APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011


Palavra de vida e a vida da Palavra
O inferno são os outros!” J. P. Sartre
De fato assim o é.
Os outros são, sempre, os impeditivos para a plena expansão de nossos desejos, necessidades, anseios. Se olharmos a vida e o outro a partir do Eu, do nosso ego, do ponto de vista de prazer pessoal, individual, não há como negar que o outro nos atrapalha ou se torna apenas objeto de nosso prazer. São acolhidos, pois, se, e apenas se, servem ao nosso prazer.
Lia Luft, em entrevista ao Globo News, disse que o outro é uma floresta escura. Uma floresta escura! Inacessível, sombria, temerária, desafio permanente a nosso ser. Um mistério a ser desvelado, descoberto, que se atualiza a cada dia e instante a partir de suas relações e olhares, que pode nos revelar um pouco da presença de Deus nesta dinâmica existencial. E, não nos esqueçamos, não podemos viver sem este outro, pois individualmente não nos bastamos – inclusive materialmente.
Somos seres relacionais por excelência, abertos ao outro, assim como ao infinito e ao Eterno, dependentes do outro, pois criados a partir e fundados no Amor. Eis a nossa verdade mais íntima e profunda – nosso fundamento – que é o Amor – Deus por excelência, que se expressa, se comunica, se historiciza.
Deus, o Criador, amor Pleno é também como uma floresta escura e misteriosa que pede para ser desvelada, desvendada, revelada. Isto se dá num espaço vital e experiência humana que se revela no agir comunitário dos cristãos inspirados pelo Santo Espírito e pela Palavra Viva de Deus – a Bíblia.
Nossa vida, toda ela, é ritmada pela natureza e por nossos hábitos, construídos em nossa trajetória pelo processo formativo, cultural e familiar.
É neste nosso – às vezes enfadonho – dia a dia que nós temos a possibilidade de reconhecer a centralidade da palavra para nos guiar em nosso caminhar. A cada dia a Igreja oferece a seu povo porções de sua Sabedoria (pequenas e amadas cápsulas) para a nossa reflexão. Esta porção diária nos impele a sair de si, pois não está estabelecida por nós, mas pela comunidade cristã.
Este ritmo, livremente assumido pelo Amor, estabelece uma cadência regular e constante que permite organizar o tempo próprio e abrir espaço para o que nos é essencial e central na própria vida. – pois lhe dá sentido, significado e direção. E torna-se, paulatinamente, um enamorar-se irresistível pela Palavra que nos encanta, toca, transforma, consome.
É ali, no cotidiano, que se dá o ritmo estratégico e decisivo na vida de uma pessoa. A Palavra de Deus, reconhecida como centro da vida e do dia a dia, implica, pois uma postura de total colocar-se nas mãos do Outro, de total disponibilidade, humildade e radicalidade, pois acabamos por assumir que o ritmo de nosso existir é fixado pelo Criador e acolhido livremente no Amor.
Eis porque é a meditação diária da Palavra que inaugura o dia do cristão e lhe proporciona a chave de leitura de sua vida e pessoa, e que possibilita que ao final do dia possa voltar a se examinar e a reler seu viver. Este olhar e Palavra é o próprio Deus que nos invade e orienta. Sendo ele Amor nos penetra, modifica, transforma e guia em direção a nossa humanidade. Pois quando nos apequenamos nas ondas do egoísmo, do consumismo e das aparências ficamos menores em estatura, em sensibilidade e em fraternidade. Temos, pois, a possibilidade de sermos mais e assim estarmos a caminho da felicidade e Paz que Ele amorosamente nos oferece.
É assim que a minha identidade está dentro da identidade de Deus, por assim dizer, porque nessa mesma palavra que fala de Deus sou convidado a colher também a minha vocação, o meu modo de assemelhar-me a ele, o meu projeto existencial, o meu nome escondido no dele. (Cencini, 2010).
Este refletir e meditar sobre a Palavra fecundada que é fecundada pela vida, pelos acontecimentos transformando-se em ação e oração, em contemplação, em raiz de todo gesto e pensamento, afeto e desejo.
Ocorre, entretanto, que a vida cristã tem também um ritmo semanal que se dá, necessariamente, comunitariamente na liturgia Eucarística. É este o centro fraterno que nos anima a perseverar no Caminho, a construir solidariamente estruturas de serviço e de testemunho do amor, que nos constitui.
É esta experiência, concreta e palpável, diária e cotidiana, do Encontro com a palavra, animados pelo Espírito e pelo alimento Eucarístico que nos transforma em servidores da Justiça e do Direito e testemunhas do Seu Amor em nós e no meio de nós.

Paulo Cesar Portellada
Acupunturista, Filósofo
Pós graduado em Direitos Humanos pela PUC – GO

Bibliografia
CENCINI, Amadeo. A vida ao ritmo da Palavra: como deixar-se plasmar pela Palavra. São Paulo: Paulinas, 2010.

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