APRESENTAÇÃO

Textos e silêncios pretende ser um espaço reflexivo ecumênico, fundamentalmente voltado para a vida concreta das pessoas a partir de textos e livros, mas também do caminhar contemplativo e meditativo, da vivência amorosa e solidária dos que, de alguma forma, partilharam comigo suas vidas, dores, sofrimentos e esperanças. A eles - e a vocês - devo a minha vida, o olhar que desenvolvi de existência e a experiência cristã do encontro com o Cristo servidor que nos salva. A eles sou devedor, minha eterna gratidão.

sábado, 13 de outubro de 2012

Um Deus mestiço na pós-modernidade da América Latina


CEBI

Um Deus mestiço na pós-modernidade da América Latina

Terça-feira, 9 de outubro de 2012 - 20h08min
Compreender a irracionalidade da violência para entender o humano em sua problemática mais fundamental, que é, justamente, a violência. Com essa temática o teólogo Carlos Mendoza iniciou sua conferência na tarde de segunda-feira, 07-10-2012, dentro da programação do Congresso Continental de Teologia, sediado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Como deter a espiral da violência, perguntou-se? Pensadores como Emmanuel Levinas e sua ideia de ética do outro, o problema do mal em Paul Ricouer, Andres Torres Queiruga e René Girard, que aborda a violência e o sagrado e o bode expiatório são fundamentais para pensarmos esse mundo pós-moderno e a religião nele.

Mendoza destacou que o tempo messiânico é um de seus principais objetos de estudo hoje, bem como o sofrimento dos inocentes e a esperança em um mundo diferente, ideias originadas no judaísmo e uma crítica à pós-modernidade. Assim, abordou diversos aspectos em sua fala:
I. O retorno do sagrado

O século XIX foi anunciado como século do ateísmo, que implantaria a razão como única guia da civilização moderna. A ilustração é organizada um grande projeto de autonomia e emancipação. Já o século XXI não seria religioso, destaca Mendoza. Na América Latina vimos o ressurgimento das culturas originárias, como a Pacha Mama, e o ano de 1992 foi simbólico para afirmar a força das culturas originárias. O sagrado foi descrito no pensamento filosófico moderno como uma experiência limite do sujeito, a saber R. Otto, Levinas, Ricoeur, D. Tracy, R. Girard e F. Hinkelammert e E. Dussel.
II. No início do século XXI o pensamento hebraico se propõe como uma primeira alternativa para superar a modernidade instrumental.

Atenas                                    Jerusalem                            Extra murosDeus trágico                           Deus Santo                           Deus unitário
Mesmidade                             alteridade                             comunidade
Eu                                           tu                                          nós
Narciso                                   Abrahão                                Jesus de Nazaré
Prometeu                               Abel                                       Crucificado que vive
Vários filósofos criticavam a razão instrumental e técnica, focada numa matriz cartesiana. Porque voltar a Jerusalém, então? É preciso pensar nas categorias acima, disse Mendoza. A racionalidade hebraica implica que o messianismo Deus de Israel se envolve na história de um povo oprimido. Segundo a tríade fundamental do único ato divino (Rosenzweig): revelação, criação e redenção.
A lógica de Jerusalém

Para Carlos Mendoza, a lógica hebraica se baseia em:

- postular o desmantelamento por parte de Deus do sagrado violento desde as origens da história;

- promover a crítica dos ídolos de morte que suplantam ao Deus da vida. Trata-se de um Deus que atua para todos, mas sempre a partir dos excluídos: a viúva, o pobre, o órfão e o estrangeiro, por exemplo.

- Tal é o anúncio messiânico dos tempos novos.
III. A teologia cristã pós-moderna é uma crítica da modernidade instrumental

1. Em continuidade com o judaísmo liberal moderno

- propõe uma radicalização da experiência hebreia de Deus compassivo

- assume o monoteísmo e a universalidade do próximo segundo a regra de ouro

- leva ao extremo esvaziamento divino de Deus

2. Em sua novidade e diferença o cristianismo pós-moderno tem quatro caraterísticas próprias

(i) é um anti-messianismo (Ch. Duquoc, R. Girard, I. Ellacuría, J. Alison). Propõe um Jesus que é diferente, "queer".

