APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

TRANSFIGURAÇÃO

                                  1 Reis 19, 9-18         2 Pedro 1, 16-21         Marcos 9, 2-9
                                                              TRANSFIGURAÇÃO
Na primeira leitura se apresenta um drama humano. Mostra um homem solitário, Elias, perseguido, mas fiel a Deus e à Sua Palavra, ainda que os israelitas tenham abandonado a aliança com Deus, derrubado os altares e matado os profetas. Praticava-se a injustiça. Elias foi à montanha – lugar tido como privilegiado à manifestação de Deus – e esperava encontrar Deus no furacão, no terremoto, no fogo. Deus, porém, se expressou numa brisa suave. Hoje está na moda procurar a Ele em eventos miraculosos, fantásticos, em pastores “superpoderosos”... Mas Ele insiste em dizer que não é aí que reside, mas na calmaria da brisa. Temos de mergulhar na contemplação D’ele, em suas palavras e sua vida, para que possamos ver as maravilhas que tem feito por nós.
Na segunda leitura está dito que somos testemunhas oculares de Sua glória. Testemunhas marcadas que garantem a veracidade e a força da mensagem salvadora do cristianismo – de transformação real e concreta de nossas vidas, de forma a ser evidente um olhar diferente. Fala mais, que o combustível adequado a esta conversão permanente de nossas vidas é uma interpretação correta das Sagradas Escrituras, que não deve ser guiada por leituras particulares, movidas por egoísmos e aspirações que muito pouco tem de ver com o seguimento do Cristo.
Temos agora o relato da transfiguração em Marcos 2, 2- 13. Peço, entretanto, vossa permissão para enquadrar o texto em seu contexto, em sua moldura textual. O texto anterior, de Marcos 8, 31-38, nos mostra Jesus repreendendo a Pedro porque este vê Jesus como um Messias poderoso (e quanto de nós o querem e o procuram apenas desta forma?) ao invés do Servo Sofredor, do Deus serviço, do Deus Amor.
O texto do capítulo 9 mostra que Jesus foi à montanha para orar com seus amigos e ali eles enxergam Jesus conversando com Moisés (simbolizando a Lei judaica) e Elias (simbolizando os profetas). Façamos aqui uma pequena pausa para vos lembrar da suprema importância de oração como condição para enxergarmos a verdadeira face de Jesus, sua condição divina e sua condição absolutamente humana. Será que temos orado o suficiente?
Aqui, algo a mais deve ser dito, a profecia não é falar o que vai acontecer com você ou alguém (isso seria, no máximo, vidência!), mas ser capaz de ver e combater toda e qualquer idolatria, de combater a injustiça e a opressão, de ver que o ser humano hoje trocou Deus pelo dinheiro, o luxo, e o poder, mesmo nas igrejas, o que é profundamente lamentável e triste. Profetizar significa denunciar, questionar as estruturas pecaminosas em que estamos mergulhados e que produzem tantos e tantas esquecidas. Esquecidas por nós e não por Deus, que segue mandando seus profetas e santos e a nós convoca....
Pedro, entretanto, quer logo montar uma tenda, uma Igreja, um local de poder. E Deus e sua manifestação amorosa querem é estar e residir na casa e no meio e no centro da vida das pessoas. Veremos isso adiante... E Deus fala na sombra para que ele, e também nós, escutemos a Palavra de Jesus e que a ressurreição pascalina vai dar condições de entender do que fala, que a vida vence a morte a partir de Deus. Eles ficam com medo, assim como nós, que quando chamados a entender e receber este Deus humano e divino com as exigências derivadas deste encontro nos paralisa. Temos medo de mudar, de nos converter. E, no fundo, percebemos nossa pequenez e nossa fragilidade, da qual normalmente queremos fugir... è na humilodade do reconhecimento de nossa fragilidade que está aberta a ossibilidade de encontrar a Deus, sua intimidade e sua mensagem, não na arrogância, no poder, na prepotência.
Ocorre, porém, que o Mistério eterno da encarnação, deste encontro salvífico, nos fascina e nos atrai para Si. E, mesmo em nossa pequenez, podemos receber o Mistério na Eucaristia, nos Sacramentos, nos encontros amorosos, na Graça de Deus. Jesus, no relato da transfiguração em Mateus fala a Pedro: levanta-se e anda. Levantar em hebraico tem a mesma raiz de ressuscitar. Quando Deus chega e nos toca toda morte, desolação e a paralisia são transformadas em vida e dinamismo. Somos chamados a sermos testemunhas disso.
Por último, mas não por fim, Jesus volta da montanha, volta à multidão e cura um menino surdo e mudo. Leva vida onde há morte. Esta é a glória de Deus. E fala aos discípulos que para fazer isso é preciso confiar na força da oração. Nosso Deus é, pois, um Deus que nos aponta para o serviço e para o testemunho deste amor com os outros. E agora uma boa noticia: Em João, no episódio do lava pés Jesus nos diz que o serviço é o segredo da felicidade, o seu caminho.
Aproveitemos o tempo da quaresma, que se aproxima, para refletir sobre nossas vidas e nosso agir para nos prepararmos dignamente para a experiência da Páscoa.
Como pessoas e como igreja temos vivido e reconhecido a real dimensão de Cristo Jesus?
Leonardo Boff em artigo no livro Teologia para viver com sentido fala algo muito bonito: irmão que ajuda irmão é como uma cidade poderosa. Reconheçamos que somos irmãos em Cristo – todos! – e construamos esta cidade fundada no amor e na experiência do Cristo transfigurado.
Que assim seja!

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