRA E PERIFERIA DE SÃO PAULO, diante da barbárie que vivenciamos em São Paulo, onde, desde de janeiro, mais de mil pessoas foram assassinadas, a grande maioria com evidentes características de execução e, pior, com indícios da ação de grupos de extermínio compostos por policiais e/ou agentes paramilitares ligados ao Estado, exigimos:
    - Imediata reunião com o Exmo. Sr. Ministro da Justiça, Sr. José Eduardo Martins Cardozo, e sua equipe – especificamente com esta frente ampliada e unificada;
    - Imediata Audiência Pública com a presença do Exmo. Sr. Governador do Estado de São Paulo, Sr. Geraldo Alckmin, e do Exmo. Sr. Ministro da Justiça, Sr. José Eduardo Martins Cardozo;
    Convocamos a toda sociedade brasileira, em geral, e a paulista em especial, a denunciar a violência do Estado e gritar por Justiça, Respeito e PAZ às comunidades periféricas, nos seguintes ATOS PÚBLICOS:
    20 de Novembro – Marcha da Consciência Negra em SP – Cotas Sim, Genocídio Não!, com concentração às 13h, no vão livre do Masp, na avenida Paulista, na capital paulista; e Marcha da Periferia (orientações a confirmar)
    22 de Novembro – Ato Contra o Genocídio, com concentração às 10h, na Praça da Sé – Centro – SP
    Fonte: http://www.agenciajovem.org/wp/?p=12543

    quinta-feira, 15 de novembro de 2012

    Montadoras deveriam bancar a taxa de inspeção veicular


    O governo Haddad deve acabar com a taxa cobrada pela inspeção veicular obrigatória em São Paulo já no ano que vem, cumprindo uma promessa de campanha. Muito já foi escrito sobre esse ato populista a ser feito com dinheiro da coletividade. Pois, quem não tem carro terá que pagar por algo sob a justificativa de que o ar que respiramos é de todos.
    Se o governo quer desonerar os proprietários de veículos com motor a combustão, sugiro que mande a primeira fatura para a indústria automobilística. Empresas de cigarro e lanchonetes são responsabilizadas pelos danos causados por seus produtos, por que não a de carros? Comercial de nicotina na TV é censurado e de monóxido de carbono, não?
    Que tal as montadoras bancarem a revisão periódica dos carros, motos e caminhões que nos entregam, uma vez que fomentam o nosso consumismo maluco através de anúncios questionáveis?
    Pagar pela inspeção veicular seria uma boa forma de empresas multinacionais devolverem um pouco da ajuda de mãe que têm recebido do poder público. Enviariam um pouquinho menos de royalties para ajudar suas matrizes em apuros lá fora? Sim, mas contribuiriam em fazer com que o céu azul que aparece em seus comerciais seja de verdade e não Photoshop. Porque o que vejo em minha cidade é uma faixa de meleca cinza que me faz chorar de emoção.
    Também mandaria uma segunda fatura para a indústria de combustíveis. Temos que conviver no Brasil com índices altíssimos de coisas saudáveis, como enxofre, sendo lançados ao ar enquanto que, em países europeus, as taxas são bem menores. Até porque, como sabemos, a vida de um francês vale mais do que a dos bugres daqui.
    Não temos a aplicação decente de uma política de compensação ambiental que considere o número de carros vendidos e reverta parte dos lucros dos impérios automobilísticos em recursos para o transporte público ou para mitigação dos impactos causados no ar, na água e na terra. Afinal de contas, fala-se da geração de empregos com a produção industrial, mas não dos impactos silenciosos que vão ceifando vidas ao longo de anos.
    Não estou dizendo que o sujeito que não cuida do seu vulcãozinho pessoal de fumaça é inimputável, mas se tivermos que procurar responsáveis e mandar a conta, a indústria está bem acima do cidadão comum sobre rodas – isso sem falar daquele que anda a pé ou de transporte coletivo. Ah, mas a indústria só atende a uma demanda. Rá. Faz-me rir.
    E, por fim, a inspeção veicular não vai ser a panacéia. Vamos expulsar Fuscas, Brasílias, Variants, 147s, caminhões velhos de circulação (ou seja, eliminar o meio de locomoção da ralé), mas as propagandas que anunciam carros grandes e potentes, beberrões de gasolina e diesel na televisão continuarão povoando o imaginário, sendo adquiridos pelas classes abonadas e financiando ambientalismos. Individualmente poluem menos. Coletivamente, são um problema. Mas pensar coletivamente não está em nosso DNA como sociedade, né? Viva meu carro, dane-se o ônibus e o resto.
    O ritmo de destruição do meio foi acelerado para atender a consumidores, mas não a cidadãos. E vem cobrando um preço alto, cuja fatura será paga por aqueles que ainda são pequenos. A cidade está envolta em um bizarro chumaço escuro. É um modelo diferente de urbanidade que eu quero. Um em que não tenha que ficar angustiado por causa do pôr-do-sol estranhamente avermelhado. Trocar uma sociedade estritamente consumista, em que o “eu sou” se confunde com o que “eu tenho”, leva tempo. Talvez o meio ambiente não tenha esse tempo.
    Estamos morrendo aos poucos. E, agora, pagaremos todos para atestar isso.
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    Carta Denúncia Sobre a Conjuntura de São Paulo


    Sáb, 10 de Novembro de 2012 13:44
    Aos companheiros e companheiras da RECID
    Esta carta vem em meio a uma conjuntura massacrante de SP, estamos escrevendo para partilhar situações, episódios e encaminhamentos que temos tido ao longo destes últimos meses de modo especial.
    Em uma suposta guerra com uma possível facção criminosa, parte da Polícia Militar está envolvida numa onda de assassinatos que já fez dezenas de vítimas, elevou em quase 100% o índice de homicídios no Estado e aterroriza as periferias. As periferias que vem sendo citiadas, invadidas dia após dia, sem nenhuma explicação pertinente, a explicação que a nosso ver e de tantos outros movimentos não cabe que as comunidades (favelas) estão sendo ocupadas para manter a ordem e descobrirem que são os mandantes das cerca de 90 mortes dos policiais, porem não vemos o mesmo acontecer em prol das quase 1400 mortes oficiais de civis, dentre estes mais de 70% homens, jovens, negros e moradores de periferias.