(ii) o cristianismo pós-moderno é a inteligência da vítima não ressentida que supera o círculo fatal da rivalidade (Alison e Girard). A exclusão tem muitos rostos. Como compreender que por essas experiências pode se revelar o rosto de Deus?

(iii) como anúncio escatológico de outro mundo possível e real desde a imaginação de Deus em chronos e kairós. O tempo de Atenas e de Jerusalém é totalmente diferente, observou Mendoza. 

(iv) a lógica da gratuidade absoluta como dimensão do amor

- não recíproco

- a-simétrico e

- incondicional
Um Deus mestiço
Valendo-se de ideias de James Alison, Mendoza acentua que a vergonha é o primeiro lugar teológico. Só quando se vive o colapso dos sonhos de onipotência juvenil é que se pode conhecer o Cristo. A perspectiva pós-moderna trata de falar a partir das margens, ponto crucial para entender o enfoque pós-moderno da teologia. 

Mendoza aponta, ainda, as questões sugeridas do modelo emergente da pós-modernidade:

- a insuficiência da racionalidade objetivante (J. L. Nancy, F. Hinkelammert);

- a possibilidade de uma ética mundial não violenta a partir do consenso entre as religiões (H. Küng e L. Boff);

- O descentramento do sujeito moderno: o giro do giro copernicano para incluir o cosmos e a Deus (R. Pannikar e I. Gebara);

- a crítica dos reducionismos.

O cenário da teologia na América Latina é a diversidade, a pentecostalidade. Tal diversidade é uma benção no horizonte religioso. A Igreja Católica não deveria ser mais kenótica para compreender essa diversidade?, perguntou Mendoza. Deus é mestiço, híbrido, não é puro, não tem uma raça única, senão que está encarnado por toda parte. A Europa está dentro de nossas veias assim como o nosso sangue corre na deles. Toda a literatura latino americana está em parte ligada à cultura europeia, como propõe João Cezar de Castro Rocha - UERJ. 

Na pós-modernidade é preciso fazer teologia a partir das vítimas, porque só elas tem o poder de perdoar. Contudo, algumas pessoas, pouquíssimas vítimas, exercem essa função. Elas tendem a se articular em revanche. Como, então, acompanhar e escutar o grito das vítimas em algo que possa, verdadeiramente, salvar, e não humilhar? O perdão é o horizonte último. A reconciliação nacional deveria ser incluída como agenda política nacional. 

O perdão não é esquecimento, mas imaginar desde a memória perigosa, subversiva dos inocentes sacrificados as mudanças necessárias.  Somos todos sobreviventes de algum tipo de sacrifício, apontou Mendoza.  Trata-se de uma tarefa ético política pensar algo que seja mais do que uma religião, mas uma ética de compromisso com os excluídos.
Quem é Carlos Mendoza?
Carlos Mendoza-Alvarez se formou em Filosofia, pela Universidade Autônoma do México, e fez doutorado em Teologia, em Paris e Friburgo (Suíça). Em sua tese de doutorado procurou tecer um diálogo com o pensamento hermenêutico de Paul Ricoeur, a ética da alteridade de Emmanuel Levinas e a teoria mimética de René Girard. Dentre seus escritos, destaca-se o livro O Deus escondido da pós-modernidade: desejo, memória e imaginação escatológica. Ensaio de teologia fundamental pós-moderna (São Paulo: É Realizações, 2011). 

Momentos após sua conferência na tarde de 07-10-2012, Mendoza concedeu uma entrevista pessoalmente à IHU On-Line, que poderá ser conferida em breve.


 
Márcia Junges.

Nenhum comentário: