APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

sábado, 7 de julho de 2012

Pequenos a serviço


Ezequiel 2, 1-7    II Corintios 12, 2-10    Marcos 6, 1-6

Ezequiel era sacerdote do templo e estava entre aqueles que foram aprisionados em 597 a. C., quando da primeira destruição do Templo pelo Império babilônico. Pertencia à classe dirigente de Jerusalém, mas passa por uma profunda crise de fé em função da mudança de sua condição social e religiosa. Tornou-se profeta da primeira geração de deportados e também  o primeiro fora  da terra de promessa. É chamado a falar a estes deportados e mostrar que Iahweh residia também ali, no exílio, em meio à gente subjugada por um império opressor.
No texto lido hoje este sacerdote, desprovido de poder, é chamado por Deus a pregar, quer escutem – quer não escutem. Sem templo, sem poder, sem salário, movido por amor a Deus e aos seus. Movido não por anseio de vitórias, conquistas, status, poder, mas pelo espírito de serviço amoroso a todos, que caracteriza o sacerdócio verdadeiro – aquele que todos, pelo batismo, somos chamados a exercer. O sacerdócio é um chamado a todos, um chamado a ser testemunho da ressurreição – a vida vence a morte – do Cristo amado e experimentado , que nos leva a viver uma vida que faça diferença, que faça diferente, que se faça vida para todos.
Na segunda carta aos Corintios Paulo gloria-se em sua fraqueza. Se compraz nas fraquezas, necessidades, perseguições, angústias pela causa de Cristo. “Quando sou fraco, então é que sou forte”, diz Paulo.
Nos dias de hoje os homens – e até os discursos nas igrejas – apregoam o poder, a força. Paulo, porém, exalta a simplicidade da fragilidade, aquela que nos humaniza, nos aproxima dos desvalidos, dos enfermos, dos que sofrem.
Jesus, em seu evangelho, mostra que já naquela época sua mensagem não era compreendida. E, no Evangelho de Marcos é a última vez em que entra em uma sinagoga. Por todo o restante do evangelho Ele perambula pelas ruas, casas, pelos pontos de encontro, pelo deserto. Jesus mostra, pela sua fala e pelo seu agir, que Deus deve falar ao coração do homem e de cada homem, á vida toda deste homem, em todos seus aspectos.
Jesus, de fato, não quer que o adoremos num culto. O culto é lugar de encontro, estudo, animação, celebração, de fraternidade, de vida em comum, de repartir o pão, de Eucaristia. Esta Eucaristia – de partir o pão, de doação de corpo e sangue – dele e nosso – deve ser vivida em nosso dia a dia, por onde quer que andemos. Jesus quer o seguimento, seguir seus passos, suas atitudes, sua doação, sua vida. E, sabemos, na época de Jesus isso significava cuidar das viúvas, dos órfãos, dos estrangeiros, dos sem proteção, sem vida. Hoje quem serão? Onde somos chamados a estar  e a levar a Boa nova?
Somos e nos sentimos fracos, incompetentes, frágeis, em especial se pensamos em agir sozinhos ou confiarmos em nossas próprias forças, sem o apoio e o animo dos irmãos. Aí nos reconhecemos como quase nada.
Esta fragilidade, porém, quando a serviço de Deus, é capaz de mover montanhas, acariciar mentes, iluminar corações, transformar vidas. A cada dia degustar a Palavra de Deus , doce e exigente, sentir seu sabor e sua delicia. No amor a Sua palavra e à Sua pessoa a manifestar-se nos encontros salvífico que temos encontramos a real possibilidade de sermos felizes.
Possamos reconhecer que somos todos pequenos, frágeis e passageiros. Oremos para ter a Graça de vivermos Sua presença em nosso meio como serviço alegre e afetuoso. Que nossos passos, olhares e nossa presença seja sacramento e sinal de eternidade no mundo.
Que assim seja.

Pilares do cristianismo


CEBI

Paulo e Pedro: dois pilares do cristianismo - Frei Gilvander Moreira

Terça-feira, 3 de julho de 2012 - 15h04min
"Precisamos colocar nossos ouvidos e nosso coração pertinho do coração dos excluídos para que possamos escutar Deus. Mais do que fazer cursos de oratória, precisamos de cursos de escutatória . Para ouvir os clamores mais profundos dos excluídos é necessário conviver com eles", escreve o frei e padre carmelita Gilvander Luís Moreira, mestre em Exegese Bíblica, professor do Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos, no Instituto Santo Tomás de Aquino - ISTA -, em Belo Horizonte, e assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina.
Eis o artigo.
1. Para início de reflexão.
Dia 29 de junho é festa dos apóstolos Paulo e Pedro, dois grandes pilares do cristianismo. Tempo propício para refletir sobre o legado espiritual-profético de Pedro e Paulo. Os dois se identificaram com o projeto do evangelho de Jesus Cristo e se doaram no seu seguimento, orientados pela boa notícia aos pobres. Terminaram martirizados, segundo a tradição da igreja. No livro de Atos dos Apóstolos é possível descobrirmos uma paulinização de Pedro e uma petrinização de Paulo. Ou seja, para Lucas não é bom que aconteça um cisma entre as várias tendências de evangelização. A diversidade enriquece a unidade e não a anula.
Segundo Atos dos Apóstolos, o apóstolo Pedro foi quem fez o primeiro discurso após o primeiro Pentecostes (At 2,1-13), um discurso profético e corajoso (Cf. At 2,14-36), no qual Pedro denuncia de forma altaneira: "Vocês autoridades mataram Jesus, mas Deus o ressuscitou!" Pedro teve a grandeza de sair de Jerusalém - a igreja mãe - e ir conviver com comunidades consideradas impuras, heréticas, no meio dos excluídos (Cf. At 9,32-43). A convivência com os pobres se tornou a base do processo de conversão de Pedro, que o habilitou a experimentar o Espírito do Deus da vida atuando no meio dos gentios, tal como acontecia entre os cristãos (Cf. At 10,1-11,18). Memorável também foi a participação do apóstolo Pedro no Concílio de Jerusalém, por volta dos anos 49/50, onde, ao lado de Barnabé e Paulo, lutou pela abolição da lei da circuncisão, que tinha se transformado em um insuportável fardo para os cristãos oriundos do meio dos estrangeiros.
Para não ficar muito longo esse texto, deixaremos a reflexão sobre o Ensinamento e Práxis do apóstolo Pedro, em Atos dos Apóstolos, para outro artigo. Convido o/a leitor/a a acompanhar comigo o Discurso do Apóstolo Paulo aos presbíteros, narrado em At 20,17-38. Não é um discurso teórico, abstrato, moralista e nem desligado dos problemas principais da vida. O discurso de Paulo está grávido da realidade da vida das primeiras comunidades cristãs; está em profunda conexão com os desafios de ser cristão em tempos de Tribulação; quer gerar luz e força para as comunidades.
É o único discurso de Paulo no livro dos Atos dirigido aos cristãos, especificamente aos presbíteros, ou seja, aos anciãos (= coordenadores das comunidades). Todos os demais discursos de Paulo em Atos possuem como destinatário pessoas e grupos que estão fora da comunidade cristã. No entanto, as cartas paulinas são dirigidas aos cristãos, mas este discurso se dirige somente aos presbíteros. O Gênero literário é o de TESTAMENTO-DESPEDIDA, um gênero muito conhecido na Bíblia. Lucas faz nesse discurso uma síntese do livro de Atos, principalmente dos capítulos 15-28. O discurso revela não tanto a morte de Paulo, mas como Lucas entendia Paulo no contexto de suas Igrejas, algumas décadas depois, nos anos 80 do século I. Assim esse discurso nos oferece chaves de interpretação do livro "Atos dos Apóstolos".

2. Esquema do discurso de Paulo.
O discurso de Paulo é formado por várias partes com diversas etapas do pensamento. Os biblistas não chegaram a um acordo quanto ao plano e esquema do discurso de Paulo aos presbíteros de Éfeso, descrito em At 20,17-38. Pensamos que o texto pode ser dividido em quatro partes:
a) memória do ministério de Paulo na Ásia (At 20,18 - 21).
b) Presente ameaçador e perigoso (At 20,22-24).
c) Exortação aos presbíteros (At 20,25-31).
d) Testamento - Paulo deixa a Palavra e seu testemunho - (At 20,32-35).

3. Pontos fundamentais do discurso de Despedida de Paulo.

3.1. Trabalhar manualmente é problema? "Estas minhas mãos..."(At 20,34)
O apóstolo Paulo dá uma enorme importância ao trabalho manual. Assim ele se expressa: "Vocês mesmos sabem que estas minhas mãos providenciaram o que era necessário para mim e para os que estavam comigo. Em tudo mostrei a vocês que é trabalhando assim que devemos ajudar os fracos, recordando as palavras do próprio Senhor Jesus, que disse: 'há mais felicidade em dar do que em receber'." (At 20,34-35)
Lucas, o autor de Atos dos Apóstolos, sabe que Paulo foi atacado porque trabalhava com as mãos. Alguns achavam no trabalho manual um sinal de que Paulo era um apóstolo de segunda categoria. Lucas quer justificar Paulo como um autêntico apóstolo e por isso afirma a nobreza do "trabalhar com as mãos": assegurar a própria subsistência e poder ser solidário com os empobrecidos. O trabalhar manualmente foi uma postura tremendamente revolucionária e inovadora no ambiente helenista. Segundo a cultura helenista o trabalho nobre era o trabalho intelectual. Trabalhar manualmente era "coisa de escravo". Paulo questiona na prática esta concepção discriminatória da sociedade e aponta para a igualdade real entre as pessoas. No fundo, ao "trabalhar com as mãos" para se auto-sustentar, Paulo estava colocando o dedo em uma das feridas da sociedade que sustentava a hierarquia de pessoas. E mais: Paulo estava inoculando nas comunidades cristãs um modo diferente de se relacionar com o mundo do trabalho. A postura de Paulo corroia como cupim o edifício da sociedade escravocrata greco-romana. As comunidades paulinas estavam passando a acreditar progressivamente em uma Economia Popular Solidária, onde todos trabalhavam, de modo coletivo, partilhando os frutos do trabalho e da generosidade da Mãe natureza, atendendo às necessidades de todos a partir dos mais enfraquecidos. Paulo sugeria, trabalhando manualmente, que o trabalho não devia ser para acumulação, mas para satisfazer as necessidades básicas da pessoa e da comunidade. As primeiras comunidades cristãs colocavam em prática o sonho de uma economia para satisfazer as necessidades básicas do povo e não para acumulação de capital.
Devemos recordar que a defesa do trabalho manual de Paulo dirige-se particularmente aos presbíteros. Naquele tempo de Lucas, década de 80 do século I, os presbíteros teriam deixado de trabalhar e seriam sustentados pela comunidade? O exemplo de Paulo já apareceria estranho aos presbíteros a ponto de Lucas ter que enfatizá-lo? Recordar Paulo trabalhando para o auto-sustento deveria incomodar muitos presbíteros. Era mais cômodo ser sustentado pela comunidade. Mas Lucas percebe que isto não reflete a experiência original de Paulo. Hoje é normal um padre ou pastor receber um salário pelo serviço prestado à comunidade. É justo alguém receber um salário sem ser cobrado pela qualidade do serviço e sem ter que "bater cartão de ponto"? Se padre ou pastor deve ganhar um salário, quem será o patrão deles? A quem eles devem prestar contas do serviço prestado?

3.1.1. E o trabalho manual nos nossos dias?
Em tempos de extinção de tantas espécies animais e vegetais, emprego é um "animal em extinção" no mundo globocolonizado, pois cada vez mais aumenta o exército de desempregados. Além da intensificação e a precarização do trabalho, a máquina que demite trabalhadores está funcionando a pleno vapor em todas as áreas do mundo do trabalho.
Infelizmente, continuam vivas em nossa sociedade as distinções entre os diversos tipos de trabalho. Muitos trabalhos intelectualizados são muito bem remunerados e reconhecidos, enquanto os trabalhos manuais são "reservados" para os pobres, pessoas consideradas "incompetentes". Por exemplo, se compararmos os salários de um jogador de futebol, de uma apresentadora de TV, de um executivo de uma transnacional, de um médico, de um gari, de um ajudante de pedreiro, de um bóia-fria, o que virá à tona?
Na sociedade capitalista, o lugar para as pessoas que sobrevivem do trabalho manual é reduzido cada vez mais. Basta olhar a maneira como setores empresariais e poder público vêm tratando os artesãos de rua, de cultura hippie, que sobrevivem da arte manual com arames, linhas e pedras. São expulsos da cidade e tratados com violência e descaso. Também impressiona o desrespeito com os catadores de material reciclável. A catação é uma profissão antiga no Brasil e no mundo. Nos últimos tempos, o mercado descobriu que o lixo pode dar lucro e o trabalho manual dos catadores que retiram da reciclagem o seu sustento e de sua família tem sido ameaçado a cada dia pelas grandes empresas e pelos gestores públicos.

3.2. Lobos, não; Solidariedade aos pobres, sim!
Paulo apóstolo enfatiza no seu discurso a importância de vigiar contra os "lobos" e de ser solidário com os enfraquecidos. Ele alerta: "Eu sei: depois da minha partida, aparecerão lobos vorazes no meio de vocês, e não terão pena do rebanho. E do meio de vocês mesmos surgirão alguns falando coisas pervertidas, para arrastar os discípulos atrás deles. Portanto, fiquem vigiando e se lembrem de que durante três anos, dia e noite, não parei de admoestar com lágrimas a cada um de vocês... Em tudo mostrei a vocês que é trabalhando assim que devemos ajudar os fracos." (At 20,29-31.35a).
Paulo prevê e exorta os cristãos a enfrentarem dois problemas que certamente fazem parte das preocupações das comunidades de Lucas:
1o) "Lobos vorazes aparecerão..." (At 20,29). Estes lobos, muitos com pele de ovelhas, procedem de fora das comunidades, de pessoas estranhas, mas também de dentro delas, de pessoas que foram expulsas e que procuram manter uma certa liderança. De fora, lobos aparecem a partir de falsos pastores, judeus ou gregos, defensores do "fermento dos fariseus": um tipo de religião que exclui, de mãos dadas com o modelo político-econômico-cultural que gera opressão e exclusão. Estes lobos defendem a "Lei da pureza e da impureza", celebrações pomposas, rituais e formais. Este tipo de religião abafa os gritos ensurdecedores dos empobrecidos e excluídos.
2o) "Cuidem dos enfraquecidos..." (At 20,35). É provável que nas comunidades de Lucas, no fim do primeiro século, um desejo grande de fidelidade ao passado estivesse gerando esquecimento dos pobres. Estes quase sempre não podem respeitar as regras e os regulamentos da comunidade. Na mente e no coração de Lucas, Paulo dava uma atenção especial aos empobrecidos. Para Paulo o sinal por excelência da autenticidade do ministério era o amor desinteressado e gratuito aos pobres. Esta opção pelos pobres aparece de modo muito eloqüente quando Paulo faz questão de dizer às comunidades de Antioquia que a única coisa que o concílio ecumênico de Jerusalém fez questão de alertar às comunidades foi: "Não esqueçam os pobres. Lembrem-se sempre deles." (cf. Gálatas 2,10).
No discurso aos presbíteros, Lucas alerta para o cuidado com os pobres, porque provavelmente os presbíteros estavam se preocupando menos com os pobres, como "os falsos pastores que apascentam a si mesmos e devoram as ovelhas" (cf. Ex 34,8-10). Estariam eles gastando mais energias com as obras do que com a promoção humana dos excluídos?

