APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

domingo, 6 de maio de 2012

Espírito Santo

Pequena reflexão sobre o Sagrado Espírito e sua manifestação.
Precisamos ser e não ter. Não podemos nos definir pelas posses, pelo reino da utilidade (inútil para nossa felicidade!), mas pelo ser! Todos concordamos com esta frase, mais uma que foi alçada à unanimidade. Ouvida por mim inúmeras e inúmeras vezes. Mais um chavão, uma frase de efeito e bonita que parece dizer muito, mas normalmente nada ou muito pouco significa de concreto, de real, de compromisso com o outro, com nossa vida real.
Este homem em busca do ser ou de ser acabou por perder significado ou mesmo em apontar para uma espiritualidade abstrata que chega a desprezar a história, a matéria, a corporalidade, o encontro com o outro como o espaço privilegiado da Revelação.
Somos feito a imagem de deus, pois é nesta imagem que O revelamos. Somos seres de encontro, de relação. Toda nossa formação humana – ética, pessoal, afetiva, profissional – depende de nossas relações, como somos vistos, olhados, amados, tocados. Hoje, porém, nos encontramos principalmente movidos por interesses – econômicos, sexuais, de prazer banal e passageiro, do encontro no desencontro fragmentado de papéis sociais ou do imperativo estético. Este prazer é fugidio, instantâneo e deve ser seguido por outro e outro e mais outro, sugar seu tempo, seu bolso, tua mente, sua vida. De necessidade em necessidade, de desejo em desejo vamos nos esvaziando, tornando-se o nada, caminho seguro para a depressão, para a dor, para o sofrimento.
Ocorre, porém, meu irmão e minha irmã, que tua vida, teu corpo, teu olhar é e deve de fato manifestar-se como um culto, uma celebração festiva e alegre que se realiza na gratuidade do sacrifício, da entrega.
Michel Amaladoss, no livro Rumo à Plenitude, diz:
Mas uma vez que o individuo se decide a fazer o bem, sua ação é originada e enriquecida pelo poder divino, de forma que a plenitude de vida a lhe fluir não é sua, mas de Deus. Santo Inácio de Loyola tem uma máxima que bem ilustra o mistério. Ele diz “faça todas as coisas como se dependessem de Deus e ore como se isso dependesse de você”. Poder-se-ia esperar justamente o contrário dessa frase, ou seja, “faça todas as coisas como se dependessem de você e ore como se isso dependesse de Deus”. Mas Inácio tem uma concepção interessante. Devemos fazer tudo como se não estivéssemos nós mesmos agindo, mas Deus agindo em nós. Por isso, devemos estar abertos e disponíveis a Deus. Mas devemos orar como se tudo dependesse de nós. Conhecendo quanto somos fracos, procuraremos nos entregar a Ele. O resultado de ambas as ações é mostrar a prioridade da ação divina, mesmo quando colaboramos livremente.
Devemos deixar que Deus dirija nosso olhar, nossos passos, nossas vidas. Os méritos não são nossos, devemos reconhecer nossa pequenez, nossa fragilidade, a morte que pode nos alcançar a qualquer tempo. É Deus quem age. Apenas ele possibilita, pela graça, que permanecemos fiéis a Ele, a Seu serviço. Mas devemos orar para que ele nos de força de, a cada dia e pela eternidade, ter força de nos reformar para em tudo e em todos os encontros revelar o Senhor da Vida. Precisamos orar, precisamos do silencio para nos capacitar a sentir Seu Sopro, Seu Espírito, Sua Voz. Precisamos estar aberto ao silencio e ao outro para ouvirmos Suas instruções, seus caminhos. E, sempre e sempre, nos entregarmos – capitularmos mesmo – em seus amorosos braços.
Outro dia ouvi uma música, inclusive bonita e tocante, que dizia que o Espírito reside no ouvinte. Discordei e sigo discordando. Jesus fala que o Espírito acontece e vem quando temos duas ou mais pessoas em Seu nome - na Presença Dele, em sua experiência – reunidos. Podemos, sim, ouvir Sua voz, mas certificados, mergulhados, vivificados pela e na comunidade. É no espaço e no encontro de amor que Ele se expressa e manifesta, portanto o outro é o veículo privilegiado para Seu encontro. Não sou dono dele, longe de ser tão santo, de ser tão digno, tão prepotente, tão grande. Preciso da comunidade para me fazer entrega me fazer amor, para sentir e viver em Sua Presença – inclusive Eucarística e de partilha. Preciso também da comunidade para ser lapidado, cortado, corrigido, interrogado, aperfeiçoado. Sem comunidade não há cristão, e, mais do que isto, não existe espírito santo manifesto. A Bíblia, vejam bem, assim o diz.
Precisamos afetivamente, socialmente e profissionalmente do outro, inclusive para nos desenvolvermos em nossa humanidade amorosa que caminha inexoravelmente para a entrega absoluta – a morte.
Precisamos ainda mais do outro e da comunidade para que Deus se revele, para ouvirmos Sua voz e na resposta orante respondermos seu sopro suave e doce com a pequenez de nossa vida. Mesmo um monge eremita precisa do silencio acolhedor do olhar dos monges de sua comunidade orante, dos momentos de oração coletiva.
Creio que é por isso que Jesus fala de seu seguimento como entrega de tudo, de sua própria vida – e Ele mesmo o fez – para a salvação. Nesta entrega, nestes encontros verdadeiramente salvífico e definitivos, percebemos Sua presença, mergulhemos em seu Amor e, quem sabe, soltemos centelhas que possam contagiar, tocar, abraçar, cariciar um coração e também o enfeitiçar. Feitiço de amor.
Que me fez ser seu.
Amém.

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