    sexta-feira, 9 de novembro de 2012

    Polícia Militar mata à larga, como a repressão política na Ditadura


    71
    Revista Adusp Outubro 2012
    Polícia Militar mata à
    larga, como a repressão
    política na Ditadura
    Fausto Salvadori Filho
    Jornalista
    Ao ignorar recomendações da ONU e da sociedade civil para extinguir as Polícias
    Militares, o governo brasileiro evita mexer no modelo de “segurança pública” herdado
    do regime militar. O Ministério da Justiça prefere apostar no “estabelecimento de
    uma nova cultura policial”. Enquanto isso, persistem as execuções em larga escala,
    praticadas pelas PMs em sua guerra permanente contra um inimigo interno: ontem,
    os“subversivos”; hoje, os jovens pobres, geralmente negros ou mulatos, que habitam
    as periferias das grandes cidades e regiões metropolitanas
    Agência Estado
    Coletiva promovida para esclarecer execução de seis suspeitos pela Rota, em maio de 2012
    B r a s i l
    72
    Outubro 2012 Revista Adusp
    “A notícia é a pior possível”, disse
    o chefe dos enfermeiros. Ao entrar
    no Hospital Regional de Osasco,
    o eletricista Daniel Eustáquio de
    Oliveira, 50 anos, sabia apenas que
    seu filho, César Dias de Oliveira,
    20 anos, havia sido baleado quando
    voltava para casa dirigindo a motocicleta
    que comprara dez dias antes.
    Assim que ouviu as palavras do enfermeiro,
    porém, Daniel entendeu
    tudo. “Meu filho está morto”, disse.
    “Está”, confirmou o enfermeiro.
    Daniel começou a chorar. “Mas como?”,
    perguntou. “Cinco tiros”, foi
    a resposta. “Esses ladrões sem vergonha,
    além de tentar roubar meu
    filho, ainda mataram ele com cinco
    tiros”, desabafou. O enfermeiro o
    corrigiu: “Foi a polícia que matou
    seu filho”. Daniel parou de chorar
    na hora. Na saída, olhou para o grupo
    fardado de policiais militares na
    entrada do hospital e fez uma promessa:
    “Eu vou provar que vocês
    mataram um inocente”.
    No dia 1º de julho, o filho de Daniel
    e o amigo dele, Ricardo Tavares
    da Silva, também de 20 anos, que
    estava na garupa da moto, entraram
    para a lista de 182 pessoas mortas
    pela Polícia Militar na cidade de São
    Paulo nos sete primeiros meses do
    ano, período em que a Secretaria
    da Segurança Pública registrou um
    total de 907 homicídios. Os números
    mostram que, a cada cinco pessoas
    assassinadas no município, uma foi
    vítima da polícia. Denúncias de abusos
    envolveram várias destas mortes,
    entre elas a do publicitário Ricardo
    Prudente de Aquino, baleado após
    fugir de uma abordagem policial, em
    19 de julho. Três PMs foram presos
    pelo crime, que teve mais repercussão
    na mídia do que todos os demais,
    por envolver uma vítima que
    fugia ao padrão habitual de jovens
    negros e pobres da periferia.
    Na mesma época em que Daniel,
    os dois Ricardos e tantos outros
    eram mortos, o Conselho de Direitos
    Humanos da ONU aprovava a recomendação
    de abolir a Polícia Militar
    como forma de combater a violência
    do Estado brasileiro. Foi em 30 de
    maio, quando o Brasil passou pela
    Revisão Periódica Universal do
    Conselho, uma espécie de prova à
    qual todos os países são submetidos.
    Na ocasião, o governo da Dinamarca
    sugeriu “abolir o sistema separado
    de polícia militar” com o objetivo de
    “reduzir a incidência de execuções
    extrajudiciais pela polícia”1.
    É natural que um olhar estrangeiro
    se choque com a existência de
    uma PM como a que há no Brasil.
    “As polícias militares brasileiras têm
    por função manter a ordem e garantir
    a segurança interna, seu papel
    primordial é de proteção ao cidadão,
    e, portanto, a sua militarização não
    se justifica”, aponta Adriana Alves
    Locha, doutoranda em Sociologia
    pela FFLCH-USP e consultora do
    Banco Mundial para prevenção do
    crime e da violência em áreas urbanas.
    Ela lembra que, na maioria dos
    países democráticos, a segurança da
    população é um trabalho para civis:
    soldados e coronéis são usados para
    combater inimigos externos, não
    para policiar ruas. As polícias militares,
    quando existem, têm funções
    bem diferentes. Adriana cita o caso
    da Gendarmerie francesa, uma força
    nacional que lida com “atividades
    voltadas primordialmente ao controle
    de ameaças à segurança nacional
    (ataques terroristas, vigilância de
    fronteiras, proteção presidencial)”,
    que pode ser chamada para atuar na
    segurança interna, mas permanece
    “sempre subordinada à autoridade
    local, no caso, as prefeituras de polícia,
    que são civis e responsáveis pelas
    guardas municipais”. No Brasil,
    é o contrário: as polícias militares
    são consideradas forças auxiliares e
    reserva do Exército.
    Daniel de Oliveira
    Sônia Pinheiro
    73
    Revista Adusp Outubro 2012
    A recomendação do Conselho de
    Direitos Humanos da ONU foi ignorada
    pelo governo brasileiro, que
    não quer ouvir falar em polícia sem
    militares. “A solução para a questão
    apontada no relatório da ONU — redução
    da letalidade policial — não está
    vinculada à extinção de alguma das
    polícias existentes no Brasil, e sim ao
    estabelecimento de uma nova cultura
    policial, que, especificamente dentro
    da estrutura militar, perpassa uma série
    de fatores, desde a entrada desses
    policiais na corporação”, afirmou
    o Ministério da Justiça, em resposta
    à Revista Adusp. Não é uma postura
    nova. “As conferências nacionais de
    Direitos Humanos, em 2008, e de Segurança
    Pública, em 2009, também
    recomendaram a desmilitarização das
    polícias, mas este parece ser um ponto
    totalmente esquecido por nossos governantes”,
    afirma Adriana.
    O historiador André
    Rosemberg aponta
    uma das hipóteses que
    explicam o modelo
    militarizado de policiamento:
    “as relações de disciplina
    e hierarquia inerentes
    às instituições militares
    permitem um controle maior
    dos soldados, recrutados
    na mesma base social sobre
    a qual deveria recair a
    vigilância mais estreita”
    O esquecimento não estava nos
    planos da Rede Nacional de Familiares
    e Amigos de Vítimas da
    Violência do Estado, formada por
    entidades de combate à violência
    policial em São Paulo, Rio de Janeiro,
    Bahia, Minas Gerais e Espírito
    Santo, que decidiu usar a recomendação
    da ONU como mote para
    lançar uma campanha pela desmilitarização
    das polícias2. “Um dos
    principais entulhos do período escravocrata
    e, mais recentemente, da
    ditadura civil-militar, é a violência
    sistemática de agentes do Estado
    contra a nossa própria população”,
    afirma o texto da campanha, idealizada
    pelo grupo Mães de Maio.
    Da periferia saiu outra ação coletiva,
    a Campanha contra o Genocídio
    da Juventude Negra, reunindo
    grupos como o Fórum Municipal de
    Hip Hop e a Rede Nossa São Paulo,
    que faz a mesma denúncia. Gabriel
    di Pierro, da Nossa São Paulo, afirma
    que a PM ainda está estruturada
    para “cumprir a função social de
    controle da população mais pobre”
    e carrega uma cultura “profundamente
    violenta e muito pouco apropriada
    de valores democráticos”.
    O atual modelo de policiamento,
    que passou intacto por mais de
    duas décadas de governos democráticos,
    foi implantado pela Ditadura
    Militar como parte do aparelho repressivo
    destinado a eliminar os inimigos
    do regime. O policiamento à
    brasileira, contudo, sempre enfrentou
    uma divisão em duas instâncias,
    uma civil e outra militar, que
    remonta ao período regencial. Segundo
    o historiador André Rosemberg,
    da Unesp, que pesquisou em
    seu doutorado a história da polícia
    no Império, uma das hipóteses que
    explicam a emergência e a força de
    um modelo militarizado de policiamento
    afirma que “as relações de
    disciplina e hierarquia inerentes às
    instituições militares permitem um
    controle maior dos soldados, recrutados
    da mesma base social sobre a
    qual deveria recair a vigilância mais
    estreita”.
    A primeira versão da polícia militar
    paulista nasceu em 1831, com
    o nome de batismo de Guarda Municipal
    Permanente. A corporação
    receberia outros nomes nos anos
    seguintes, como Corpo Policial Permanente
    e Força Pública, antes se
    tornar a Polícia Militar do Estado
    de São Paulo, em 1970. A vinculação
    da polícia paulista ao Exército
    começou nos anos 30, como uma
    estratégia do governo Getúlio Vargas
    para colocar a Força Pública
    paulista sob seu comando e usá-las
    para reprimir os movimentos que
    se opunham ao seu governo. A militarização
    da segurança iria chegar
    ao auge na ditadura seguinte, instituída
    em 1964, que deu mais poderes
    às PMs ao mesmo tempo em
    que as colocava sob o guarda-chuva
    do Ministério do Exército. O ciclo
    se completou em 1969, com um
    decreto-lei do governo federal que
    tirou das ruas as Guardas Civis, ao
    declarar que o policiamento ostensivo
    fardado passaria a ser exclusivo
    dos policiais militares3.
    No livro Rota 66, o jornalista
    Caco Barcellos recorda como foi o
    impacto da chegada dos novos PMs
    às ruas do seu bairro, em Porto Alegre,
    nos anos 1970. “Os suspeitos,
    antes perseguidos de forma injusta
    [pelas Guardas Civis], agora muitas
    74