4. Por que um discurso aos presbíteros e não às comunidades?
As cartas paulinas eram sempre endereçadas a toda a comunidade. Mas os bons tempos do fervor missionário passaram. Lucas sente no ar sinais de clericalização, de hierarquização, de institucionalização. Neste novo contexto eclesial, os presbíteros terão a missão de transmitir a herança paulina e de defendê-la contra os perigos de corrupção.
É interessante que Paulo se despede das comunidades sem deixar estruturas; somente os recomenda "a Deus e à Palavra de sua graça que tem poder para construir o edifício" (At 20,32). O único poder da comunidade é a Palavra de Deus. Paulo, como um apaixonado missionário, se preocupa em deixar-se guiar pelo Espírito, em costurar relações e propostas geradoras de vida; ele não está preocupado em criar estruturas que podem, com o tempo, matar o vigor e o ímpeto do primeiro amor.

5. "Presbíteros ": apóstolos, profetas, mestres, ...
Sendo o discurso de Paulo dirigido diretamente aos presbíteros, torna-se imprescindível entender bem quem são estes presbíteros e qual a função deles nas comunidades. Isto nos remete a discutir a diversidade de dons nas primeiras comunidades cristãs.
Em At 20,28 os presbíteros de Éfeso são chamados de "epíscopos", cuja função pastoral é a de vigiar e conduzir a comunidade. Épíscopo é um título grego que significa "supervisor"; aquele que tem a responsabilidade de acompanhar o desenvolvimento da comunidade para cuidar da sua continuidade com o espírito original e da sua sintonia com os critérios de continuidade. Ainda não há aqui a noção de sucessão apostólica, pois Paulo não os apresenta como os seus sucessores, mas como pessoas encarregadas pelo Espírito Santo de manter as comunidades no bom caminho.
No tempo de Paulo não existia a diferença entre clero e leigos. Havia, sim, uma variedade, não orgânica de carismas, como apóstolos, profetas e mestres (At 13,1), evangelistas (Filipe: At 21,8), profetisas (as filhas de Filipe: At 21,9) etc. Os presbíteros são simplesmente os animadores de comunidades; nunca são chamados de "sacerdotes" no Segundo Testamento.
Nas cartas paulinas constatamos que no seio das comunidades há uma diversidade de dons que deve ser articulada pelo cimento que é a solidariedade. Isso é ótimo, pois o Espírito não se deixa encurralar e não aceita ser engaiolado; Sopra aonde quer, para onde quer, é livre, liberta e tem sede de liberdade. Paulo reitera diversas vezes: "Não percam a liberdade cristã!" (cf. 2 Cor 3,17). "Não entristeçam o Espírito Santo!" (Efésios 4,30).
O apóstolo Paulo percebeu que existia nas comunidades uma dificuldade de conviver de modo sadio com a diversidade de dons. Paulo pontua bem a diversidade de dons recordando que existe uma ordem de importância. A comunidade cristã não pode cair no subjetivismo e nem no relativismo de "tudo é igual a tudo", ou no "devemos respeitar tudo".
Para Paulo, em primeiro lugar estão os apóstolos, entendido no seu sentido original e etimológico: apóstolo/a é aquele/a que é enviado/a por Deus, é um/a missionário/a, um porta voz de uma mensagem do Deus solidário e libertador. Na época descrita por Atos, das primeiras igrejas, antes do processo de institucionalização (hierarquização) o termo "apóstolo" não significa um título que dá status. O termo "apóstolo" passa a ser considerado um título mais tarde, depois do processo de hierarquização das igrejas, o que acorrentou a vitalidade do dinamismo inicial.
Em segundo lugar estão os profetas. A palavra "profeta" vem do verbo pro-ferir, que significa falar por antecipação. Etimologicamente a palavra "profeta" significa "aquele que profere uma mensagem em nome de Deus". O profeta escuta o Oráculo de Deus. A palavra "oráculo", em hebraico, significa "sussurro, cochicho, de Deus no ouvido do profeta ou da profetisa". Para entender um cochicho, um sussurro, é preciso fazer silêncio, prestar muita atenção, estar em sintonia, ter proximidade, ser amigo etc. Portanto Deus não falava claramente aos profetas, como nós, muitas vezes pensamos que falava. Do mesmo modo que falava aos profetas e profetisas Deus fala hoje a nós. Deus cochicha (sussurra) em nossos ouvidos a partir da realidade dos empobrecidos e excluídos. Precisamos colocar nossos ouvidos e nosso coração pertinho do coração dos excluídos para que possamos escutar Deus. Mais do que fazer cursos de oratória, precisamos de cursos de escutatória . Para ouvir os clamores mais profundos dos excluídos é necessário conviver com eles.
Em terceiro lugar vêm os mestres, aqueles que devem ensinar a verdadeira mensagem de Jesus. Ensinar pelo testemunho e de preferência, através da pedagogia da maiêutica: conversando, dialogando e assim ajudando os outros a parir idéias e práxis libertadoras. Lá no final da escala vem o dom das línguas (cf. I Cor 12,28).
Em I Cor 13,1-13 Paulo faz um elogio do amor para nos mostrar que relações de amor é que deve ser a coluna mestra da vida das comunidades e Igrejas. Paulo nos alerta: "Desejem os dons do Espírito, principalmente a profecia, pois quem profetiza fala às pessoas, é entendido, edifica, exorta e consola a comunidade. Aquele que profetiza é maior do que aquele que fala em línguas. Quem fala em línguas edifica somente a si mesmo, fala só a Deus (cf. I Cor 14,1-6)." Em I Cor 14,19 o apóstolo Paulo afirmara: "Numa assembléia, prefiro dizer cinco palavras com a minha inteligência para instruir também os outros, a dizer dez mil palavras em línguas".
Paulo e seus companheiros fundam e desenvolvem comunidades proféticas a partir da ação do Espírito. Quase todas as vezes que na Bíblia fala que "desceu o Espírito de Deus sobre..." diz também que os atingidos pelo Espírito de Deus começam a profetizar (cf. Nm 11,29; At 19,4-6). A profecia é uma consequência direta da ação do Espírito. Logo, um bom critério para saber se estamos vivendo uma verdadeira experiência no Espírito de Deus é nos perguntar: Estamos nos tornando mais profetas ou profetizas? Se a maioria das pessoas que diz falar em línguas fossem também profetizas, teríamos um maior número de mártires e talvez o Brasil já estaria transfigurado por causa de tanta profecia.

6. Solidariedade, sim; mas COMO?
"É afadigando-se que devemos ajudar os pobres" (At 20,35). O apóstolo Paulo, segundo Lucas, não somente exorta os presbíteros e nós à solidariedade com os pobres, mas pontua também como ele pensa e como testemunhou que deve ser esta solidariedade. Paulo cita uma frase de Jesus para defender a solidariedade com os pobres: "Há mais felicidade em dar que em receber " (At 20,35). O discurso revela que é impossível ser solidário aos empobrecidos e excluídos sem fatigar-se, sem cansar-se. Meter as mãos na massa, suando a camisa, em algum trabalho concreto e perseverante é condição sine qua non para o exercício da solidariedade gratuita e libertadora. Solidariedade à distância, sem envolvimento pessoal, sem compromisso sério não passa de caricatura de solidariedade. Recai certamente em esmola, em paliativo, em assistencialismo, que gera dependência e subserviência em quem recebe a ajuda e tranqüiliza a consciência de quem dá. Paulo contestou as caricaturas de solidariedade trabalhando firme fazendo calos nas mãos para o seu sustento e para ajudar outros companheiros. Lucas quer retomar esta experiência original, da qual emana uma fidelidade genuína ao projeto do movimento de Jesus.
Por ironia da história, mudam-se os tempos, mas continua viva uma grande controvérsia sobre como ser solidário. É possível encontrar pessoas que trazem doações nas paróquias e dizem assim: "Levem para os favelados, pois eu não tenho coragem de ir à favela, senão não consigo dormir de noite". Ou: "Podemos dar esta sopa para os mendigos, mas não para os sem terra, pois estes são subversivos e agressivos". Que estreiteza de visão!

