Êxodo
34, 29-35 I Corintios 12, 27 – 13, 13
Lucas 9, 28-36
Queridos e amados,
O Novo Testamento em Lucas
mostra, assim como no Antigo Testamento, que a oração transfigura o ser humano.
Neste caso, entretanto, João e Tiago perceberam a grandeza de Jesus e sua
ligação com Moisés e Elias, baluartes e referências do povo judaico. Pedro
pediu para montar ali uma tenda e ficar ali em convívio com Jesus, Moisés E
Elias. Este não era o caminho. Estar ali, parados, com Jesus não era – e segue
não sendo – o caminho para os seguidores de Jesus. Acomodar-se neste estado, que certamente
implica um perceber-se melhor que os outros não é o caminho que o seguimento do
Senhor aponta. E significa. Nenhuma acomodação é possível neste caminho. Nem a
religiosa, nem em privilégios de status, poder, dinheiro e luxo. É preciso que
a Igreja e cada um de nós estejam existencialmente, e na mente, e no coração
com os excluídos.
Moises, lá no Êxodo,
transfigurou-se após ter falado com Javé e estar com as duas tábuas da aliança.
Aliança que segue sendo válida. A presença com o Senhor nos transforma,
transfigura, ilumina. Esta experiência de transfiguração permite a cada um que
se transforme em luz e alegria ao mundo, e isto, ainda hoje, é possível a cada
um de nós. Temos várias formas de acessar, encontrar e construir esta relação
íntima e amorosa com Deus, nosso Salvador.
A primeira delas é a oração,
portal que nos insere num processo de paulatina transformação mística de
conformação de si em espaço de manifestação de amor e acolhimento. A oração,
derivada da Palavra rezada e meditada, transforma nossa vida e a torna um
anúncio da justiça de Deus, num ícone do amor de Deus que salva.
Para que isso ocorra,
entretanto, devemos mergulhar nesta experiência em comunidade ou sozinhos,
requer uma postura de humildade e busca de permanente conversão. Assim fala
Frei Mariano Ceras, no livro A Oração no Carmelo, a pagina 64 diz:
“Para uma pessoa que
não está disposta a renunciar à sua própria ética, à sua própria pretensão de
autosuficiência é impossível entender o livro das Escrituras. Qualquer um pode
ler a Bíblia. Mas, se não está disposto a colocar uma discussão a si mesmo,
suas próprias certezas e riquezas, o livro permanece fechado para ele, ainda
que materialmente, pareça aberto: é preciso esvaziar o coração para que a
Palavra de Deus possa enchê-lo com a sua riqueza.”.
A outra forma existente de
transfigurar-se não pode – nem deve – desligar-se da oração, mas manifestar-se
socialmente e na relação objetiva com as pessoas concretas com quem vivemos.
Como belamente relata a segunda leitura de hoje, de nada vale todos os dons,
capacidades, presentes, conhecimentos, bens e títulos de um ser humano se este
não tiver amor. Amor que não seja abstrato, teórico ou discursivo, mas ativo,
operante, que leve vida onde impera a morte.
“Não se alegre com a injustiça,
mas se regozije com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo
suporta. O amor jamais passará...”
Um amor que passa pela
honradez com o real, com a honestidade para com a realidade. Supõe, como bem
fala Jon Sobrino, no belíssimo livro Onde está Deus?:
“estamos abertos para que a
realidade nos interpele, nos questione e nos leve a uma conversão, que capta a
real extensão do pecado e de graça na realidade. O Evangelho caracteriza-se por
uma luta permanente contra toda forma de mentira e dissimulação da realidade
para que a luz da verdade sobressaia. (...) Trata-se de deixar a realidade
falar (escutar, ver, discernir) e dar voz (grifo meu) à realidade (anunciar,
pregar, testemunhar).”
É preciso, de fato, olhar a
realidade com lucidez e sem fantasias auto impostas ou ideologicamente inculcadas
a nós pelos meios de comunicação de massa: jornal, televisão etc. É preciso
olhar, olhar com mentes e olhos bem abertos (e nem precisa tanto assim porque a
crua realidade está aí a bater em nossos olhos nas calçadas e cracolândias) que
vivemos em um mundo em que poucos, de fato, têm direito à vida. O direito à
vida, no discurso, é evidente a todos. No discurso apenas. Como diz Jon sobrinho
a verdadeira expressão do que é ser humano é decidida a partir das vítimas,
pois não tomam a vida como algo pressuposto. Claro, tem de lutar, e lutar muito,
para poder, apenas, sobreviver. E chegar aos 40, 50, 60 anos “em cacos”, aos
pedaços, e seguir a triste sina de ser jogado para lá e para cá pelo sistema de
saúde pública precária e aviltante. Isso os que até lá chegaram, pois tiveram a
sorte de não serem assassinados por bandidos ou policiais, de não terem sido
sugados pela vida sem sentido ou pelas drogas, de serem deformados pela péssima
educação pública.
Sobreviventes, heróis da
vida diária. O lugar onde se decide o humano, o lugar das vítimas. Os amigos de
Jesus. É lá onde Deus se revela, se encontra, se manifesta. No agir amoroso a
estes a glória de Deus se manifesta, se expressa, transforma e transfigura. Não
um encontro apenas pessoal e eventual, que mantém a tragédia estrutural do dia
a dia. Um encontro com Deus nas vítimas, que transforma a vida e o momento
dramático, nossas relações éticas e pessoais e as estruturas de pecado e morte,
que mantém este estado de coisas terrífico e cruel.
Como disse em palestra o atual
Mestre Geral da Ordem dos
Dominicanos – cujo nome me esqueci - devemos seguir:
Dominicanos – cujo nome me esqueci - devemos seguir:
1.
Nunca sem os pecadores, pois somos – todos-
pecadores, frágeis e insuficientes.
2. Nunca
sem os pagãos, nunca sem o espírito de missão de ser e levar a Boa Nova – de amor,
paz, justiça, encontro a todos – religiosos ou não – que tenham se afastado da
dura realidade e do Deus encarnado e
misericordioso Jesus Cristo.
3.
Nunca sem os excluídos, nunca sem os
esquecidos, nunca sem os favoritos de Jesus, nunca sem enfrentar aqueles que
mantêm a estrutura de morte.
Que a experiência de Deus
nos leve ao encontro amoroso com todos, à percepção da Graça de Deus que nos
acolhe e envolve e a entrega de nossas vidas a Ele. Tal é o caminho, acredito
firmemente, para a nossa felicidade.
Alegres e felizes a orar e
dançar pela vida, no meio de libertos de toda escravidão.
Amém!
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