    Outubro 2012 Revista Adusp
    vezes eram mortos sem chance ou
    direito de defesa. Não só no meu
    bairro pobre, mas também na periferia
    de todas as grandes cidades
    do país.”
    Criada como um dos braços do
    aparelho repressivo da ditadura, a
    Polícia Militar viria a atuar contra
    tudo que pudesse ser considerado
    inimigo, fossem militantes de
    esquerda, estudantes ou operários
    em greve — caso de Santo Dias da
    Silva, morto com um tiro nas costas
    por um PM em agosto de 1979, dois
    meses após o presidente Geisel editar
    a Lei de Anistia, que marcaria o
    começo do fim do regime militar.
    A redemocratização
    preservou até uma unidade
    como a Rota, que até
    hoje tem como função
    “a execução de ações de
    controle de distúrbios
    civis e de contra-guerrilha
    urbana e, supletivamente,
    ações de policiamento
    motorizado” (Decreto
    44.447/1999)
    O regime chegou ao fim, mas a
    máquina de eliminar inimigos da
    PM manteve-se intocada. A redemocratização
    preservou até uma
    unidade como as Rondas Ostensivas
    Tobias de Aguiar, a Rota, que
    até hoje tem como função, pela
    letra da lei, “a execução de ações
    de controle de distúrbios civis e de
    contra-guerrilha urbana e, supletivamente,
    de ações de policiamento
    motorizado”, conforme o Decreto
    44.447/1999. A atuação no período
    ditatorial é motivo de orgulho
    para o batalhão, que, em seu site,
    vangloria-se de ter feito o “combate
    à guerrilha urbana que atormentava
    o povo paulista”.
    Com os novos tempos, contudo,
    era hora de buscar outros inimigos,
    sem deixar de lado as práticas recorrentes
    de torturas e execuções
    sumárias. “Na Ditadura, a polícia
    adotou a estratégia de combate ao
    inimigo interno, baseado na doutrina
    de segurança nacional. Com a
    redemocratização, a lógica de guerra
    interna foi redirecionada para
    o jovem pobre e negro das periferias”,
    conta o historiador Danilo
    Dara, do grupo Mães de Maio.
    Quando a lógica militar penetra
    no policiamento, os agentes passam
    a pensar mais em termos de inimigos
    a serem destruídos do que em
    garantir a segurança de uma comunidade.
    Daí que as mortes de suspeitos,
    em vez de serem exceções,
    passam a ser a regra e podem até
    ser exibidas como troféu. Há PMs
    que fizeram carreira política divulgando
    o número de suas vítimas,
    como o coronel Ubiratan Guimarães,
    que adotou os 111 homicídios
    da chacina do Carandiru como seu
    número de campanha, ou o capitão
    Conte Lopes, da Rota, que dizia ter
    mais de 100 mortes no currículo.
    Mais recentemente, o tenente-coronel
    da Rota Paulo Telhada, com
    36 mortes assumidas, candidatou-se
    a vereador pelo PSDB. Quando a
    morte passa a ser motivo de orgulho,
    abre caminho para que cada
    homicídio praticado pela PM seja
    considerado legítimo, mesmo com
    provas em contrário.
    Daniel Eustáquio teve um contato
    direto com essa lógica militarizada
    de segurança naquele 1º de julho,
    quando saiu do hospital diretamente
    para o local onde seu filho havia sido
    morto, na Vila Dalva, zona oeste de
    PM aborda motoboy em São Paulo (maio de 2006)
    Agência Estado
    75
    Revista Adusp Outubro 2012
    São Paulo. Ali, perguntou ao policial
    responsável o que havia acontecido.
    “Segundo a guarnição responsável
    pela ocorrência, os dois meliantes
    vinham descendo com a moto. A
    guarnição abriu a sirene e eles empreenderam
    fuga. O garupa começou
    a atirar e o piloto, que é seu
    filho, perdeu o controle da moto,
    saiu capotando e levantou atirando”,
    respondeu o PM. “Eu olhei bem para
    ele, calmo, sem chorar, sem nada,
    do jeito que estou conversando com
    você agora”, conta Daniel, com uma
    segurança que impressiona, como
    deve ter impressionado o policial
    que o ouviu naquela manhã. “Falei
    para ele: ‘Eu não sou perito, sou só
    um eletricista, mas você não acha
    que tem algo errado nessa cena? Em
    primeiro lugar, vocês estão falando
    que meu filho capotou. Me mostra
    um arranhão na moto’. O PM olhou
    para mim, olhou para a moto, não
    tinha nada. Continuei. ‘Em segundo
    lugar, se meu filho tivesse caído da
    moto, teria marca de frenagem da
    moto e da viatura. Não tem. Eu vi
    o corpo dele e não tem um hematoma,
    só os tiros. Outra: os meninos
    tomaram tiro do lado esquerdo e no
    peito. Por que as cápsulas que os policiais
    atiraram estão todas do lado
    direito da moto?’ O policial olhou
    para mim, olhou para a cena, chegou
    bem pertinho de mim e falou:
    ‘Realmente, tem muita coisa errada
    aqui. Os policiais fizeram merda.’”
    Nos primeiros anos após o fim da
    ditadura, alguns governadores que
    haviam participado da resistência ao
    regime ditatorial tentaram romper
    com a lógica do aparelho repressivo
    que agora passavam a comandar.
    Foi o caso de Leonel Brizola, no
    Rio de Janeiro, que, em seus dois
    mandatos (1983-1986 e 1991-1994),
    proibiu a PM de invadir barracos de
    favelas sem mandado judicial, criou
    um Conselho de Direitos Humanos
    e Justiça e buscou diminuir a repressão
    sobre manifestações populares,
    greves e passeatas.
    A tentativa brizolista de conciliar
    segurança e outros direitos humanos
    foi bombardeada por vários
    setores da mídia e acabou sepultada
    de vez pela gestão Marcelo
    Allencar (1995-1999), que criou a
    “gratificação faroeste”, prêmio de
    bravura concedido para policiais
    envolvidos em ações violentas. A
    derrota foi reconhecida por Carlos
    Magno Nazareth Cerqueira, comandante
    geral da PM no governo
    Brizola: “É certo que falhamos.
    Agência Estado
    Mortos do Carandiru (1992): impunidade completou 20 anos
    76
    Outubro 2012 Revista Adusp
    Não conseguimos implantar o modelo
    democrático que defendíamos
    (...) não conseguimos fazer a polícia
    entender que a sua principal tarefa
    era prender e não matar”4.
    Em maio de 2006, o Estado
    paulista comandou suposta
    reação aos ataques do PCC,
    que haviam matado 43
    agentes públicos. A reação da
    PM e grupos de extermínio
    elevou para 493 o número de
    mortos: o regime democrático
    podia, em nove dias, matar
    tantas pessoas quanto a
    Ditadura em duas décadas
    São Paulo enfrentou o mesmo
    fracasso quando tentou mexer com
    o legado da Polícia Militar, durante
    os governos de Franco Montoro
    (1983-1987) e Mário Covas (1995-
    1999 e 1999-2001). Montoro apresentou
    uma proposta de reforma
    da PM prevendo a extinção da Rota,
    que não foi adiante, e criou um
    programa que buscava coibir a violência
    policial, ao afastar por seis
    meses os policiais envolvidos em
    ocorrências com morte. Após o governo
    Luiz Antonio Fleury Filho
    (1991-1995) promover uma escalada
    da violência policial que desembocaria
    no massacre do Carandiru
    (vide p. 79), Covas retomou as políticas
    de Montoro e ainda criou um
    projeto de emenda constitucional
    que pregava o fim da Polícia Militar,
    na esteira da repercussão do
    episódio da Favela Naval. Covas
    morreu em 2001, e junto com ele os
    governos tucanos enterraram a busca
    por uma polícia democrática.
    A execução de 12 pessoas numa
    emboscada da rodovia Castelinho,
    um ano após a morte de Covas,
    marcou uma guinada na política de
    segurança pública tucana, a ponto
    de levar o secretário de Segurança
    Pública do governo Covas, José
    Afonso da Silva, a fazer um desabafo
    que lembra o do seu colega
    brizolista. “A nossa era uma política
    de segurança democrática, o que
    significava o respeito aos direitos
    fundamentais da pessoa humana.
    Depois a política tomou outro rumo,
    especialmente no que tange à
    ação da Polícia Militar”5.
    O “outro rumo” tomado pela política
    de segurança paulista chegou
    ao seu nível mais brutal em maio de
    Ana Maria, viúva de Santo Dias, no enterro do operário (1979)
    Agência Estado
    77
    Revista Adusp Outubro 2012
    2006, quando o Estado comandou
    uma suposta reação aos ataques da
    facção criminosa Primeiro Comando
    da Capital (PCC), que haviam matado
    43 agentes públicos. A reação da
    polícia e dos grupos de extermínio
    elevou para 493 o número de mortos,
    revelando que o regime democrático
    podia, em nove dias, matar tantas
    pessoas quanto a Ditadura Militar
    em duas décadas (tomando-se como
    referência o número de mortos e desaparecidos
    políticos reconhecidos
    oficialmente até agora). Boa parte da
    opinião pública se mostrou favorável
    ou indiferente aos crimes, por considerá-
    los uma reação necessária contra
    o PCC, o monstro do momento.
    Nem todo mundo se lembrou
    de que o Estado havia participado
    da gênese do monstro, ao estimular
    a política de encarceramento em
    massa sem resolver os problemas de
    abusos nos presídios, que deram ao
    PCC a força necessária para se legitimar
    entre os presos, como afirma o
    relatório “São Paulo Sob Achaque”,
    produzido em 2011 pela Clínica Internacional
    de Direitos Humanos da
    Faculdade de Direito de Harvard em
    parceria com a ong Justiça Global.
    Os crimes de maio de 2006 revelam
    de novo a PM agindo com uma
    lógica de Exército em plena guerra,
    buscando causar o maior número
    possível de baixas no que considera
    ser o campo inimigo. No dia em que
    seu filho Edson Rogério, um gari
    de 29 anos, foi assassinado, Débora
    Maria havia recebido um aviso de
    um parente policial militar: naqueles
    dias, quem ficasse “de bobeira
    na rua” seria considerado inimigo
    da polícia. Por ser trabalhador, seu
    filho não se importou com o aviso,
    achando que não tinha o que temer.
    Depois que ele foi morto, Débora
    se juntou a outras mães de vítimas
    da violência policial e criou o grupo
    Mães de Maio para lutar por justiça.
    Uma luta difícil, já que há uma
    série de obstáculos para punir os crimes
    praticados pelos policiais. “Temos
    pouco controle sobre as nossas
    polícias”, afirma Adriana. Existem as
    corregedorias, que podem punir os
    policiais mas não têm independência,
    e há as ouvidorias, que têm independência
    mas não poder de punição.
    Até 1996, os PMs eram julgados
    apenas por seus pares, na Justiça militar,
    até em casos de homicídio doloso
    (com intenção). Uma lei transferiu
    para a justiça comum o julgamento
    por esses crimes, mas ainda restam
    privilégios. Quando um PM mata alguém
    em serviço, o crime não é registrado
    como homicídio, mas como
    “resistência seguida de morte”, uma
    categoria em que, mesmo antes de
    qualquer investigação, o policial aparece
    como vítima e o morto, como
    indiciado. Além de contaminar a investigação,
    a categoria também afeta
    os processos, que vão para as varas
    criminais comuns, em vez de seguir
    para o Tribunal do Júri, como qualquer
    homicídio doloso. Em 2007, um
    relatório da ONU sobre execuções
    extrajudiciais no Brasil sugeriu que
    o Brasil abandonasse o registro das
    resistências, consideradas uma “carta
    branca” para os abusos da polícia.
    Mas esta recomendação (também)
    foi ignorada.
    Daniel chegou a uma
    testemunha-chave que contou
    ter visto César e o amigo
    serem executados pela PM,
    enquanto gritavam: “Pelo
    amor de Deus, me socorre
    que eu não sou bandido, não
    me deixa morrer”. Só então,
    seis PMs acusados pelos
    assassinatos foram presos
    Nos últimos anos, o Brasil parece
    estar avançando ainda mais
    na mistura de militarização com
    segurança pública e até outros setores.
    O governo Lula sancionou
    em 2010 uma lei que atribui poder
    Em 2001, coronel Ubiratan, que comandou massacre do Carandiru, desfila com farda de 1932
    Agência Estado
    78
    Outubro 2012 Revista Adusp
    de polícia aos militares, que agora
    podem revistar pessoas, veículos e
    embarcações e prender pessoas suspeitas
    em áreas de fronteira6. No
    Rio de Janeiro, a implantação das
    Unidades de Polícia Pacificadoras
    (UPPs) tornou-se a principal ferramenta
    da política de segurança. Em
    São Paulo, a gestão Gilberto Kassab
    chamou oficiais reformados da PM
    para administrar as 31 suprefeituras
    e a maior parte das chefias de gabinete,
    além de atuar em órgãos tão
    diferentes como o Departamento
    de Transportes Públicos, a Defesa
    Civil e até o Serviço Funerário. Enquanto
    a militarização ganha cada
    vez mais força, discussões sobre outros
    modelos de segurança parecem
    esquecidos do debate público.
    Quem não se esquece são os
    pais, as mães e os filhos das vítimas
    da violência policial. Organizandose
    como podem, sozinhos ou em
    grupo, eles se movimentam e já
    conquistam suas primeiras vitórias.
    Após seis anos de luta, a mãe de
    maio Débora conseguiu que o Instituto
    Médico Legal de São Paulo
    fizesse a exumação do corpo de seu
    filho, atendendo a um pedido do Ministério
    Público. A exumação revelou
    que Edson havia sido enterrado com
    uma das balas ainda no corpo, mostrando
    que houve falhas na investigação
    do homicídio. É uma vitória
    parcial, que serve para fortalecer a
    proposta das Mães de Maio de federalizar
    a investigação desses crimes.
    Enquanto isso, vendo que as investigações
    da polícia sobre a morte
    de seu filho não pareciam promissoras,
    Daniel pediu licença do emprego
    por 45 dias e passou a conduzir suas
    próprias investigações, que, entre outras
    provas, chegaram a uma testemunha-
    chave que contou ter visto
    Ricardo e César serem executados
    pela PM, enquanto gritavam “Pelo
    amor de Deus, me socorre que eu
    não sou bandido, não, não me deixa
    morrer”. “Ela aceitou depor porque,
    quando tinha 12 anos, a polícia
    matou o irmão dela”, conta Daniel.
    O esforço do pai foi recompensado
    com a prisão de seis policiais militares
    acusados pela morte dos dois meninos.
    “A polícia não tem o direito de
    matar. Existe cadeia para quê, existe
    justiça para quê?”, pergunta o pai,
    que hoje leva uma tatuagem com um
    retrato do filho no antebraço direito,
    em cima da inscrição “Meu Herói”.
    Notas
    1 United Nations. Draft report of the Working Group on
    the Universal Periodic Review - Brazil. http://www.
    upr-info.org/IMG/pdf/a_hrc_wg.6_13_l.9_brazil.pdf
    2 Desmilitarização das polícias do Brasil. http://www.
    avaaz.org/po/petition/Desmilitarizacao_das_Policias_
    do_Brasil
    3 NEME, Cristina. “A Instituição Policial na Ordem Democrática:
    o caso da Polícia Militar do Estado de São
    Paulo”. FFLCH-USP. São Paulo, 1999.
    4 CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. O futuro de uma
    ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro:
    Freitas Bastos Editora, 2001.
    5 Revista Adusp 38, p. 68, 2006
    6 SOUZA, Luís Antônio Francisco de. “A militarização da segurança”.
    Le Monde Diplomatique Brasil. Março, 2012.
    Mortos de Eldorado dos Carajás (1996)
    Ari Souza/Agência Estado
    79
    Revista Adusp Outubro 2012
    Crimes das PMs brasileiras
    23/4/1975 – Rota 66: Três estudantes são mortos por PMs da Rota, que adulteram a cena do crime para
    incriminar as vítimas. Mesmo com a descoberta da fraude, a Justiça Militar absolveu todos os acusados.
    30/10/1979 - Santo Dias: Operário e militante da Pastoral Operária, Santo Dias da Silva é morto com
    um tiro nas costas por um PM enquanto distribuía panfletos convocando operários para uma greve.
    26/7/1990 - Acari: 11 adolescentes são sequestrados e desaparecem na Baixada Fluminense. Investigações
    apontaram a participação de policiais, mas ninguém foi preso e o crime prescreveu em 2010. A tragédia
    deu origem ao grupo Mães de Acari, que teve uma integrante morta em 1993.
    2/10/1992 – Carandiru: durante uma rebelião sem reféns, a PM invade o Pavilhão 9 da Casa de Detenção,
    em São Paulo, e mata 111 presos, vários deles com sinais de execução. O comandante da ação, coronel
    Ubiratan Guimarães, acabou absolvido e elegeu-se deputado estadual. Novo júri, com outros réus, está
    marcado para 2013.
    23/8/1993 – Candelária: sete meninos e um adolescente são mortos enquanto dormiam sob uma marquise
    no centro do Rio. Três PMs foram condenados pelo crime.
    30/8/1993 – Vigário Geral: PMs de um grupo de extermínio, os Cavalos Corredores, matam 21 moradores da
    comunidade, no Rio de Janeiro, em retaliação pela morte de quatro colegas. Sete policiais foram condenados.
    9/8/1995 – Corumbiara: Durante reintegração de posse de fazenda ocupada por trabalhadores rurais
    sem-terra, PM de Rondônia e jagunços matam 12 pessoas.
    17/4/1996 – Eldorado dos Carajás: Mandada para desocupar estrada ocupada por militantes do Movimento
    dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), tropa da PM do Pará mata 19 pessoas a tiros e golpes
    de facão. Os dois oficiais PMs responsáveis pela ação, Mário Colares Pantoja e José Maria Pereira de Oliveira,
    foram condenados.
    3/3/1997 – Favela Naval: Durante blitz em Diadema (SP), o soldado PM Otávio Lourenço Gambra, o
    Rambo, mata a tiros o conferente Mário José Josino. A cena foi filmada e exibida no Jornal Nacional, estimulando
    debate sobre desmilitarização da PM. Rambo foi preso e condenado.
    31/3/2005 – Baixada Fluminense: Grupo mata 30 pessoas em diferentes pontos de Nova Iguaçu e Queimados,
    na maior chacina da história do Estado. Sete PMs foram acusados pelo crime.
    5/2006 - Crimes de Maio: Numa reação a ataques do PCC, grupos de extermínio formados por PMs
    praticam execuções aleatórias em São Paulo e outras cidades, que fazem número de mortos chegar a 493
    em nove dias.
    2006 – Matadores do 18: Grupo de extermínio formado por policiais do 18º Batalhão, na zona norte de
    São Paulo, é responsabilizado pela morte de 17 pessoas, entre elas o tenente-coronel PM José Hermínio
    Rodrigues, que investigava os crimes.
    27/6/2007 – Complexo do Alemão: “Megaoperação policial” na comunidade termina com 19 mortos.
    Relatório da Secretaria de Direitos Humanos apontou sinais de execução em pelo menos seis deles.
    11/8/2011 – Juíza Patrícia Acioli: Magistrada que investigava o crime organizado é assassinada com 21
    tiros em Niterói (RJ). Investigações apontaram o envolvimento de 11 PMs, entre eles o então comandante
    do Batalhão de São Gonçalo, tenente-coronel Cláudio Luiz Silva.
    12/9/2012 – Várzea Paulista: PM invade chácara e mata nove pessoas que estariam participando de um
    “tribunal do crime” organizado pelo PCC para julgar um suspeito de estupro. Entre os mortos, a vítima do
    tribunal. Segundo o governador Geraldo Alckmin, “quem não reagiu está vivo”.