7. Inconclusão.
Enfim, Paulo e Pedro, por terem feito opção pelos pobres, se inculturado e atuado de forma ecumênica, muito nos inspiram. Paulo e Pedro entraram para a História como dois grandes pilares do cristianismo.
Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

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Biologa escreveu poema em trabalho de mestrado


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Bióloga escreveu poema religioso em trabalho de mestrado

Terça-feira, 3 de julho de 2012 - 15h03min
Pesquisadora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do IB-USP, Thaiany Quevedo Melo, de 22 anos, faz experimentos com células-tronco embrionárias em ratos e não se sente desconfortável ao expor sua fé católica nos trabalhos acadêmicos que produz. Nos agradecimentos da dissertação de mestrado defendida há pouco mais de um mês, ela anexou um poema religioso, de sua autoria.

"Acho que aquele é um espaço livre. Se a pessoa quiser fazer uma citação para o seu cachorro, ela tem o direito", afirma Thaiany. "Não vejo dilemas morais entre as pesquisas que faço e a minha religião, pois todo projeto nesta área tem de passar por um comitê de ética."

Ela admite, porém, que no Instituto de Biociências os conflitos entre ciência e religião são frequentes. "Lembro que, na primeira aula que tive sobre evolução, uma menina que era evangélica levou a Bíblia para a sala. O professor, que era ateu, teve de lembrá-la de que ninguém estava ali para discutir fé, mas os fatos da ciência."

Considerando a rejeição do Vaticano às pesquisas com células-tronco embrionárias, Thaiany diz que a maior pressão sobre seu trabalho está fora da faculdade. "Vou à igreja com frequência, mas evito discutir isso com as pessoas de lá. Minha avó recebe amigas para fazer novena lá em casa e algumas dizem que estou indo contra Deus, que fazer o que faço é o mesmo que conduzir um aborto."

Na Faculdade de Veterinária, a questão religiosa enfrenta menos resistência. "Como não temos cadeiras sobre evolução, não existe tanto questionamento", conta Silvia Amélia Ferreira Leite, de 28 anos, que no fim do ano terminará o mestrado em anatomia de animais domésticos e silvestres. "Nunca ouvi falar que citações religiosas poderiam interferir no trabalho acadêmico científico. Na minha dissertação, por exemplo, pretendo agradecer primeiro a Deus."

Vanessa Uemura da Fonseca, outra pós-graduanda da Veterinária, diz que a maioria dos trabalhos dos colegas tem referências a Deus e à Bíblia. "Vemos muitas citações religiosas nos trabalhos de outros estudantes, e até mesmo de professores. É bastante comum", afirma.
O Estado de S. Paulo

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Como a sustentabilidade se transformou em crescimento sustentado...


CEBI

Como a ''sustentabilidade'' se transformou em ''crescimento sustentado''

Terça-feira, 3 de julho de 2012 - 15h07min
A Declaração do Rio rasga os princípios básicos da ação ambiental. Seu esboço têm 283 parágrafos de balelas. Ele sugere que os 190 governos obrigados a aprová-lo, com efeito, desistiram do multilateralismo, desistiram do mundo e desistiram de nós.

A opinião é de George Monbiot, jornalista e ambientalista inglês, em artigo publicado no sítio do jornal The Guardian, 22-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Em 1992, os líderes mundiais assinaram embaixo de algo chamado de "sustentabilidade". Poucos deles tinham clareza do que isso significava. Eu suspeito que muitos deles não tinham nem ideia. Talvez como resultado, não demorou muito para que esse conceito mudasse em algo sutilmente diferente: "desenvolvimento sustentável". Depois, ele deu um curto salto para outro termo: "crescimento sustentável". E agora, no texto da Cúpula da Terra 2012 que os líderes mundiais estão prestes a adotar, ele mudou sutilmente mais uma vez: para "crescimento sustentado".

Esse termo aparece 16 vezes no documento, no qual ele é usado como sinônimo de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável. Mas se a sustentabilidade significa alguma coisa, certamente é o oposto de crescimento sustentado. O crescimento sustentado em um planeta finito é a essência da insustentabilidade.

Como Robert Skidelsky, que aborda essa questão a partir de um ângulo diferente, observa no jornal The Guardian:

"Aristóteles conhecia a insaciabilidade apenas como um vício pessoal. Ele não tinha nenhuma ideia da insaciabilidade coletiva e politicamente orquestrada que nós chamamos de crescimento econômico. A civilização do 'sempre mais' teria lhe deixado perplexo como uma loucura moral e política. E, além de um certo ponto, ela também é uma loucura econômica. Isso não se deve apenas ou principalmente ao fato de que muito em breve iremos nos deparar com os limites naturais ao crescimento. Isso se deve também ao fato de não podermos continuar por muito mais tempo economizando em trabalho mais rapidamente do que encontrando novos usos para ele".

Várias das eliminações mais ultrajantes propostas pelos Estados Unidos - como qualquer menção aos direitos ou à equidade ou a responsabilidades comuns mas diferenciadas - foram rejeitadas. Em outros aspectos, a eliminação proposta pelo governo Obama obteve sucesso, riscando conceitos tais como "padrões de consumo e produção insustentáveis" e o desacoplamento proposto entre crescimento econômico e o uso de recursos naturais.

Ao menos os Estados obrigados a assinar esse documento não rasgaram as declarações da última Cúpula da Terra, há 20 anos. Mas, em termos de progresso desde então, isso foi o máximo que aconteceu. Reafirmar os compromissos da Rio-92 é, talvez, o princípio mais radical de toda a declaração.

Como resultado, o esboço do documento, que parece prestes a se tornar o documento final, nos leva precisamente a lugar algum. 190 governos passaram 20 anos se estimulando para "admitir", "reconhecer" e expressar "profunda preocupação" sobre as crises ambientais do mundo, mas não fazem nada acerca delas.

Este parágrafo da declaração resume o problema para mim:

"Reconhecemos que o planeta Terra e seus ecossistemas são a nossa casa e que a Mãe Terra é uma expressão comum em vários países e regiões e notamos que alguns países reconhecer os direitos da natureza no contexto da promoção do desenvolvimento sustentável. Estamos convencidos de que, a fim de alcançar um justo equilíbrio entre as necessidades econômicas, sociais e meio ambiente das gerações presentes e futuras, é necessário promover a harmonia com a natureza".

Soa lindo, não? Isso poderia ser ilustrado com arco-íris e unicórnios psicodélicos e dependurados na porta do seu banheiro. Mas, sem qualquer meio de implementação proposto, isso pode muito bem ser empregado para uma função diferente no mesmo banheiro.

A declaração é notável pela sua ausência de números, datas e metas. Ele é tão recheado com chavões sem sentido quanto uma propaganda de empréstimos, mas sem a necessária ameaça. Não há nada para se trabalhar aqui, nenhum programa, nenhum senso de urgência ou apelo a ações concretas para além das medidas inadequadas já acordadas em flácidas declarações anteriores. Seu tom e seus conteúdos se adequariam melhor a uma homilia de aposentadoria do que a uma resposta a um complexo de crises globais em escalada.

O esboço e provavelmente a declaração final têm 283 parágrafos de balelas. Ela sugere que os 190 governos obrigados a aprová-la, com efeito, desistiram do multilateralismo, desistiram do mundo e desistiram de nós. Então, o que fazemos agora? Esse é o assunto que eu pretendo abordar em minha coluna da próxima semana.
Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

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Os jovens e a religião


CEBI

A desafeição religiosa de jovens e adolescentes

Sexta-feira, 6 de julho de 2012 - 19h09min
"15 milhões de pessoas que se dizem sem religião, para mim, é o dado que desperta curiosidade", afirma o sociólogo. A "insatisfação do fiel com os serviços oferecidos pela sua igreja" é, na avaliação do sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, a primeira explicação para entender os dados do censo 2010, que demonstram um declínio no número de membros das igrejas católica, luterana, presbiteriana e metodista. Segundo ele, trata-se de "uma crise das religiões tradicionais".

Diante deste dado, Oliveira menciona que há um "problema geracional", porque na década passada havia mais católicos com idade de zero a 29 anos do que hoje. Isso significa que as "crianças e os jovens estão deixando de ser católicos". Se isso se mantiver, assegura, "no censo de 2020 a diminuição será maior ainda, porque vão morrendo os velhos, e as novas gerações estão mais afastadas" das igrejas tradicionais. Por outro lado, este dado não atinge as igrejas pentecostais, que apresentaram um crescimento de fiéis jovens e crianças.

Na avaliação do sociólogo, outro dado interessante é o número de jovens sem religião. "Em termos de projeção, isso é algo a ser pensado. (...) 15 milhões de pessoas que se dizem sem religião, para mim, é o dado que desperta curiosidade", diz na entrevista a seguir, concedida por telefone para a IHU On-Line. E dispara: "Quando eu comecei a estudar sociologia da religião, tinha como axioma que o brasileiro é religioso, ou seja, todas as religiões são boas, todas levam a Deus, e o que não pode é não ter religião. Hoje, o caso é diferente não. O fato de ter religião não é um indicador de que a pessoa seja boa, assim como o fato de ela não ter religião não significa que ela seja má. Houve uma mudança na cultura brasileira".

Pedro Ribeiro de Oliveira (foto abaixo) é doutor em Sociologia pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica. É professor do PPG em Ciências da Religião da PUC-Minas. Dentre suas obras, destacamos Fé e Política: fundamentos (Aparecida: Ideias & Letras, 2004), Reforçando a rede de uma Igreja missionária (São Paulo: Paulinas, 1997) e Religião e dominação de classe (Petrópolis: Vozes, 1985).

Confira a entrevista.
IHU On-Line - Os dados do censo 2010, divulgados pelo IBGE, demonstram um progressivo declínio do catolicismo no país. Como o senhor interpreta esses dados? O que isso significa?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Esses dados não estão exatamente relacionados ao proselitismo evangélico, mas sim a uma crise das religiões tradicionais. Ainda não fiz um estudo minucioso dos dados do censo, porém pude perceber que as igrejas tradicionais - católica, luterana, presbiteriana e mesmo a metodista - perderam membros em termos absolutos e não acompanharam o crescimento da população. Uma igreja que me surpreendeu nesse sentido foi a Congregação Cristã do Brasil, que era muito sólida e tinha membros praticantes. Há aí um dado no censo que obriga certa atenção, porque várias igrejas perderam membros, inclusive a Universal do Reino de Deus.

Precisamos ter presente o dado de que a perda de membros atinge várias denominações religiosas. Claro que o proselitismo tem sua importância nesse processo, mas isso ocorre principalmente por causa da insatisfação do fiel com os serviços oferecidos pela sua igreja.
No caso da Igreja Católica, minha hipótese diz respeito ao sacramento. A Igreja Católica foi se tornando, nos últimos 40 anos, mais exigente na realização dos sacramentos. Por exemplo, não se podem batizar crianças se os pais e padrinhos não fizerem um curso, não se pode casar se os noivos não tenham feito a primeira comunhão, ou um curso de noivos - acho tudo isso muito normal. Mas as pessoas deixam de frequentar a igreja por conta das exigências.

IHU On-Line - Qual o significado de o Brasil ainda ser um país majoritariamente católico, considerando que existem os praticantes e não praticantes?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Muitos só consideram católicos aqueles que vão à missa e comungam. Entretanto, a tradição católica brasileira nunca foi de seguir tradicionalmente o catolicismo romano. O catolicismo popular tradicional mostra muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre. Essa frase é perfeita. Quer dizer, a tradição católica sempre teve muita devoção aos santos; era uma religião familiar. Praticava-se o catolicismo em casa, com a família, geralmente a materna, e de vez em quando se frequentava a igreja para receber os sacramentos. Quer dizer, trata-se de um católico não praticante do sacramento, mas um católico praticante da devoção aos santos. Um velho teólogo que já morreu dizia: "O padre fala da ignorância religiosa do povo, e o povo também acha que o padre é ignorante na religião, porque não sabe fazer a devoção aos santos".

Então, o catolicismo tem essa propriedade, é uma religião que comporta muita gente, e diferentes formas de ser católico, inclusive aquela dos não praticantes. De fato, o sacramento fundamental para o católico é o sacramento de entrada na vida, o batismo, e o sacramento de "saída", que é a missa de sétimo dia. Fora isso, ele se vira muito bem com os santos.

IHU On-Line - Qual é a novidade os dados do censo apontam em relação à religião no Brasil?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Uma das novidades diz respeito à idade. Eu tive a curiosidade de sociólogo e comparei os dados de 2000 e 2010. Vi que há um problema geracional. Em 2000, havia mais católicos de zero a 29 anos, do que em 2010. Ou seja, as crianças e os jovens estão deixando de ser católicos. Então, têm mais católicos em 2010 com 30 anos ou mais. Se isso se mantiver, no censo de 2020 a diminuição será maior ainda, porque vão morrendo os velhos, e as novas gerações estão mais afastadas da instituição. É interessante porque isso atinge também o protestantismo de missão, mas não atinge as igrejas pentecostais que, ao contrário, apresentam um crescimento entre os jovens e crianças. Também não atinge os espíritas, que estão crescendo. Outro dado interessante é o crescimento de jovens entre 15 e 19 anos sem religião. As novas gerações brasileiras têm uma forma religiosa muito diferente das antigas gerações. Em termos de projeção, isso é algo a ser pensado.

IHU On-Line - Outro dado do censo é de que a Igreja Universal perdeu 10% dos fiéis. Entretanto, o crescimento das igrejas evangélicas ainda é significativo. Como avalia essa questão? A Igreja Universal tem perdido fiéis para igrejas menores, que são mais flexíveis e aceitam fiéis específicos como jovens, gays?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Tenho a impressão de que a Universal é bem aberta e não é uma igreja rígida, mas eu não a conheço suficientemente. Por outro lado, percebe-se o crescimento enorme da Assembleia de Deus, que é um pentecostalismo clássico. Ela já era a maior igreja dos evangélicos, e hoje já tem quase 50% dos evangélicos brasileiros.

O que também existe é essa difícil categoria de igrejas evangélicas não determinadas. O que será evangélica não determinada? Pode ser aquela interpretação da Fundação Getúlio Vargas, de evangélico não praticante, mas também pode ser essas igrejas novas que estão aparecendo por aí, e que eram conhecidas antigamente como igrejas eletrônicas. Não sei. Mas tudo indica a passagem de uma religião a outra: de católico a evangélico tradicional, ou pentecostal tradicional, depois a neopentecostal, depois a pentecostal não determinado e depois os sem religião. A trajetória parece demonstrar essa passagem. Ao que tudo indica, pelos dados de idade, isso vai continuar.
IHU On-Line - A que atribui essa desfiliação religiosa? A religião como instituição está deixando de ser significativa para parte dos brasileiros? Segundo o censo, de 7,28% em 2000 aumentou para 8% em 2010 o número de pessoas sem religião, cerca de 15 milhões.
Pedro Ribeiro de Oliveira - Penso que sim. A religião está deixando de ser significativa. 15 milhões de pessoas que se dizem sem religião, para mim, é o dado que desperta curiosidade. Quando comecei a estudar sociologia da religião, tinha como axioma que o brasileiro é religioso, ou seja, todas as religiões são boas, todas levam a Deus, e o que não pode é não ter religião. Hoje, o caso é diferente. O fato de ter religião não é um indicador de que a pessoa seja boa, assim como o fato de ela não ter religião não significa que ela seja má. Houve uma mudança na cultura brasileira. O que significa exatamente esses sem religião, eu não sei.