    Arcebispo de Cantuária: "Meu sucessor precisa de um jornal em uma mão e uma Bíblia na outra"


    Últimas Notícias

    Arcebispo de Cantuária: "Meu sucessor precisa de um jornal em uma mão e uma Bíblia na outra"

    COMUNHÃO ANGLICANA NEWS SERVICE
    7 de novembro, 2012 - 
    ACNS
    Canadenses ACC-15 delegados com o arcebispo de Canterbury: LR Dean Peter Elliott, Bispo Sue Moxley, o arcebispo Rowan Williams, Suzanne Lawson.
    Arcebispo de Canterbury Rowan Williams, disse hoje que o seu sucessor ia ter para mapear a visão bíblica da humanidade e da comunidade para as piores situações na sociedade.Falando na conferência de imprensa final, após o final do Conselho Consultivo Anglicano na Nova Zelândia, o Arcebispo Williams disse que os assuntos discutidos na reunião - incluindo mudanças ambientais e acabar com a violência doméstica - ". realmente perguntas sobre o tipo de humanidade que estamos procurando promover e servir, que é uma questão profundamente cristã" foram Ele disse que pensou que quando as pessoas estavam sondando a igreja em certas questões, eles realmente estavam perguntando como a Igreja poderia ajudá-los a "ser realmente humano". "Acreditamos que, como igreja, temos recursos inigualáveis ​​para enriquecer a humanidade dessa maneira."





    Em resposta a uma pergunta sobre o que as qualidades do próximo arcebispo de Canterbury precisa ter, ele citou Karl Barth, que ele descreveu como "o maior teólogo do século 20." "Eu acho que foi colocado muito bem por um teólogo do século passado que disse: "Você tem que pregar com uma Bíblia em uma mão e um jornal na outra". "Você tem que ter referência cruzada o tempo todo e dizendo: 'Como é que a visão da humanidade e da comunidade que é colocado diante de nós no Bíblia mapa para estas questões da pobreza, da privação, violência e conflito? " E você tem que usar o que você lê no jornal para solicitar e dirigir as perguntas que você colocar a Bíblia: 'Onde é que isto vai me ajudar' "Então, [a respeito das qualidades de seu sucessor] Eu acho que alguém que gosta de ler a Bíblia e gosta de ler jornais seria um bom começo! " Nesta última conferência de imprensa sempre como o presidente da ACC, o arcebispo de Canterbury também disse à imprensa que reuniu os membros da ACC teve "um casal realmente muito notavelmente construtiva de semana juntos. " Em resposta a perguntas da imprensa sobre o progresso que o ACC fez mais de seu tempo em Santo Auckland Catedral da Trindade, Abp Williams mencionou, entre outros temas, a resolução sobre os protocolos para o testemunho cristão em um mundo plural. A resolução foi aprovada pelo ACC naquela manhã. "Nós não manipular, não intimidar, não minar, tentamos dialogar, e teria sido bom ter pouco mais de tempo para ancorar que, em situações específicas ... mas todo mundo sabe das dificuldades em certas situações, na Nigéria, no Sri Lanka, onde a igreja é contra oposição muito violento às vezes. Mas mesmo assim, queria afirmar esses princípios. " Ele disse que o padrão da ACC reunião, realizada entre 27 de Outubro e hoje (07 de novembro) tinha sido sobre a elaboração de uma "imagem política para a Comunhão, bem como um trabalho bastante intensivo de onde vai ser prático em regiões e nações."
     

    quinta-feira, 8 de novembro de 2012

    GENOCIDIO - movimentos exigem demissão do Secretário da Segurança Pública e do Comandante da PM paulista


    Movimentos exigem demissão do Secretário Segurança Pública e do Comandante da PM Paulista

    Após os últimas ações violentas da PM que acabaram com a morte de 2 jovens motoboys negros e de muita pressão dos movimentos negros e sociais, a Comissão de Direitos Humanos realizou na tarde desta quarta-feira, 09/06, uma audiência pública sobre com o tema: “Violência Institucional e o Estado Racista: as ações das polícias no estado de São Paulo”. O atividade, que teve grande participação popular, foi acompanhada também por militantes da UNEafro de diversas regiões (Parque São Rafael, Zona Sul, Zona Norte, Santa Isabel, Poá e Mogi das Cruzes).

    A Frente Parlamentar de Promoção Social e Igualdade Racial e dezenas de movimentos, tais como MNU, Tribunal popular, Circulo Palmarino, CONEN, UNEGRO, entre outros, também estiveram presentes. Entre as personalidades presentes, Hélio Bicudo que apontou a impunidade como grande obstáculo a ser enfrentado. Para ele, “esse fato, e também o julgamento de crimes cometidos por policiais pelo Tribunal de Justiça Militar, contribui para o aumento no número de casos de violência cometidos pela polícia”.

    O coronel Luiz Castro Júnior, chefe da diretoria de polícia comunitária de São Paulo representou o Governo de SP e destacou que a Polícia Militar está aberta às apurações, destacando o efetivo trabalho da Corregedoria da PM, que vem apurando os casos em que há participação de policiais.

    Milton Barbosa, representante do Movimento Negro Unificado, destacou avanços na luta contra a impunidade: "É importante perceber que estamos avançando na luta pela garantia de direitos, aprofundando a democracia em nosso país. Apesar de todo o cerco que nos fazem, estamos sim avançando em nível nacional".

    Douglas Belchior, membro do Conselho Geral da UNEafro, fez a leitura formal do documento apresentado pelos movimentos. Para ele a reação contra a violência (acrescida do preconceito racial) já teve início. Ressaltou a articulação dos movimentos negros com as forças sindicais, visando denunciar crimes de violência cometidos por quem deveria defender a sociedade. Belchior denunciou ainda que, mesmo com a repercussão recente dos casos de morte de dois motoboys por policiais militares, o governo estadual se recusou a dialogar com os movimentos sociais.

    Ainda de acordo com Douglas Belchior, diversas medidas poderiam contribuir para a reversão do atual quadro: a instituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das polícias, a desmilitarização e unificação das polícias e a instituição de grupos de trabalho temáticos.

    Diversos representantes de movimentos sociais relataram casos de violência cometidos por policias, dentre eles, o movimento Mães de Maio, que é formado por familiares de pessoas que foram mortas pela PM no ano de 2006.

    Estiveram presentes também os deputados José Augusto (PSDB), Maria Lúcia Prandi (PT), o ex-deputado estadual Renato Simões, o deputado Raul Marcelo (PSOL), Adriano Diogo (PT), Fausto Figueira (PT), Olimpio Gomes (PDT), Maria Lúcia Prandi (PT), além do presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado José Candido (PT).










    TEXTO INICIAL DO DOSSIE ENTREGUE À COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS DA ALESP
    09 de junho de 2010
    À
    Comissão Especial de Direitos humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo;
    Senhores(as) Deputados(as);
    Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo;
    Gabinete do governador do Estado de São Paulo Engº Alberto Goldman.


    Prezados Deputados e Deputadas,


    As organizações do Movimento Negro, Movimentos Sociais do Campo e da Cidade, Cursinhos Comunitários, Sindicatos, Associações e demais grupos organizados que a esta subscreve, apresentam este documento, síntese de nossa indignação e revolta diante da barbárie a qual a população negra de São Paulo é submetida. Não bastassem as mazelas sociais que afligem historicamente esta população por meio do subemprego, do desemprego, da falta de moradia, dos serviços precários de saúde e educação, da falta de oportunidades e do desumano e permanente preconceito e discriminação racial em todo e qualquer ambiente social,

    Herança do trato escravocrata, o Estado e suas policias mantém uma atuação coercitiva, preconceituosa e violenta dirigida a população negra. Desrespeito, agressões, espancamentos, torturas e assassinatos são práticas comuns destas instituições. Comuns nos mais de 350 de escravidão. Comuns na pós-abolição. Comuns nos períodos de ditaduras. Comuns em nossos dias.