Gosto muito de um conceito pouco usado na sociologia, que é o de desafeição religiosa. Ou seja, a pessoa que desafeiçoa já não gosta mais de uma igreja. Quando uma pessoa se identifica no censo como católica, mesmo não praticante, ela está querendo dizer que a sua referência é aquela igreja, às vezes até por conta de uma relação afetiva com a mãe, por exemplo. Tenho impressão de que esse conceito seria central para entendermos os sem religião.
IHU On-Line - Outro dado demonstra que 64% dos pentecostais avançam em segmentos mais vulneráveis da população, nas periferias urbanas, e entre famílias que ganham até um salário mínimo, 28% recebem entre um e três salários, 42% têm ensino fundamental incompleto. A questão econômica também passa a determinar a crença, a religiosidade?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Isso é difícil. Sem dúvida, quando se pensa que a religião tem a ver com dar um sentido para a vida, uma das grandes questões, especialmente entre os pobres, é se perguntar: "Será que Deus não gosta de mim?", ou, "Por que eu sou pobre?". Nesse sentido, o segmento pentecostal tem uma força grande em termos da difusão da crença, na nossa cultura, da existência dos demônios, ou seja, os demônios, os maus espíritos estão aí. Será que eles estão usando as religiões indígenas, religiões africanas, as religiões celtas que passaram para dentro do catolicismo?

Então, o mundo está cheio de demônios, mas está cheio de deuses também. Por isso, para muitos é bom ter uma religião que seja capaz de expulsar os demônios, porque passam a ter uma vida melhor. Esse discurso é encontrado nas igrejas pentecostais, e isso "pega" bem para pessoas que vivem em uma situação muito difícil, para quem é plausível se dizer que esse mundo é do diabo, que nesse mundo não é bom de viver. Então, precisa-se de uma igreja capaz de "afugentar" o diabo. Essa é a minha explicação para tanto sucesso.

IHU On-Line - O senhor concorda com a crítica de Antônio Flávio Pierucci de que há uma cultura econômica e capitalista entre as igrejas? Quais são as igrejas mais expressivas nesse processo?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Não concordo muito. Pierucci era um sociólogo muito inteligente, só que a linha dele era um pouco diferente da minha. Eu não diria que têm religiões que procuram o capitalismo, mas que há religiões que combinam melhor com a cultura capitalista. E de fato, o protestantismo, como demonstra Max Weber, combina bem com o espírito capitalista. Um grande teólogo já dizia: "O catolicismo também tentou se casar com o capitalismo, mas foi um casamento de interesse; não foi de amor". Eu gosto muito dessa expressão. O catolicismo tem essa dificuldade com o capitalismo. O catolicismo, na sua expressão mais oficial, romana, está muito mais ligado a uma sociedade do tipo medieval e que preza mais a permanência do que a mudança, a evolução e a modernização. O protestante tem uma afinidade de que é preciso mudar, é preciso transformar, é preciso ir adiante. E o católico, quanto menos mexer, melhor será. De modo que essa questão da concorrência, a questão de acumular dinheiro não combina bem com o jeito católico de ser. Combina bem com a tradição protestante, e foi muito bem retomada pelo pentecostalismo. Então, aí sim, eu concordo que há essa afinidade.

IHU On-Line - Que desafios os dados do censo apresentam para a Igreja Católica brasileira?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Diante dos dados do censo, fiquei muito curioso, e entrei no site do Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, e vi lá uma matéria dizendo que a Igreja está viva. Isso é muito interessante. A matéria informava que aumentou o número de paróquias e o número de padres. Isso é igreja viva? A paróquia é uma instituição medieval que na Idade Média era muito boa, e também foi boa para o mundo rural. Se tivesse aumentado o número de comunidades de padres, aí tudo bem, porque teria aumentado o número de padres presente ao lado do povo. Achar que aumentar o número de paróquias é aumentar a presença da igreja no mundo é um equívoco, no meu entender, de todo tamanho. E o segundo é dizer que a igreja está viva porque aumentou o número de padres. A igreja está mais clerical, porque aumentou o número de padres, mas o número de padres não representa a vitalidade para a igreja. A vitalidade da igreja sempre foi a atividade dos leigos.

Tenho impressão de que a reação oficial da Igreja Católica, pelo menos nas matérias que pude ver, é um grande equívoco em termos sociológicos, ou seja, é ainda pensar em um modelo de igreja do Concílio de Trento. A força da Igreja, de qualquer igreja, está no que os protestantes chamam de congregar, ou seja, juntar pessoas que possam participar e sentir-se igreja. Creio que a experiência mais bem sucedida na Igreja Católica foram as Comunidades Eclesiais de Base, seguida dos grupos de oração, grupos de pastorais, que hoje chamam de novas comunidades. Esses programas buscam juntar pessoas leigas que se reúnem, celebram, leem a Bíblia para, a partir disso, influenciar no mundo. Aí está a força de uma igreja, a força pentecostal. A força pentecostal das igrejas evangélicas não é o número de pastores, mas o número de obreiros, que são pessoas leigas, que têm um entusiasmo pela religião.

Trata-se da força de expandir da igreja para o mundo. Isso quer dizer: uma igreja é forte quando tem grupos de leigos que se reúnem para atuar no mundo. Hoje o que vemos é a força de atrair para dentro, ou seja, o bom católico é aquele que está na igreja. Isso aí é o definhamento da instituição. Na hora que os responsáveis pela igreja no Brasil levarem a sério esses dados geracionais, ou seja, a desafeição religiosa de jovens e adolescentes, espero que deem um recado a essa pastoral maluca que eles têm, que gasta todos os recursos para construir seminário e formar mais padres.

IHU On-Line - Como os dados do censo em relação à religião devem se manifestar na política, considerando as próximas eleições?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Esse é um problema, tema para outra entrevista. Mas posso dizer que os partidos políticos se desfiguraram tanto, que agora a eleição passa a ser definida por filiação religiosa, ou entidade religiosa. Muitas pessoas votam num candidato porque ele é presidente do clube de futebol para o qual torcem. Misturam esporte e religião com partidos. Isso é uma pena para a religião, mas é pior ainda para a política. Não sei se os dados do censo serão importantes nas eleições, porque eles podem ser sempre utilizados de uma maneira ou de outra.

Essa identificação do voto político com um candidato religioso funciona em alguns casos, mas nem sempre. Por mais que o pastor diga que para sua congregação religiosa votar em tais candidatos, às vezes isso acontece, às vezes não, porque o critério religioso não determina o voto.
IHU On-line

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A Igreja vive um momento de decepção e de involução


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A Igreja vive um momento de decepção e de involução

Sexta-feira, 6 de julho de 2012 - 19h14min
O bispo emérito de São Félix do Araguaia, o claretiano catalão Pedro Casaldáliga, considera que "nossa Igreja vive um momento de decepção e de involução", de distâncias dolorosas entre a instituição e o povo".
Numa entrevista, publicada no último número da revista interna dos missionários claretianos, "NUNC" (Nuntii de Universa Nostra Congregatione), o chamado "bispo dos pobres", uma das principais figuras da Teologia da Libertação, denuncia que na Igreja católica "falta proximidade nas estruturas e credibilidade".

"Em contrapartida - argumenta Casaldáliga - cresce uma fé adulta e corresponsável em muitos setores do laicato. Há uma liberdade de espírito, que pode ter seus excessos, mas que tem muito de vivência personalizada e comunitária, sinal dos tempos, seguimento de Jesus e abertura profética ao mundo de hoje".

Segundo o bispo catalão, "o ecumenismo e o macroecumenismo se estabelecerão", e adverte que na missão das Igrejas da América Latina "temos de assumir o despertar organizado dos povos originários de nossa afro-ameríndia".

Nascido em Balsareny (Barcelona), em 1928, Casaldáliga completou 84 anos e batalha contra o mal de Parkinson, mas continua "com a opção pelos pobres, como grande motivação de minha vida".

Casaldáliga se define como "um missionário claretiano, que reconhece ter falhado muito como membro da Congregação, a quem devo quase tudo".

"Agora, procuro aceitar com humor esperançado as limitações que o Parkinson me impõe e a solicitude daqueles que me acompanham", explica o bispo da libertação, que dedica mais horas para meditar, receber visitas e escrever algumas mensagens, enquanto recomenda à Igreja que assuma "de cheio o desafio dos meios de comunicação".
Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

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Frei ameaçado!


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CEBI apóia manifesto Pelo Fim das Ameaças e Intimidações a Frei Gilvander Moreira

Quarta-feira, 4 de julho de 2012 - 22h49min
O Movimento Nacional de direitos Humanos/MG e o Instituto de Direitos Humanos - DH, MIDHIA - Comunicação e Direitos Humanos vem pelo presente, repudiar as constantes ameaças de morte e intimidações sofridas por Frei Gilvander Luis Moreira, Defensor de Direitos Humanos. As lutas empreendidas e bandeiras de direitos humanos levantadas em defesa dos pobres de Belo Horizonte e de Minas Gerais têm incomodado setores que há tempos fazem de tudo, para intimidar e calar a voz deste profeta.
No último dia 21 de junho de 2012, Frei Gilvander Luis Moreira recebeu uma homenagem na Câmara dos vereadores de Belo Horizonte, MG, contemplado com o Diploma de Honra ao Mérito, por indicação do Vereador Adriano Ventura.
No dia seguinte à homenagem, o Frei Gilvander Moreira voltou a sofrer ameaças por telefone. As ligações e ameaças seguiram nos dias 25, 26 e 27 de junho. Entre as palavras de ameaças e intimidações o agressor fala palavrões e sugere que o Frei mude de Belo Horizonte o quanto antes e que "sua batata já assou".
Entidades e Movimentos que quiserem poderão socializar essa informação em suas redes e contatos. Informamos que estamos tomando as providências necessárias junto as autoridades competentes, para que sejam cessadas as ameaças e intimidações. O Frei continua Inserido no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos de Minas Gerais - PDDH-MG, conforme o Decreto 6.044/2007, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República -SEDH, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social - SEDESE e o Instituto de Direitos Humanos - Instituto DH.
Assinam: Padre Henrique de Moura Faria - Instituto DH; Ana Lúcia Figueiredo - MiDHia - Comunicação e Direitos Humanos - Gildázio Alves dos Santos - Movimento Nacional de Direitos Humanos/ MG

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Conhecemos a Jesus?


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Rejeitado entre os seus - José Pagola

Sexta-feira, 6 de julho de 2012 - 19h16min
Jesus não é um sacerdote do Templo, ocupado em cuidar e promover a religião. Tampouco é confundido com um mestre da Lei, dedicado à defesa da Torá de Moisés. Os camponeses da Galileia vêm seus gestos curativos e nas suas palavras de fogo eles percebem a atuação de um profeta movido pelo Espírito de Deus.
Jesus sabe que lhe aguarda uma vida difícil e conflituosa. Os dirigentes religiosos irão enfrentá-lo. Esse é o destino de todo profeta. Não suspeita ainda que seja rejeitado justamente entre os seus, entre aqueles que mais o conhecem desde pequeno.
A rejeição de Jesus em seu povo de Nazaré foi muito comentada entre os primeiros cristãos. Três evangelistas recolhem a cena com todos os detalhes. Segundo Marcos, Jesus chega a Nazaré acompanhado de um grupo de discípulos e com fama de profeta curador. Seus vizinhos não sabem o que pensar.
Ao chegar o dia de sábado, Jesus entra na pequena sinagoga do povo e "começa a ensinar". Seus vizinhos e familiares apenas o escutam. Entre eles nascem todo tipo de perguntas. Conhecem Jesus desde criança: é um vizinho a mais. De onde ele aprendeu essa mensagem surpreendente sobre o Reino de Deus? De quem recebeu essa força para curar? Marcos diz que tudo "resultava-lhes escandaloso". Por quê?
Aqueles camponeses acham que sabem tudo sobre Jesus. Eles fizeram uma ideia dele desde pequenos. Em vez de acolhê-lo tal como ele se apresenta diante deles, ficam bloqueados pela imagem que têm dele. Essa imagem impede-lhes abrir-se ao mistério que esconde Jesus. Eles resistem a descobrir nela a proximidade salvadora de Deus.
Mais há ainda algo a mais. Acolhê-lo como profeta significa estar disponíveis a escutar a mensagem que lhes dirige em nome de Deus. E isso pode lhes ocasionar problemas. Eles têm sua sinagoga, seus livros sagrados e suas tradições. Vivem sua religião com paz. A presença profética de Jesus sempre pode quebrar a tranquilidade da aldeia.
Nós, cristãos, temos imagens bastante diferentes de Jesus. Não todas elas coincidem com aquelas que tinham os que o conheceram de perto e o seguiram. Cada um construiu nossa ideia dele. Essa imagem condiciona nossa forma de viver a fé. Se nossa imagem de Jesus é pobre, parcial o distorcida, nossa fé será pobre, parcial o distorcida.
Por que nos esforçamos tão pouco em conhecer Jesus? Por que nos escandaliza lembrar seus rasgos humanos? Por que nos resistimos a confessar que Deus encarnado é um Profeta? Será que intuímos que sua vida profética nos obriga a transformar profundamente sua Igreja?
Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

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Profetas desconcertantes


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Profetas desconcertantes! Raumond Gravel