    Apesar de deter uma Constituição reconhecida internacionalmente pela valorização à cidadania e aos diretos humanos, bem como de ser signatário de diversos tratados, convenções e pactos internacionais de defesa dos direitos humanos e de combate a todos os tipos de preconceito, discriminação e racismo (entre elas a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil 1969; O Pacto internacional sobre direitos civis e políticos, ratificado pelo Brasil em 1992; e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992), o Estado Brasileiro, ao contrário de fomentar a prática dos Direitos Humanos, coloca-se como agente violador e promotor da violência e da morte.
    Entendemos que, por conta da permanente prática de violações, do descaso e até de estímulo a ações violentas vindas das autoridades do Estado de São Paulo, apresentam-se condições jurídicas para que as vítimas, seus familiares e as organizações representativas dos movimentos sociais inquiram uma vez mais esta casa legislativa exigindo providências contra a violência que tem destruído centenas de vidas, em sua maioria de jovens negros.
    Um País que quer ser protagonista e mesmo árbitro das grandes questões internacionais não pode permitir constantes violações de sua própria Constituição e a legislação internacional. Acima de tudo, um país comprometido com a justiça e com o direito humanos, não pode patrocinar o etnocídio de uma população, como tem feito.

    Do histórico recente

    Em Maio de 2006, o estado de São Paulo vivenciou um dos episódios mais emblemáticos da situação de violência contra negros e pobres: policiais e grupos paramilitares de extermínio ligados à PM promoveram um dos mais vergonhosos escândalos da história brasileira. Em “resposta” ao que se chamou na grande imprensa de "ataques do PCC", foram assassinadas, ao menos, 500 pessoas - que hoje constam entre mortas e desaparecidas. A maioria delas, jovens negros, afro-indígenas e pobres – executadas sumariamente sem qualquer possibilidade de defesa.

    Conforme relatório da Organização das Nações Unidas para execuções sumárias e extrajudiciais, apresentado à ONU em maio de 2008, os policiais militares e civis brasileiros matam em serviço e fora de serviço. Porém nenhuma investigação é feita em relação ao pretexto para a execução, isto é, o suposto confronto. Os casos são classificados de "Resistência Seguida de Morte" ou "Auto de Resistência", e a investigação se concentra na vida do morto. Sabe-se que os policiais são preparados prática e ideologicamente para matar. Por outro lado, os movimentos negros, movimentos sociais e sindicais que têm se organizado para a defesa dos direitos, vêm sendo violentados e perseguidos em constantes campanhas de criminalização.

    O citado relatório da ONU, assinado por Dr. Philip Alston, em Missão ao Brasil, diz textualmente;

    “O Brasil tem um dos mais elevados índices de homicídios do mundo, com mais de 48.000 pessoas mortas a cada ano. Os assassinatos cometidos por facções, internos, policiais, esquadrões da morte e assassinos contratados são, regularmente, manchetes no Brasil e no mundo. As execuções extrajudiciais e a justiça dos vigilantes contam com o apoio de uma parte significativa da população que teme as elevadas taxas de criminalidade, e percebe que o sistema da justiça criminal é demasiado lento ao processar os criminosos. Muitos políticos, ávidos por agradar um eleitorado amedrontado, falham ao demonstrar a vontade política necessária para refrear as execuções praticadas pela polícia.

    Essa atitude precisa mudar. Os Estados têm a obrigação de proteger os seus cidadãos evitando e punindo a violência criminal. No entanto, essa obrigação acompanha o dever do Estado de garantir o respeito ao direito à vida de todos os cidadãos, incluindo os suspeitos de terem cometido crimes. Não existe qualquer conflito entre o direito de todos os brasileiros à segurança e à liberdade em relação à violência criminal, tampouco o direito de não ser arbitrariamente baleado pela polícia. O assassinato não é uma técnica aceitável nem eficaz de controle do crime.”

    No ano de 2008, em São Paulo, foram atribuídos a “resistência seguida de morte” 431 homicídios. Entrevistada pelo Jornal Brasil de Fato, a advogada do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos, Marcela Fogaça Vieira, disse que:

    “tudo é feito de forma a ajudar os policiais assassinos a ficarem impunes. O maior problema está no boletim de ocorrência feito pelos próprios policiais como “resistência seguida de morte” ou “auto de resistência”, justamente pelo fato de que são invertidos os papéis; os policiais figuram como vítimas do crime de resistência, enquanto a pessoa que morreu figura como indiciado e não como vítima de homicídio. Ou seja, o homicídio praticamente desaparece e como o ‘indiciado’ está morto, o inquérito policial é frequentemente arquivado”.

    No final do ano de 2009 a Human Rights Watch, ONG internacional de direitos humanos, divulgou relatório dando conta de que a execução extrajudicial de suspeitos se tornou um dos flagelos das polícias no Brasil, em especial no Rio de Janeiro e em São Paulo.

    Divulga
    do no último dia 26 de Maio/10, o Relatório Anual sobre Direitos Humanos da Anistia Internacional, em sua edição 2010, registrou críticas veementes a cerca da violência policial no Brasil. Os dados do relatório são referentes ao ano de 2009.

    Entre alguns dos casos citados no relatório ligados à violência policial, a Anistia criticou estratégias específicas, como a “Operação Saturação”, da polícia paulista, que prevê a ocupação de comunidades por longos períodos com justificativa no combate ao narcotráfico - em especial, a ocorrida no Jardim Paraisópolis, bairro da zona Sul de São Paulo, em fevereiro de 2009. Segundo a entidade, houve registro de queixas por membros da comunidade de uso excessivo de força, intimidações, revistas arbitrárias e abusivas, extorsão e roubo por parte dos policiais.

    Conflitos armados por terra, violação de direitos de trabalhadores e de povos indígenas, despejos forçados e políticas de limpeza em favelas (especialmente no Estado de São Paulo) também foram citados.

    Ainda mais recente, o comunicado da ONU, datado de 1º de Junho de 2010, sacramenta o estado de barbárie vivida pela população brasileira, em especial negros e negras. O professor Philip Alston, Relator Especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, registrou:

    "O dia-a-dia de muitos brasileiros, especialmente aqueles que vivem em favelas, ainda é vivido na sombra de assassinatos e violência de facções criminosas, milícias, esquadrões da morte e da polícia..”

    O Relatório de Seguimento levanta dados sobre o progresso que o Brasil tem feito para reduzir mortes pela polícia desde a sua visita ao país, em 2007.

    "Atualmente, a situação não mudou dramaticamente. A polícia continua a cometer execuções extrajudiciais em taxas alarmantes, e eles geralmente não são responsabilizados por isso."

    "Autos de Resistência continuam a uma taxa muito grande", disse ele, referindo-se mortes causadas pela polícia que são depois relatadas como tendo ocorrido em auto-defesa. "Houve pelo menos 11 mil mortes registradas como ‘resistência seguida de morte’ em São Paulo e no Rio de Janeiro entre 2003 e 2009. As evidências mostram claramente que muitas dessas mortes na realidade foram execuções. Mas a polícia imediatamente as rotula de ‘resistência’, e eles quase nunca são seriamente investigados. O Governo ainda não acabou com esta prática abusiva”.

    “resistências seguidas de morte” aumentaram em São Paulo desde 2007. Ele pediu ao Brasil para "abolir esta categoria que permite uma licença para atirar para a polícia, e para investigar esses assassinatos como quaisquer outras mortes."
    Do Estado Penal e Policial e a “Resistência Seguida de Morte”

    Trata-se de um Estado Policial e Penal, extremamente habituado a policiar, julgar, condenar e punir uma ampla parcela de seus cidadãos e cidadãs, sobretudo a maioria mais pobre e negra. Um Estado célere para praticar prisões preventivas e manter presas, sem julgamento, pessoas que na maior parte das vezes cometeram (ou supostamente cometeram) pequenos delitos.

    Um Estado que aplica para esses crimes e para os praticantes do pequeno comércio de drogas, denominado de "crime hediondo", penas colossais.

    Basta apenas dar uma passada breve pelas estatísticas de detenções verificadas no país - que só perdem em proporção populacional para as dos Estados Unidos da América. Já as estatísticas de tortura policial são campeãs mundiais!

    E ainda, depois do julgamento, é esse mesmo Estado Penal que não respeita as garantias previstas em sua própria Lei de Execuções Penais, em grande parte pela omissão e inoperância do Poder Judiciário (muitas vezes agindo assim de maneira deliberada). Além disso, tal Estado tem também o seu lado exterminador.

    Do primeiro trimestre de 2009 ao primeiro trimestre de 2010, a taxa de ocorrências policiais no Estado de São Paulo que acabaram em homicídios e foram registradas como "resistência seguida de morte", AUMENTOU 40%, segundo dados oficiais da própria Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.


    Do crime de tortura


    A tortura é a imposição de dor física ou psicológica por crueldade, intimidação, punição, para obtenção de uma confissão, informação ou simplesmente por prazer da pessoa que tortura.
    Em nosso ordenamento jurídico a tortura é considerada um crime inafiançável e insiscestível de graça ou indulto.
    O crime de tortura consiste em crime material e caracteriza-se com a consumação de sofrimento à pessoa torturada, tanto física quanto psicológica.

    A Lei nº 9.455, de 07 de abril de 1997 define o crime de tortura e as penas, conforme transcrevemos abaixo:

    "Art. 1º Constitui crime de tortura:
    I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
    a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
    b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
    c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

    II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
    Pena - reclusão, de dois a oito anos.

    § 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
    § 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.
    § 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
    § 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
    I - se o crime é cometido por agente público;
    II - se o crime é cometido contra a criança, gestante, deficiente e adolescente;
    III - se o crime é cometido mediante seqüestro.
    § 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.

    § 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
    § 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.

    Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira."

    A criminalização da prática da tortura no âmbito internacional foi um importante acontecimento histórico. A Convenção das Nações Unidas contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, lançada pela ONU em 1984, foi ratificada por cerca de 124 países que se comprometeram a cumprir as determinações desse documento.

    O relatório da ONU sobre a tortura no Brasil, lançado em 2007, denuncia que essa prática é "sistemática" e "generalizada", principalmente em suas carceragens e penitenciárias. Além disso, o uso da tortura na atividade policial é prática corrente e diária. As vítimas são, em sua maioria, jovens, afro-descendentes, moradores de áreas pobres, autores ou suspeitos de crimes comuns.

    Importante destacar que o Brasil aderiu à Convenção das Nações Unidas contra Tortura, ou seja, é um dos países que ratificou esse documento e que se comprometeu a cumprir as suas determinações. Em 2006, o país também ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção, que obriga o Estado a constituir um Comitê Nacional para Prevenção da Tortura.

    A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 determina que ninguém pode ser submetido a tortura, a pena de morte ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, ao qual adere o Brasil.

    (tema elaborado a partir do seguinte trabalho: Costanze, Bueno Advogados. (Crime de Tortura). Bueno e Costanze Advogados, Guarulhos, 29.03.2008. Disponível em : . acesso em : 08 de junho de 2010).


    Da conjuntura da Violência

    Neste 1º Semestre de 2010 a população de São Paulo assistiu, aterrorizada, a uma onda de crescimento da violência praticada pelas diversas polícias, seja do Estado (Civil e Militar), seja Guardas Municipais de diferentes cidades.

    No último período, as manchetes das grandes mídias têm sido ocupadas por informações dando conta do aumento significativo de homicídios. Já em Fevereiro/10, o balanço dos índices de criminalidade divulgados pela SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) apontava que, em 2009, foram registradas 549 mortes provocadas em confrontos com a polícia – o que significou um aumento de 27% em relação ao ano anterior. Para o delegado geral da Polícia Civil, Domingos Paulo Neto, o número maior reflete o “trabalho policial mais intenso em locais violentos”. Enquanto voz oficial do Estado, o delegado surpreendeu a todos ao explicitar o posicionamento autoritário e assassino do Governo:

    “Nós fizemos 124 mil prisões no ano inteiro. Nessas prisões, em operações de risco, é natural que ocorra a morte. Se for do marginal que reagiu, é melhor a morte do criminoso do que a do policial, que está arriscando a vida em benefício da sociedade, não é verdade?”
    (Domingos Paulo Neto - Delegado Geral da Polícia Civil) fonte R7 notícias.

    Diante da repercussão dos índices negativos, o secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, elegeu o combate aos crimes contra o patrimônio como prioridade. E o resultado veio a cavalo. No início de Maio, mais uma vez os noticiários deram destaque ao aumento de homicídios quando da divulgação do aumento de 23% desses casos. O governo do Estado, surpreendido com os índices, tentou diminuir o impacto da crise tratando-o como “oscilação” e como fruto de esforços do governo e de suas polícias em conter a criminalidade.


    Dos últimos acontecimentos

    Nas últimas semanas, assistimos estarrecidos e revoltados, as notícias veiculadas pela grande mídia, acerca da violência da Polícia Militar do Estado de São Paulo dirigida a dois jovens negros.

    Infelizmente, a forte divulgação dos acontecimentos nos surpreendeu mais que os próprios fatos, afinal, espancamentos, torturas e assassinatos não são novidades no tratamento da polícia de São Paulo à juventude e à população negra e pobre.

    Eduardo Luís Pinheiro dos Santos, 30 anos e Alexandre Santos, 25 anos, tinham muitas coisas em comum. Além do sobrenome e de serem ambos trabalhadores motobys, eram negros! Talvez por isso a infeliz coincidência também em suas violentas mortes.

    Eduardo foi encontrado morto no último dia 10 de Abril, após ser torturado. Alexandre foi espancado até a morte na frente da mãe, na porta de casa. Os dois foram vítimas da Policia Militar do Estado de São Paulo. Elza Pinheiro dos Santos, mãe de Eduardo, em momento de desabafo disse: “Meu filho foi morto por ser negro”. Maria Aparecida, mãe de Alexandre, em desespero relatou: “Eu tentava segurar a mão do policial e pedia pelo amor de Deus para que ele parasse de bater no meu filho”.

    Paralelo à repercussão destes casos em toda mídia, a Baixada Santista registrou nas últimas duas semanas mais de 20 homicídios. Mais uma vez, a maioria das vítimas são moradores de periferias, jovens e negros. Os indícios são fortíssimos de que há em curso a ação de grupos de extermínio com a participação de policiais.


    Negros são alvos preferenciais

    Em julho de 2009 a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, UNICEF e o Observatório de Favelas divulgam resultados de sua pesquisa, e os dados são ainda mais estarrecedores: 33,5 mil jovens serão executados no Brasil no curto período de 2006 a 2012. Os estudos apontam que os jovens negros têm risco quase três vezes maior de serem executados em comparação aos brancos.

    “Há uma morte negra que não tem causa em doenças; decorre de infortúnio.”

    A afirmação acima consta do artigo A Cor da Morte, publicado por Luís Eduardo Batista e colaboradores, na Revista de Saúde Pública, em 2004. Esta matéria apresenta as causas de óbito conforme características de raça, no Estado de São Paulo, entre os anos de 1999 e 2001. Tal pesquisa aponta que negros e brancos morrem vitimizados por causas diferentes. Segundo o estudo, a maior parte dos brancos vai a óbito por tumores ou doenças do aparelho circulatório, respiratório, sistema nervoso, congênitas, entre outras. Ao contrário, a maior parte dos negros morre por motivo não associado a doenças, como causas externas (violência, por exemplo).

    O racismo que ganhou nova roupagem nos dias atuais é o principal fator pela condição de miséria do negro e da violência por ele sofrida. Pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU, o Brasil se encontra em 63º lugar na colocação de países de médio desenvolvimento humano. Os pesquisadores Wânia Sant’Ana e Marcelo Paixão fizeram o mesmo estudo para negros e seus descendentes isoladamente e a colocação é 120º, colocação que denota as péssimas condições de vida do negro brasileiro.

    A polícia de São Paulo está exterminando a juventude negra. Os pesquisadores Rodnei Jericó e Suelaine Carneiro do Geledés – Instituto da Mulher Negra realizaram um estudo do qual se extrai:

    “Os dados registrados pela série documental “Mapa da Violência: os jovens do Brasil” , revelam que nossas taxas de homicídios são elevadas e tem como principal vítima a população do sexo masculino pertencente a raça negra. Negros é o grupo racial brasileiro mais vulnerável à morte por homicídios. O estudo aponta que no ano de 2004, a taxa de vitimização desse grupo foi de 31,7 em 100 mil negros, enquanto para a população branca foi de 18,3 homicídios em 100 mil brancos. A população negra teve 73,1% de vítimas de homicídio a mais do que a população branca (WAISELFISZ, 2006, p.58).

    As iniqüidades raciais refletem-se na mortalidade da população negra e são decorrentes de condições históricas e institucionais que moldaram a situação do negro na sociedade brasileira. Os números revelam o que se deseja silenciar: a morte tem cor e ela é negra. Os jovens negros são as principais vítimas da violência, que vivem um processo de genocídio.