Sexta-feira, 6 de julho de 2012 - 19h19min
No Prólogo de São João podemos ler que, em relação a Cristo, o Verbo de Deus, "Ele veio para a sua casa, mas os seus não o receberam" (Jo 1,11). Com efeito, eis aqui o drama da Aliança de Deus e os homens; essa aliança é encontro, aceitação, abertura ao outro, transformação, novidade, e essa aliança só pode se expressar através dos profetas, e eles não caem nunca do céu; eles nascem sempre de baixo, na espessura da história humana. É por isso que é difícil reconhecê-los, apreciá-los e escutá-los. As três leituras de hoje nos apresentam profetas: Ezequiel, Paulo e Jesus de Nazaré. Que tipo de profetas eles são eles?
1. O profeta: um ser humano ordinário. Nas três leituras de hoje, nos damos conta rapidamente que os profetas são, antes de tudo, seres humanos bem comuns, com seus limites e fragilidades. Ezequiel, um sacerdote que viveu no tempo de Nabucodonosor e do Exílio de Babilônia (598-587 a.C), é um profeta desconcertante, de genialidade diversa e complexa. Ele é como os israelitas do seu tempo, esmagados pela derrota, desesperados e deportados para a Babilônia. É de joelhos que ele toma consciência de que Deus acompanha seu povo na angústia e que tem necessidade dele para exprimir a sua presença: "Entrou em mim um espírito que me fez ficar de pé. Então eu pude ouvir aquele que falava comigo" (Ez 2,2).
É o mesmo Paulo que escreve a sua segunda carta aos Coríntios: "Eu estava tão preocupado e aflito que até chorava" (2 Co 2,4). Paulo toma consciência de sua pequenez humana perante a grandeza da missão à qual ele se sente chamado: "Para que eu não me inchasse de soberba por causa dessas revelações extraordinárias, foi me dado um espinho na carne (em grego: skolops), um anjo de Satanás para me espancar, a fim de que eu não me encha de soberba" (2 Co 12,7). Será que é um handicap físico, uma doença crônica ou seus adversários missionários eloquentes e autoritários que, com antecedência, ele havia chamado de "servidores de Satanás" (2 Co 11,13-15)? Não sabemos nada sobre isso! Uma coisa é certa: Paulo é muito humano e ele o experimenta na sua carne, (em grego: sarkos), que designa a fragilidade da existência humana.
Jesus de Nazaré não é também um homem comum? De maneira que mesmo a sua família achava que ele era perturbado: "Os parentes de Jesus foram segurá-lo, porque eles mesmos estavam dizendo que Jesus tinha ficado louco" (Mc 3,21). E no trecho que nós temos hoje o evangelista Marcos, retomando o que as pessoas da sua cidade diziam dele, escreve: "Esse homem não é o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E suas irmãs não moram aqui conosco?" (Mc 6,3). Dizer que Jesus é o carpinteiro, o filho de Maria, pode querer dizer duas coisas: 1) que seu pai, José, faleceu; se não Marcos haveria escrito que Jesus era o filho do carpinteiro ou, 2) que se trata de uma família de reputação duvidosa, pois, na época, não se dizia nunca que alguém era filho da sua mãe. Uma coisa é certa: Jesus de Nazaré foi um homem completamente comum, de um meio bem comum, de uma cidadezinha escura que fez que o evangelista João dissesse: "Natanael disse: ‘De Nazaré pode sair coisa boa?'" (Jo 1,46).
2. O profeta incomoda. Um profeta leva sempre uma mensagem de esperança. Por outro lado, a sua palavra deve necessariamente incomodar. O profeta é aquele que anuncia as situações de injustiça, que questiona, que interpela e que convida à mudança, à novidade. Frequentemente nós somos reticentes às mudanças; atolamo-nos em velhos hábitos e desculpamos a nossa passividade apoiando-nos em doutrinas e regras que determinamos serem a Verdade. Porém, não há verdades totalmente acabadas, absolutas, imutáveis, inalteráveis, e para que lembremos Deus deve necessariamente passar por mulheres e por homens como nós. Daí a rejeição, a negação e a condenação dos profetas. O teólogo Michel Hubaut escreve: "Se Deus tivesse desejado que o homem pegasse o caminho errado como se diz, ele não teria conseguido fugir disso...". Pois se há uma constatação na história da revelação judeu-cristã, ela é exatamente essa propensão do homem a querer encontrar Deus nas manifestações extraordinárias, milagrosas e grandiosas. E, ainda, na linha da história, percebemos que Deus prefere as teofanias do quotidiano mais do que as teofanias do grande espetáculo". E, como prova, seu Filho nasceu como todo mundo: uma criança; ele se tornou carpinteiro como seu pai e ele foi crucificado como um vulgar bandido. Hubaut acrescenta: "Não podemos dizer que esse Messias veio lisonjear a espera das multidões".
Contudo, todos os profetas sabem: a Palavra, a Boa nova que eles têm a anunciar será automaticamente mal recebida. A novidade perturba, incomoda. Ela impede de ficar na monotonia. A novidade suscita perplexidade, rejeição. O profeta Ezequiel experimentou-a: "Criatura humana, vou mandar você a Israel, a esse povo rebelde, que se rebelou contra mim. Eles e seus antepassados se revoltaram contra mim até o dia de hoje. Os filhos são arrogantes e têm coração de pedra" (Ez 2,3-4). São Paulo o expressa também desta maneira: "E é por isso que eu me alegro nas fraquezas, humilhações, necessidades, perseguições e angústias, por causa de Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte" (2 Co 12,10). E o evangelho de Marcos faz dizer a Jesus este célebre ditado: "Um profeta só não é estimado em sua própria pátria, entre seus parentes e em sua família" (Mc 6,4), pois é preciso reconhecê-lo, alguns dias a humanidade de Deus nos choca. Preferiríamos um Deus autoritário, todo-poderoso, que impõe as suas recompensas e os seus castigos... Felizmente, esse Deus não existe!
3. Um verdadeiro profeta. Como discernir o verdadeiro do falso profeta? Temos de ser prudentes e atentos aos sinais dos tempos. Infelizmente, na Igreja atual, alguns acham que são verdadeiros profetas pela sua intransigência, pela sua severidade e pelo que eles falam. Mas, atenção! O fato de ser criticado, rejeitado ou ainda de deixar indiferentes às pessoas que me rodeiam, não fazem de mim automaticamente um profeta. A Palavra que eu levo deve ser uma Boa Nova, uma Palavra que liberta, que salva e que dá esperança. E é por isso que os verdadeiros profetas não são sempre aqueles que nós pensamos. Eles são dificilmente apoiados pelas instituições, mesmo pela Igreja... Pois a Igreja, ela também não gosta do que incomoda, não gosta de mudança, de novidade, e os profetas são frequentemente suspeitos. O teólogo francês Hyacinthe Vulliez escreve: "Quando queremos nos desfazer de um profeta é habitual tratá-lo de anormal, de atípico e mesmo de estrangeiro, o que permite distanciá-lo e mesmo fazê-lo desaparecer. Não gostamos da pessoa que tem um discurso diferente do convencional. Ele incomoda, ele faz sair da monotonia de sempre, e isso o pessoal não gosta!"
O verdadeiro profeta de hoje deve necessariamente ter a linguagem das mulheres e dos homens de hoje, caso contrário ele deixará indiferentes as pessoas mais vulneráveis da sociedade: os pobres, os pequenos, os desprezados, os feridos da vida. A sua palavra deve denunciar as injustiças que sofrem e lhes permitir de ter esperança. Pode ser que o verdadeiro profeta não seja católico, nem mesmo cristão. A sua pertença a uma confissão particular não tem nenhuma importância. O profeta é aquele que restaura a justiça, que devolve a dignidade aos excluídos e aos feridos da vida e que traz esperança num mundo melhor.
Concluindo, o versículo evangélico que diz: "E Jesus não pôde fazer milagres em Nazaré..." (Mc 6,5) corre o risco de nos surpreender. Nós temos lá a prova de que um milagre não é um passe de mágica ou um prodígio que vira as leis da natureza; o milagre é um sinal que fala da proximidade daquele que faz com quem vê. O que significa que para que o milagre, o sinal possa se realizar, é preciso uma inter-relação, uma fé, uma confiança entre quem a dá e quem a recebe, se não nem a Palavra nem o sinal poderão produzir seus frutos. Se isso foi verdadeiro no tempo de Jesus, assim também é ainda hoje.
Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

Censo apresenta falhas na classificação das religiões, aponta Altmann


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Censo apresenta falhas na classificação das religiões, aponta Altmann

Quarta-feira, 4 de julho de 2012 - 18h00min
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O Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acerta no atacado, mas erra no varejo, disse o moderador do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), pastor luterano Walter Altmann, ao analisar os números divulgados sobre a população religiosa do Brasil. Altmann foi um dos debatedores, hoje, do programa Polêmica, da Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, que perguntou se o crescimento dos evangélicos deve-se à conquista de espaços entre a população brasileira ou à diminuição do número de católicos.

O Censo não sabe indicar se luteranos cresceram, ficaram estáveis ou diminuíram sua membresia na última década. O processo censitário considerou três grandes grupos de evangélicos: os de missão, os de origem pentecostal e os não determinados. Dos 42,2 milhões de evangélicos brasileiros, 9,2 milhões são indeterminados, classificação que nem o IBGE consegue definir com precisão. Nesses indeterminados podem aparecer luteranos, metodistas, presbiterianos, evangélicos, protestantes.

O padre Irineu Rabuske disse que os dados agora divulgados pelo IBGE sobre o Censo de 2010 não surpreenderam a Igreja Católica, que desde o primeiro processo censitário brasileiro, realizado em 1872, para os demais vê diminuir o número de fiéis.

Rabuske lembrou que ser católico no século XIX era quase que compulsório, pois a Igreja Católica era quase que a única denominação presente no país. Mas muitos não passavam de católicos nominais, disse. Que tipo de acompanhamento espiritual recebia o fiel de Uruguaiana, na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina e o Uruguai, que via um padre vindo da capital, montado em lombo de burro, percorrendo uma distância de 700 Km de tempos em tempos? - indagou.

O pastor Eliezer Morais, da Assembleia de Deus, comentou fatores que levam a denominação a registrar um dos maiores índices de crescimento numérico no país. "Proclamamos o que herdamos da Reforma - a salvação somente pela graça, fé e escrituras - não clericalizamos a liturgia, trabalhamos com simplicidade, envolvidos com a realidade do povo brasileiro e fazemos com que os fiéis leiam a Bíblia", disse, em resumo.

Altmann destacou que o Brasil continua um país extremamente religioso e que esses movimentos que o Censo aponta, de crescimento de pentecostais, diminuição de católicos, dá-se entre denominações da cristandade.

O advogado e jornalista Milton Rubens Medran Moreira, do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, afirmou no Polêmica que o espiritismo entra no item das religiões do Censo assim como Pilatos entrou para o Credo Apostólico. Para ele, o espiritismo não é uma religião, mas uma filosofia. Com 3,8 milhões de seguidores, o Brasil é o país mais espírita do mundo, informou.
Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)