    Para Major, Polícia Militar é racista

    As evidências dos abusos e da ação criminosa das polícias de São Paulo são tão flagrantes e se dão a tanto tempo que, infelizmente, há a uma tendência a naturalização. Por essa razão, causa surpresa que denúncias surjam da própria corporação.
    E foi justamente o que aconteceu quando da veiculação na grande mídia da dissertação de mestrado major da Polícia Militar de São Paulo, Airton Edno Ribeiro, Mestre em Educação das Relações Raciais e chefe da divisão de ensino do Centro de Altos Estudos de Segurança (CAES), que fez o estudo sobre “A Relação da Polícia Militar Paulista com a Comunidade Negra e o Respeito à Dignidade Humana: a Questão da Abordagem Policial”

    Ribeiro, com conhecimento de causa, traça um forte relato sobre como a questão é tratada no interior da PM:

    “há um silêncio na Polícia Militar paulista sobre os problemas referentes à cor, à negritude e ao racismo, tanto na relação com a população afrodescendente, como dentro da própria Instituição, onde a presença negra sempre foi expressiva entre as praças". – Fonte: O vermelho


    Para o policial, características étnicas próprias e perfil socioeconômico e cultural diferenciados, dada a convivência com a pobreza, favorecem o surgimento de criminosos.


    "É na realização diária da atividade de polícia ostensiva que se manifesta a individualização dos pensamentos do policial e de seus preceitos humanos, ou seja, estando o policial de serviço na viatura, sozinho ou com um companheiro, ele escolhe diretamente a pessoa a ser abordada ou influencia o outro policial a abordar. E nesse contexto a escolha da pessoa a ser abordada recai sobre o negro em qualquer situação, em sutilezas que tomam conta das condutas dos policiais no exercício do policiamento". Fonte: O vermelho

    Em recente palestra proferida em São Paulo, o Major falou também sobre a percepção do policial que faz a revista. De acordo com essa percepção “o destino do negro é ser abordado”; “quem coopera não apanha”, “o policial negro não se sente negro”; “e negros esclarecidos irritam a Polícia”.


    Da impunidade: de Robson à Flavio

    A impunidade aos atos de violência policial é histórica no Estado de São Paulo.

    Em 1978, o trabalhador Robson Silveira da Luz, foi preso e torturado no 44º distrito policial de Guaianazes, sob a responsabilidade do delegado Alberto Abdalla, que foi condenado pelo ato, mas até hoje não passou um único dia na prisão, pelo crime cometido.

    Os Policiais Militares que mataram o dentista Flavio Santana, em 2002, foram condenados, presos e logo libertados.

    Agora os casos de tortura e morte dos motoboys – Eduardo Pinheiro dos Santos e Alexandre Santos nos apontam ações cada vez mais ousadas, fruto da impunidade que acompanha as ações de violência policial no estado de São Paulo.

    Foram vítimas de tortura, com Alexandre sendo enforcado diante da mãe. Os policiais militares agiram com requinte psicopático.

    Há de se dar fim à impunidade da violência policial, sob pena de esta violência ganhar dimensões cada vez mais bárbaras.


    Das iniciativas da sociedade civil, movimento e demais organizações

    Não é de hoje que inúmeros defensores de direitos humanos, movimentos negros, movimentos sociais, sindicatos, parlamentares e familiares de vítimas da violência policial apresentam denúncias com suas respectivas provas, testemunhos e farta documentação relacionada ao tema e expõe suas reivindicações diante do Estado.

    A maior indignação é pelo fato de que as arbitrariedades e o extermínio de pobres e negros são praticados em nome do Estado Democrático de Direito e supostamente em defesa da lei e da ordem.

    A constatação é que o Estado de São Paulo, neste caso específico responsabilizado pela ação de seus policiais e demais agentes, comete sistematicamente graves violações de direitos humanos e o alvo preferencial dessas ações são as parcelas mais pobres da população brasileira, em especial negros e negras.

    Em 19 de Novembro de 2009, véspera do feriado da Consciência Negra, movimentos negros e sociais apresentaram uma REPRESENTAÇÃO, protocolada junto ao Governo do Estado de São Paulo, na Secretaria de Justiça e Cidadania, no Ministério Público, no Gabinete do Procurador Geral de Justiça, na Defensoria Pública e na Assembléia Legislativa, com a Comissão de Direitos Humanos.
    Em resumo, a Representação (cópia em anexo) relatou denúncias de violações de direitos humanos por parte da Polícia Militar de São Paulo, práticas discriminatórias, índices de desigualdades étnico-raciais levantados por organismos nacionais e internacionais e, como proposição, o documento apontou um conjunto de ações envolvendo o Poder Público e sociedade civil organizada.
    Os únicos andamentos oficiais dados à Representação foram estes:
    1) Reunião ocorrida em 10/03, do Núcleo de Combate ao Racismo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo com representantes de entidades do movimento negro, na qual aquela Instituição demonstrou que possui disposição e prerrogativa para agir em defesa dos direitos coletivos e difusos tratados na Representação. A partir de então, a Defensora Pública Dra. Maira Coraci acompanha o desenrolar das atividades ligadas ao caso.

    2) Houve trâmite perante a Comissão de Direitos Humanos da ALESP, com procedimento interno número 9080/2010, com parecer proferido pelo Deputado Relator em reunião ordinária do dia 25/03.
    Infelizmente, a inércia absoluta e total omissão política por parte dos órgãos responsáveis pela segurança pública, principalmente PM, Secretaria de Segurança Pública e Governo do Estado de São Paulo, deu razão aos argumentos levantados pelos movimentos sociais em 19/11/2009, quando da referida Representação àquela data, demonstrando-se que há um genocídio em curso, e o grupo étnico racial vitimado pela ação violenta por agentes do Estado são jovens negros moradores de periferia.
    Com a repercussão nacional e internacional dos assassinatos dos dois jovens trabalhadores motoboys negros, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo deliberou pela realização desta Audiência Pública sobre violência policial e racial, depois de pedido feito pela FEPPIR (Frente Parlamentar pela Promoção da Igualdade Racial) e da pressão do conjunto dos movimentos negros e sociais.
    Em meio à repercussão dos assassinatos dos dois jovens motoboys negros pela PM, Movimentos Negros e Sociais protocolaram no dia 5 de maio desde ano, um requerimento exigindo uma audiência imediata com o Governador interino, Alberto Goldman, além de explicações públicas (protocolo 38391/2010, de 11 de maio de 2010). A resposta foi negativa. Neste mesmo período os 12 policiais militares acusados de assassinar o motoboy Eduardo Luís Pinheiro dos Santos foram soltos.

    Hoje, dia 9 de Junho de 2010, fazemos uso deste espaço oficial da Audiência Publica chamada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, para registrarmos aqui nossas intenções, reivindicações e exigências, enquanto população negra, indígena e pobre.

    Intervenção propositiva

    Todos e todas temos ampla consciência das limitações de intervenção de um Estado com bases fundantes tão conservadoras e comprometidas com o “status quo” vigente. Bem como é também de nossa ciência o posicionamento e a vontade política ideologicamente comprometida de seus dirigentes.

    No entanto, cumprimos nosso papel enquanto cidadãos e cidadãs e enquanto movimentos da sociedade civil organizada, ao ocupar os espaços de diálogo e cobrança existentes neste e Estado Democrático de Direito e, diante de um histórico e de fatos tão contundentes, apresentamos as seguintes reivindicações à Comissão de Direitos Humanos da ALESP:


    • Demissão imediata do Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Sr. Antonio Ferreira Pinto;
    • Demissão imediata do Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Cel PM Alvaro Batista Camilo;
    • Tipificação dos casos de violência policial, que resultem ou não em mortes, como crimes de tortura, conforme a Lei 9455/97;
    • Instituição de uma CPI das Polícias de São Paulo, que vise desmantelar milícias, apurar denúncias/crimes e punir responsáveis;
    • Fortalecimento das Ouvidorias e Construção de uma Corregedoria única, autônoma, controle e fiscalização por parte da sociedade civil;
    • Desmilitarização e unificação das polícias;
    • Debate Público sobre o conteúdo teórico e prático de formação para policiais, bem como a instituição de um Grupo de Trabalho por esta casa, para elaboração de legislação sobre forma e o conteúdo do treinamento e formação de policiais;
    • Criação de Grupos de Trabalhos Temáticos que provoquem debates públicos e elaborem projetos de lei que atendam as seguintes demandas: Fim do registro de "Resistência seguida de morte" ou "Auto de resistência" para as execuções sumárias; Fim dos fóruns privilegiados para Autoridades e Polícias; Exigência de indenizações para todas as vitimas de violência e/ou seus familiares; Federalização de processos; Fim das ações violentas em despejos e reintegrações de propriedades; Direitos Humanos para população indígena e LGBT; Debate Público e elaboração de políticas de estado de promoção da reparação histórica dirigida à população negra e indígena.